Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

José Nêumanne

COBRAS CRIADAS / RESENHA

"A revista que virou TV", copyright O Estado de S. Paulo, 11/11/01

"Sempre que alguém quer dar uma idéia exata do que representava no Brasil inteiro a revista semanal O Cruzeiro, à época do auge de seu sucesso comercial e prestígio popular, entre os anos 40 e 60, a comparação inevitável e única é com o monopólio de audiência hoje exercido pela Rede Globo de Televisão. ?O Cruzeiro era à época o que a Globo é hoje?, repetem todos. Talvez sem muita originalidade. Mas na certa com muita precisão. O repórter Luiz Maklouf Carvalho tropeçou, é claro, com essa comparação muitas vezes nos depoimentos que colheu para a realização de seu livro Cobras Criadas – David Nasser e O Cruzeiro, relato biográfico do mais famoso e polêmico dos profissionais que trabalharam na revista. O que ele reproduz em seu texto, muito bem escrito, são evidências de que essa é uma afirmação que corresponde aos fatos.

Só que ninguém parou para meditar um pouco sobre o alcance dessa afirmação, nem o próprio Maklouf o fez – nem deveria fazê-lo mesmo, pois, afinal, esse não era, nunca foi, o objetivo final de sua bem realizada obra. Mas a verdade é que a reiterada precisão nada original dos sobreviventes da revista que a comparam à monopolista atual de audiência em outro veículo ainda não produziu uma reflexão mais detida a respeito desse fenômeno estranho e interessante que faz de uma rede de emissoras de TV, que transmite imagens e sons em tempo real, mandando-os 24 horas por dia para aparelhos instalados em praticamente todos os lares do Brasil, a sucessora de uma revista, conjunto de fotos e textos impressos sobre papel com circulação semanal, vendida em bancas.

O ?idiota da objetividade?, flor da obsessão do dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, dirá ter havido até profissionais que atuaram tanto na produção do sucesso comercial da revista como na criação do fenômeno de comunicação de massas da tevê. Três são personagens do livro de Maklouf. Mauro Borja Lopes, o Borjalo, foi desenhista no Cruzeiro e diretor de programação na Globo, sob as ordens de dois executivos egressos do rádio e da publicidade, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e Walter Clark; Armando Nogueira, que dirigiu o jornalismo da Vênus Platinada em seus anos de afirmação no topo, foi repórter fotográfico da revista. É de sua lavra famoso flagrante da refrega entre brasileiros e húngaros após o jogo em que nossa seleção foi eliminada da Copa da Suíça pela máquina de jogar futebol de Ferenc Puskas. Evandro Carlos de Andrade, que, até a morte em junho, ocupou o mesmo cargo de direção que fora de Armando Nogueira na Central Globo de Jornalismo, também desempenha papel de relevo em Cobras Criadas, mesmo não tendo trabalhado na revista.

Mas no caso importam menos os profissionais e mais o que eles faziam. David Nasser, o protagonista do livro, não foi um repórter como se pensa que um repórter deva ser – alguém, por exemplo, como seu biógrafo, que revelou a existência da filha fora do casamento de Luiz Inácio Lula da Silva no Jornal do Brasil e entrevistou o militante petista Paulo de Tarso Venceslau, que denunciou maracutaias de prefeitos do partido no Jornal da Tarde e terminou sendo expulso do PT. Seria também simplista julgá-lo um simples ?picareta? – um suburbano pobretão que ficou famoso e rico usando o poder da palavra impressa, uma gazua eficiente segundo seu patrão na revista, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o Chatô biografado por outro excepcional repórter, Fernando Morais, que também não deve ser comparado com David Nasser.

A estrela da revista O Cruzeiro era um manipulador de emoções, não um investigador em busca da verdade, como deve ser um bom repórter. Ele poderia ser comparado com aquele sujeito inescrupuloso que explora a tragédia do mineiro soterrado no clássico do cinema sobre imprensa marrom, A Montanha dos Sete Abutres. Por ironia do destino, marrom era a cor predominante na impressão de O Cruzeiro por interesses financeiros da empresa ou de seu gerente, como mostra Maklouf.

Mas coincidências do gênero importam menos do que o fato de O Cruzeiro ter lidado mesmo com o imaginário popular, como o faz hoje a televisão nas novelas, nos telejornais, nos shows ou nos programas que misturam isso tudo, caso do Fantástico – O Show da Vida. Não tinha compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança, pretexto usado por Nasser para mentir descaradamente. Mas ele não deixava de ter razão. Como revelam os testemunhos dos que o conheceram, ele não reportava fatos, mas contava aventuras com sangue, suor e lágrimas. O assassínio de Aída Cury, o crime do Sacopã, o deputado de cueca samba-canção e os sobrevôos fictícios sobre aldeias indígenas não passavam de pontos de partida para o que realmente interessava: excitar a imaginação do leitor, levando-o para um mundo de fantasia a partir da realidade.

Por isso, O Cruzeiro foi um enorme sucesso de vendas. E também por isso esse sucesso se esgotou. A televisão não acabou com a imprensa, como comprova o fato de você estar lendo essas linhas. Mas matou, isso sim, o gênero de imprensa que a revista representava."

 

"Biografia de Nasser é alerta para o jornalismo atual", copyright Folha de S.Paulo, 10/11/01

"A leitura de ?Cobras Criadas?, biografia do repórter David Nasser e da revista em que ele se projetou, ?O Cruzeiro?, em princípio oferece ao jornalista brasileiro e a seu público uma sensação de alívio e orgulho: a prática da atividade no país melhorou muito de qualidade ao longo da segunda metade do século 20.

É impensável nos dias atuais um profissional de imprensa agir como Nasser durante as décadas de 1940 a 1970 e ganhar, em troca, respeito e prestígio entre colegas, fontes e a sociedade como um todo. Veículos honrados não admitem mais a prática da extorsão ostensiva; o consumidor de informação sofisticado não aceita a ficção disfarçada de reportagem, que, como demonstra sem deixar dúvidas o autor do livro, Luiz Maklouf Carvalho, marcou a trajetória de Nasser em ?O Cruzeiro?.

No entanto, o jornalismo brasileiro não está definitivamente livre do estilo pouco ético do autor de ?Portugal, Meu Avozinho?. Ele é visível quase com a mesma desfaçatez em regiões do país onde a atividade econômica não é ainda suficiente para garantir a independência da mídia, na forma de colunistas sociais que cobram para colocar personagens em suas notas, repórteres que ganham salários adicionais em órgãos de governos ou assessorias de empresas privadas, colunistas políticos que comercializam informações.

Em São Paulo e no Rio, ele ainda está presente em jornais, revistas e programas de TV sensacionalistas, em que a troca de favores entre fontes da polícia e jornalistas lembra a associação que David Nasser tinha com os integrantes da Escuderia Le Cocq, nome fantasia do Esquadrão da Morte, cuja bandeira cobriu o caixão do repórter no seu enterro, em 1975.

Pode ser também que o jornalismo mercantil tenha se tornado discreto, cuidadoso, mas ainda ocorra. Exemplos recentes, até em nações desenvolvidas, com consolidada tradição de controle ético da sociedade sobre veículos de informação, são notáveis.

Para não ir longe, basta recordar o episódio de 1999, em que o jornal ?The Los Angeles Times? publicou uma edição especial de sua revista de domingo dedicada a um ginásio para eventos esportivos que se inaugurava na cidade sem avisar aos leitores que a publicação havia sido paga pela empresa que havia construído e iria explorar o empreendimento.

O caso provocou a queda dos diretores da Redação e ajudou a enterrar a experiência em que o jornal tentou derrubar um dos pilares do jornalismo, o muro entre Redação e publicidade.

O livro de Maklouf Carvalho pode, portanto, servir não só para o jornalista brasileiro se autocongratular pelos avanços de sua profissão, reflexo, aliás, dos progressos que toda a sociedade tem obtido na área da ética, como também para alertá-lo sobre o que ainda se faz de nefasto nesta atividade e para os riscos de recaídas.

?Cobras Criadas? é, em si mesmo, bom jornalismo. Maklouf Carvalho entrevistou quase todos os sobreviventes da era ?O Cruzeiro?, consultou de modo meticuloso a coleção da revista, pesquisou o arquivo pessoal de Nasser, leu a bibliografia relevante correlata ao tema. Escreve o que apurou com elegância e correção.

Do ponto de vista acadêmico, o trabalho poderia ser mais preciso em termos de citações e notas. Às vezes incorre no perigo de reconstituir conversas e descrever situações sem especificar com exatidão as fontes usadas. Sente-se, também, a tendência do autor de induzir o leitor à conclusão de que Nasser forjou determinados episódios, mesmo quando as evidências são apenas indicativas da fraude, como, por exemplo, o caso da suposta fotografia da sra. Chiang Kai-shek no Rio que, sugerem Maklouf de Carvalho e alguns contemporâneos do fato, era do repórter fantasiado de mulher.

A edição, competente, com muitas fotos, boa diagramação, ganharia se tivessem sido incluídos recursos simples como cronologia e índice remissivo. Trata-se de obra de referência, em que a facilidade da consulta é vital.

No conjunto, ?Cobras Criadas? é uma contribuição relevante para a bibliografia sobre o jornalismo, importante como documento e instigante como fonte de reflexões para quem o pratica [Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal ?Valor?]."

 

BOL vs. AOL

"BOL recorre de decisão sobre publicidade", copyright Folha de S. Paulo, 12/11/01

"O provedor de acesso à internet Brasil Online (BOL) deve apresentar hoje à Justiça documentação para tentar cassar liminar obtida pela America Online (AOL), na última sexta-feira, que impede o BOL de veicular sua campanha publicitária.

Nos comerciais, o BOL destaca que o preço da AOL é o triplo do seu. O BOL cobra R$ 9,90 ao mês pelo acesso ilimitado à internet. A AOL, R$ 34,90.

A America Online, empresa de origem norte-americana, pediu a suspensão dos anúncios do BOL veiculados em TV, mídia impressa e outdoors. A decisão provisória foi dada pelo juiz Carlos Roberto Petroni, do Fórum de Pinheiros, em São Paulo.

?O que estamos mostrando ao consumidor é um fato. Não é proibido comparar preços em propaganda. O BOL está apenas comunicando que cobra menos do que o concorrente?, afirma Victor Ribeiro, diretor-geral do Brasil Online: ?Incapaz de dar uma resposta comercial, a empresa americana apelou para o Judiciário, que acabou prejudicando o consumidor ao tomar decisão favorável ao capital estrangeiro sem ouvir a outra parte?.

O diretor do BOL estranhou o fato de a America Online ter procurado o ?sobrecarregado Judiciário brasileiro? em vez de ir ao Conar (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária).

O Conar, órgão criado pelas empresas de comunicação, tem a função de julgar as questões conflituosas da propaganda nacional.

A ação da America Online se baseia no argumento de que a campanha ?denigre a imagem da requerente e seus serviços?. O valor da ação foi fixado em R$ 10 mil.

Consultada ontem pela Folha, a AOL afirmou, por meio de sua assessoria, que os serviços prestados pela empresa aos seus usuários incorporam tecnologia diferenciada e que não podem ser comparados aos do BOL. Por essa razão, entende que a publicidade veiculada pelo BOL é enganosa.

O publicitário Luiz Lara, da agência Lew, Lara, afirma que, ?em mercados competitivos, o preço é um diferencial forte e deve ser explorado na comunicação das empresas. Afinal, o consumidor tem o direito de saber quem cobra menos e o que cada um oferece?.

Reclamações

A America Online entrou no mercado brasileiro em 1999, quando sofreu uma série de reclamações de consumidores. Muitos foram até o Procon, inconformados com o seu kit de acesso à rede.

O CD distribuído pelo provedor alterava, sem avisar, as configurações do computador do usuário. Em janeiro de 2000, a America Online foi obrigada a recolher e a mudar os CDs com os kits de instalação de seu software.

Em agosto de 2000, ela também foi condenada pelo Conar a suspender de imediato campanha de publicidade na qual afirmava ser ?a melhor porque é a maior?.

A AOL foi obrigada a mudar todo o material promocional, considerado propaganda enganosa, pois ela não tem a liderança no mercado brasileiro (o líder é o Universo Online, UOL).

O BOL está no mercado de acesso à internet desde janeiro de 2001 e surgiu como provedor de e-mail gratuito e serviço de metabusca (o buscador Miner).

Em pouco tempo se transformou num dos provedores mais conhecidos entre os internautas e no líder em e-mail grátis. Notabilizou-se também por ter o preço mais em conta entre os grandes provedores."

 

"Filmes para a TV comparam preços de acesso", copyright O Estado de S. Paulo, 12/11/01

"Uma das campanhas publicitárias do BOL proibidas pela Justiça mostra o diálogo entre dois rapazes.

Um deles tem um tipo mais brasileiro e o outro, características americanas. É loiro e tem um sotaque bem carregado. No comercial para televisão, aparecem conversando na frente de computadores:

Brasileiro – No Brasil Online é assim: para ter acesso ilimitado à internet você paga R$ 9,90 nos primeiros seis meses e R$ 19,90 depois. É o menor preço do mercado.

Americano – Já no America é ?different?. Para ter esse mesmo ?access? com os mesmos ?services?, você paga R$ 34,90.

Ao ouvir o americano, que fala como se oferecesse um ótimo negócio, o brasileiro diz:

Brasileiro – Mas se é igual, por que mais que o triplo do preço?

Americano – Porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. É outra coisa e que é a ?dinheira?…

Em outra peça, que usa apresentadores de telejornais internacionais fictícios, as manchetes anunciadas jogam com a palavra América (?Mundo em crise beneficia a América? e ?América empresta dinheiro a juros insuportáveis?, por exemplo) para justificar e ironizar o fato de a America Online cobrar mais do que o BOL pelo seu serviço."