Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Nêumanne

CASA DAS 7 MULHERES

“Saga gaúcha revela vida inteligente na tevê”, copyright O Estado de S. Paulo, 16/03/03

“Quem vai ao acanhado teatro do Centro Cultural do Banco do Brasil verificar o que foi feito do antológico texto de Eugene O?Neill, Longa Jornada de um Dia Noite adentro, se pode surpreender com a brilhante tradução de Bárbara Heliodora e a humildade competente do diretor e cenógrafo Naum Alves de Souza. Encantar-se-á com o elenco, mas, a não ser que seja completamente desinformado, não se espantará com a qualidade e a sensibilidade daquela obra-prima da literatura cênica, com seu magnífico fecho, o monólogo da Mary Tyrone encarnada no espetáculo por Cleyde Yáconis.

O caso da televisão, contudo, é oposto: viciado no tratamento dado ao vernáculo nas entrevistas de Adriane Galisteu ou Luciana Gimenez e desrespeitado pela exibição descarada da sordidez humana nos reality shows, o telespectador na certa se assusta ao se deparar com alguma manifestação rara de inteligência num templo devotado aos baixos instintos. No entanto, a inteligência e a sensibilidade humanas já se salvaram no veículo por obra e graça do Auto da Compadecida ou mercê do realismo poético e brutal da Cidade dos Homens. E agora, provando que nem tudo foi condenado à banalidade e à ignomínia posta à venda, a minissérie A Casa das Sete Mulheres vem provar que ?a última flor do Lácio inculta e bela? de Bilac pode ser regada, e não apenas negada e maltratada sob o brilho fugaz dos holofotes da fama e do tédio.

Sim. É claro que se deve (e muito) o bom resultado final da produção à direção de Jayme Monjardim que, desde os tempos de Pantanal na extinta Rede Manchete, provou ser capaz de detectar como ninguém mais a luz e a cor da paisagem nativa. Méritos também não faltarão à descoberta de uma estrela fulgurante nos olhos claros e expressivos da narradora Camila Morgado, que com Cacilda Becker tem, no mínimo, um talento em comum: o de tornar suas personagens mais belas do que elas já são usando apenas o brilho dos olhos e o tom da voz. Quem – como este escriba – não teve a honra nem o prazer de ver a Becker atuar pode agora testemunhar o milagre da produção da beleza despida de jaça nos lampejos fulgurantes do olhar da mocinha que se faz deusa quando a câmara os flagra.

Mas é preciso considerar desde logo que nada disso seria possível sem o trabalho de base dos dois escritores: Maria Adelaide Amaral, autora de teatro incorporada à televisão pelo olho clínico do pioneiro Cassiano Gabus Mendes, e Walther Negrão, veterano novelista egresso da publicidade. Os dois souberam tirar do romance de Letícia Wierzchowski, que lhes caiu à mão assim que saiu, material suficiente para produzir essa obra-prima, que resgata o senso estético e respeita a inteligência do telespectador sem apelar para os costumeiros golpes abaixo da linha da cintura.

Houve quem lhes negasse conhecimentos geográfico e histórico – o que é natural neste país que, à falta de escolas à altura, exige da arte papel de supletivo escolar. Tolice! Tabajara Ruas, perito em texto e especialista no Rio Grande, advertiu com sensatez que a minissérie não trata da história, mas da mitologia dos pampas. Defesa justa e honrosa, essa do grande romancista gaúcho! Mas desnecessária, de tão evidente: cobrar da obra acabada correspondência com fatos históricos é de uma caturrice que dispensa qualquer argumentação.

Manuela não saiu da estância atrás de Garibaldi, enrabichado pela catarinense Anita. Não foi a autora do romance adaptado quem inventou a caça peripatética do herói italiano pela sobrinha do chefe farroupilha Bento Gonçalves em território conflagrado. Se os autores tivessem sido fiéis ao romance original e aos compêndios escolares, não escreveriam um dos momentos que mais dignificam a pouco digna (esteticamente) história da televisão brasileira: o confronto havido no diálogo entre Manuela e Anita Garibaldi na enfermaria onde o objeto da paixão das duas, Giuseppe Garibaldi, convalescia. E a fidelidade histórica aboliria a felicidade estética de ver uma bela cena num meio em que beleza é tão rara.”

 

TV DIGITAL

“Miro encontra resistência a novo padrão de TV digital”, copyright Valor Econômico, 17/03/03

“No início do ano, quando foi ao Palácio do Planalto expor seu plano de desenvolver um padrão nacional de televisão digital, o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, recebeu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma bem-humorada manifestação de apoio. ?Vai tocando?, disse Lula. ?Quero assistir a Copa do Mundo de 2006 em televisão digital.?

É bom o ministro se apressar. Dois meses depois de lançar o projeto, ele já percebeu como será difícil conciliar todos os interesses que a questão envolve. Há uma dezena de centros de pesquisa buscando espaço para entrar na discussão. Fabricantes de equipamentos eletrônicos andam desconfiados das intenções dos concorrentes. As emissoras de televisão estão apreensivas.

?Não haverá imposição de um sistema?, disse Miro ao Valor na semana passada. ?Estamos construindo um sistema para comparar com os padrões estrangeiros que estão por aí.? E acrescentou: ?É uma questão estratégica para o país, mas não é decisão para um homem só e por isso vamos analisar tudo com cuidado.?

Ele mal começou. Nesta semana, o ministro espera receber sugestões de um grupo de universidades interessadas em participar do projeto. Os dois centros de pesquisa que têm ajudado Miro a desenhar sua proposta, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) e o Genius Instituto de Tecnologia, colaboram informalmente, sem um contrato com o governo.

Nos últimos dias, pesquisadores do CPqD e do Genius fizeram uma romaria em busca do apoio de associações da indústria e técnicos das emissoras de televisão. Como eles têm apresentado apenas uma idéia genérica do que seria um padrão nacional de televisão digital, tiveram pouco sucesso até agora.

O ministro quer levar ao presidente uma proposta mais detalhada em algumas semanas. O consórcio de institutos de pesquisa que deverá desenvolvê-la só será contratado depois que a proposta receber o sinal verde de Lula. Com base em estimativas do CPqD e do Genius, Miro está disposto a investir R$ 100 milhões para iniciar o projeto.

Pelo que os pesquisadores têm dito até aqui, o projeto do ministro é bem menos arrojado do que suas primeiras declarações sobre o assunto sugeriram. Ninguém pensa em desenvolver um novo padrão a partir do zero. A idéia é recombinar partes dos diferentes sistemas existentes em outros países com inovações pontuais e programas de computador desenvolvidos pelos brasileiros.

?Desenvolver um sistema completo seria proibitivo em termos de tempo e dinheiro?, diz Peter MacAvock, diretor do Digital Video Broadcasting Project (DVB), o consórcio que administra o padrão europeu. ?Mas qualquer sistema que for escolhido exigirá um esforço significativo para ser aplicado no cenário brasileiro.?

Além de exibir imagens e sons de melhor qualidade num número muito maior de canais, a televisão digital promete oferecer uma grande variedade de serviços interativos, que permitiriam aos telespectadores fazer compras ou acessar informações com o controle remoto durante a programação normal, como se o aparelho de televisão fosse um computador ligado à internet.

As emissoras de televisão vêem nas novas tecnologias um meio de revigorar seu negócio, reagindo contra a queda do faturamento publicitário e a ameaça representada por operadoras de televisão a cabo e por satélite. Os fabricantes de televisores vêm uma oportunidade de aumentar suas vendas, já que todos deverão trocar o aparelho de TV em algum momento nos anos que se seguirem à adoção do sistema digital.

Os dois interesses nem sempre coincidem. As emissoras querem que o padrão escolhido permita desde o início a transmissão de imagens em alta definição. Mas poucas pessoas poderiam adquirir decodificadores e televisores capazes de exibir essas imagens. ?Não quero fazer um aparelho tão caro que ninguém vai comprar?, diz o vice-presidente da Itautec-Philco, Cláudio Vita.

Um dos objetivos do governo com a adoção de um padrão nacional é baratear as novas tecnologias. O sistema verde-amarelo livraria o país de pagar royalties aos fabricantes estrangeiros que controlam os outros padrões. Mas a indústria nacional tem medo de ser abandonada pelos fornecedores dos componentes eletrônicos necessários para fabricar os novos aparelhos.

Como o mercado brasileiro é menor que o de outros países e a adesão dos consumidores à televisão digital têm sido lenta na maioria dos lugares, haveria pouco incentivo para a produção de componentes exclusivos para um padrão brasileiro. O governo acha possível contornar isso atraindo para o novo sistema países como Argentina e Chile.

Há dúvidas também sobre os pesquisadores que colaboram com o ministério. Miro tem dito que a propriedade das tecnologias que vierem a ser criadas será do governo, mas existe na indústria o temor de que o padrão nacional torne os fabricantes de televisores dependentes de instituições como o CPqD e o Genius.

O Genius é visto com mais suspeição por ser ligado a uma empresa nacional que tem acesso privilegiado ao novo governo, a Gradiente. Universidades e centros de pesquisa que estudam os vários padrões de televisão digital há mais tempo sentem-se alijadas do processo. ?O diálogo ainda é muito restrito?, diz Marcelo Knörich Zuffo, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. ?Falta envolver outros ministérios e os consumidores.?

O debate sobre o modelo mais adequado de TV digital para o Brasil ganhou impulso em 1999, quando foram testados os três padrões estrangeiros, o americano, o europeu e o japonês. As emissoras manifestaram preferência pelo sistema japonês, mas a dificuldade de chegar a um acordo entre os vários interesses envolvidos fez o governo anterior suspender o processo no ano passado.

Mesmo que um padrão nacional fosse escolhido hoje, ainda seriam necessários alguns anos de testes para o lançamento comercial dos novos serviços. Isso preocupa muito as emissoras de televisão, que estavam à frente do processo até o ano passado e agora têm a sensação de ver a discussão recomeçar do zero e mudar completamente de rumo.

?A televisão brasileira é uma das mais atualizadas tecnologicamente no mundo, mas com a TV digital temos consumido um tempo longo demais para tomar uma decisão?, diz o diretor de engenharia da Rede Globo de Televisão, Fernando Bittencourt.”

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“Controle deve ser público, diz Staub”, copyright Valor Econômico, 17/03/03

“O empresário Eugênio Staub, presidente da Gradiente, vai sugerir ao governo que seja pública a propriedade intelectual das tecnologias que forem criadas durante o desenvolvimento do padrão nacional de televisão digital. ?Vou falar com o Miro sobre isso?, disse Staub ao Valor, referindo-se ao ministro das Comunicações, Miro Teixeira. ?O governo tem que organizar tudo e depois licenciar o uso das novas tecnologias para as empresas.?

O licenciamento deveria ter ?custo zero? para companhias nacionais e ?custaria alguma coisa? para seus rivais estrangeiros, imagina Staub. Ele calcula que o desenvolvimento de um sistema nacional permitirá ao país economizar US$ 50 milhões por ano em royalties, no dia em que todos os televisores vendidos no país tiverem adotado o sistema digital.

O envolvimento de Staub nessa discussão tem sido visto com apreensão e desconfiança pelos seus concorrentes. Eles temem que suas conexões pol&iaciacute;ticas com o novo governo o ajudem a obter uma posição mais vantajosa no processo de definição do novo sistema, e a se credenciar como um parceiro estratégico para outras empresas interessadas em lucrar com a televisão digital.

Desde as eleições do ano passado, quando declarou seu apoio ao PT assim que pressentiu a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Staub vem procurando ampliar sua influência no governo. Ele tem visitado Brasília quase toda semana, dá conselhos a ministros e passa um bom tempo tentando convencer seus colegas das boas intenções do governo.

?Não estou procurando vantagem nenhuma?, defende-se o empresário. ?O sistema que vai ser desenvolvido será igual para todos.? Staub já falou com Miro sobre esse assunto pelo menos três vezes. Assim que o viu lançar a idéia do sistema nacional, mandou-lhe um e-mail para elogiar a iniciativa. Depois os dois conversaram por telefone e se encontraram pessoalmente, em Brasília.

É fácil entender o interesse de Staub pela televisão digital. A participação da Gradiente no mercado de televisores é inexpressiva atualmente. O negócio é dominado por fabricantes estrangeiros liderados pela holandesa Philips. Um dos planos de Staub para este ano é lançar uma linha de aparelhos mais diversificada e ampliar sua fatia do mercado. A Gradiente também fabrica antenas e decodificadores para operadoras de televisão paga.

Mas ninguém no ramo espera ganhar dinheiro tão cedo com a televisão digital. ?No mundo inteiro, as vendas de televisores e equipamentos para o novo sistema têm sido muito modestas?, lembra o vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Gradiente, Moris Arditti, braço direito de Staub. ?É claro que a questão é importante para a empresa, mas esse é um mercado que vai demorar a deslanchar, seja qual for o sistema escolhido.?

Em conversas que teve recentemente com colegas da indústria, Staub tem procurado vender a idéia de que o Instituto Genius, o centro de pesquisas que trabalha no desenvolvimento da proposta do ministro, atua com independência em relação à Gradiente. É difícil acreditar. A empresa é o principal cliente do instituto, que fundou em 1999. Arditti é o presidente do conselho de administração do Genius.

O superintendente do Genius, Bruno Vianna, costuma apresentá-lo como uma organização ?sem fins lucrativos?, mas ele não é uma casa de caridade. Num artigo para uma publicação especial editada em novembro pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pesquisadores do Genius explicam que seu objetivo é desenvolver novas tecnologias e criar empresas que as explorem comercialmente. Um consultor da Gradiente também assina o artigo.

?Eles têm uma proposta muito boa e seu interesse é legítimo?, avalia a ex-secretária de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia Vanda Scartezini. Ela discutiu com o Genius um projeto de pesquisas sobre televisão digital há um ano, mas sugeriu que ele procurasse o Ministério das Comunicações. Isso acabou aproximando o Genius do seu atual parceiro, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).”

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“Interesse da China em cooperação é duvidoso”, copyright Valor Econômico, 17/03/03

“A China planeja definir até o fim do ano o padrão de televisão digital que adotará. Três consórcios formados por universidades e empresas, alguns com participação do governo, criaram três sistemas diferentes que estão sendo testados junto com os três padrões estrangeiros existentes. Algumas das tecnologias desenvolvidas pelos pesquisadores já estão protegidas por patentes.

Os três sistemas desenvolvidos pelos chineses em geral são adaptações do padrão europeu, com modificações principalmente nas tecnologias usadas para transmissão dos sinais de televisão. Como no Japão, os chineses parecem preocupados em criar um sistema exclusivo, que estimule a indústria nacional e evite que o país seja inundado por televisores importados.

Muitos observadores acham difícil imaginar um acordo de cooperação nessa área que interesse aos chineses e também traga vantagens para o Brasil, ao contrário do que algumas pessoas no governo acreditam. ?Acho mais plausível que eles tentem convencer o Brasil a aceitar o padrão que eles definirem, para exportar seus televisores para cá?, opina o gerente de marketing e tecnologia da Philips, Walter Duran.

Até aqui, a idéia de um acordo sobre televisão digital com a China não passa de um desejo de contornos imprecisos. Os ministros das Comunicações, Miro Teixeira, e da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, falaram sobre o assunto com o embaixador da China no Brasil, Jiang Yuande, e foi só. ?Ficou acertado que vamos iniciar nossas pesquisas e eles vão acompanhar?, disse Miro.

?Tudo depende do que o Brasil quer fazer e vamos esperar para ver?, afirma o responsável pela seção de ciência e tecnologia da embaixada da China, Mo Hongjun. Em janeiro, o professor Zhixing Yang, da Universidade Tsinghua, líder de um dos consórcios chineses, escreveu a um pesquisador brasileiro demonstrando interesse em submeter seu padrão a testes no Brasil.

Quando anunciou a intenção de desenvolver um sistema nacional de televisão digital, Miro também mencionou a Índia como um parceiro potencial para o Brasil. Mas o ministro estava mal informado. A Índia já escolheu um padrão e optou pelo sistema europeu. O país está interessado em transformar a escolha numa oportunidade para vender às empresas estrangeiras aplicações interativas e programas de computador desenvolvidos por especialistas indianos.”