PILANTROPIA & UNIVERSIDADE
"Filantropia paga avião e BMW", copyright Folha de S. Paulo, 2/12/01
"Aqui se publicou, há duas semanas, o nome do redemoinho que desce a Esplanada rumo ao Planalto. Chama-se escândalo das filantrópicas. Um estudo da Receita começa a traduzir a encrenca em cifras.
O fisco está varrendo a contabilidade de cerca de 200 filantrópicas. São as maiores do país. Serão monitoradas por prazo indeterminado. Cerca de cem entidades já receberam a visita de fiscais. O trabalho foi concluído em 40. Descobriu-se que o manto diáfano da ‘caridade’ esconde uma rede de mutretas. Contabilizam-se, por ora, R$ 420 milhões em autuações. Estima-se que o número venha a escalar a casa dos R$ 800 milhões.
Instituições de ensino saltam da lista da Receita como pulgas do dorso de cachorro vira-lata. Em segundo lugar vêm os hospitais ‘beneficentes’. No papel, não visam ao lucro, beneficiam os pobres e não remuneram diretores. Só no papel.
A filantropia leva à constituição de pequenos impérios. Um deles atende pelo nome de Associação de Ensino de Marília. Mantém a Unimar (Universidade de Marília), sediada no município que lhe empresta o nome.
Está nas mãos de uma só família. Seus sócios são: Márcio Mesquita Serva, Regina Lúcia Serva e Alvaro César Mesquita Serva. A Receita concluiu que os Serva, além de não servirem à malta, serviram-se da imunidade tributária para encorpar o próprio patrimônio. Eis alguns achados:
1) a universidade pagou por material usado em duas fazendas pertencentes a Márcio Serva. Custeou a manutenção e a gasolina de carros do mesmo Márcio, de sua mulher, Regina, e de sua filha Sinara;
2) desviaram-se recursos para a construção de três prédios de apartamento. As edificações pertencem à Serva Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda, cujos sócios são Márcio Serva e, de novo, sua mulher, Regina;
3) simularam-se gastos por meio de empresas-fantasmas e de notas frias. Cheques da Unimar aportaram nas contas bancárias de doleiros;
4) a Unimar realizou compras incompatíveis com o perfil assistencial de seus estatutos. Adquiriram-se dois aviões: um Beech Aircraft, avaliado em U$ 300 mil, e um Cessna, modelo Citation, estimado em U$ 10,8 milhões. Importou-se dos EUA um automóvel BMW orçado em U$ 80 mil.
Ao longo de quatro anos, a contabilidade carunchada mereceu incondicional aprovação do CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social), o órgão da Previdência que brinda as entidades com o certificado de filantropia.
Em 1999, graças à ação do Ministério Público, o conselho seguiu um roteiro que se repete com frequência. Fez por pressão o que deixara de fazer por obrigação. Cassou o certificado que mantinha a Unimar longe do guichê de tributos. A entidade recorreu ao ministro da Previdência de então, Waldeck Ornélas, que se negou a revalidar o certificado.
Brava, a Unimar não se rende. Em recurso ao Conselho de Contribuintes, última instância no âmbito da Receita, tenta se livrar das autuações. Procurado, Márcio Serva calou-se.
Funciona em Presidente Prudente (SP) outro exemplo de imprudência fiscal erigido à sombra da pseudobenemerência. Chama-se Associação Prudentina de Educação e Cultura. É mantenedora da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Pertence à família Lima. Seu principal expoente, Agripino Lima, deixou a direção da universidade para exercer o mandato de prefeito da cidade. Seu filho, Paulo Lima, assumiu a reitoria, que acumula com um mandato de deputado federal pelo PMDB de São Paulo.
A Unoeste também emerge das apurações da Receita como uma rendosa usina de distribuição de patrimônio travestida de filantrópica. Sua contabilidade camufla notas frias, gastos com viagens turísticas de diretores, pagamentos a pessoas não identificadas e a empresas-fantasmas.
Identificaram-se indícios de utilização da universidade como ‘instrumento de financiamento de campanhas e promoções políticas’. A expressão consta de ação movida pelo Ministério Público em novembro do ano passado. Atualizadas monetariamente, as autuações da Receita somam cerca de R$ 140 milhões.
Paulo Lima tem o hábito de se deslocar de Presidente Prudente para Brasília a bordo de uma ilegalidade: uma aeronave King Air adquirida pela Unoeste à custa da isenção tributária. Após anos de mamata, o certificado de filantropia da entidade foi cassado pelo CNAS em agosto passado. Houve recurso, pendente de julgamento.
Manoel da Silva Filho, advogado da Unoeste, diz que tudo não passa de equívoco da Receita. ‘Estamos nos defendendo. Não há nada definido. Não remuneramos diretores e não distribuímos patrimônio. Gastamos em filantropia R$ 1,2 milhão por mês.’
Há no Planalto dois decretos esperando pela assinatura de FHC. Redigiu-os o ministro Roberto Brant. Perdoa universidades e hospitais filantrópicos em situação irregular. Dá-lhes prazo de três anos para que se acertem. Recomenda-se ao soberano que conte até mil antes de remeter os decretos ao ‘Diário Oficial’."
"’Conglomerados’ dominam ensino superior", copyright Folha de S. Paulo, 2/12/01
"Dados do censo do ensino superior do Ministério da Educação mostram que três instituições particulares que nem sequer apareciam no ranking das 20 maiores universidades do país em 1991 hoje despontam como as maiores do Brasil. São verdadeiros conglomerados de ensino surgidos em menos de um década.
No início da década de 90, quase ninguém ouvia falar da Unip (Universidade Paulista), da Universidade Estácio de Sá e da Ulbra (Universidade Luterana Brasileira). Segundo o censo de 2000, elas agora ocupam o primeiro, o terceiro e o quarto lugar, respectivamente, em número de alunos de graduação do país. A USP (Universidade de São Paulo) ficou em segundo lugar.
A Unip, do empresário João Carlos Di Gênio, sediada em São Paulo, que já era a maior universidade brasileira em 1999, consolidou sua liderança em 2000. A instituição tinha 66.268 alunos, quase o dobro da segunda colocada, a USP, que tinha 34.801 no ano passado. A diferença entre a Unip e a USP, que era de 12.824 alunos em 1999, passou para 31.467 em 2000.
‘Se a Unip é a maior universidade do país, isso decorre do fato de os campi terem sido implantados em localidades onde o colégio e o curso Objetivo encontravam-se instalados pelo menos dez anos antes’, afirma Di Genio, que é dono também do grupo Objetivo. ‘Se o colégio Objetivo é o maior do Brasil, é natural que a Unip seja a maior universidade.’
O segundo lugar da USP no ranking em 2000 já pode ser considerado coisa do passado, a julgar pelo apetite feroz de crescimento da Universidade Estácio de Sá, do juiz aposentado João Uchôa Cavalcantti Netto, com sede no Rio.
A instituição tinha 23.587 alunos em 1999. Em 2000, deu o impressionante salto de 41,6%, chegando a 34.005 alunos matriculados em cursos de graduação. A instituição informa que, neste ano, já está próxima dos 60 mil estudantes na graduação, sem contar 10 mil alunos de cursos sequenciais, de curta duração.
A Estácio, que era a oitava maior do Brasil e a segunda do Rio de Janeiro em 1999, chegou ao terceiro posto entre as maiores. Já deixou para trás a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a maior universidade federal do país, que tem 29.015 alunos e era, até 1999, a maior do Rio.
Próxima da Estácio de Sá em número de alunos e ainda com planos de crescer mais está a Ulbra, com sede no Rio Grande do Sul, mantida pela Comunidade Evangélica Luterana São Paulo.
O crescimento de 1999 para 2000 da Ulbra foi de 27,6%. No ano passado, ela chegou a 31.192 alunos na graduação, se consolidando como a maior universidade daquele Estado. Até 2005, a instituição espera ter 80 mil alunos na graduação.
Qualidade
No caso da Estácio e da Unip, pode-se dizer, com base nos resultados do provão, que a maioria dos cursos das duas instituições têm nível médio. Na Unip, 56% dos conceitos no exame desde 1996 foram C, enquanto na Estácio essa porcentagem é de 65,5%.
Na Unip, a porcentagem de cursos com bons conceitos (A ou B, os melhores) é de 22%, a mesma de cursos com os piores (D ou E). A Estácio tem 23% de cursos com A ou B e 11,5% com D ou E.
Na comparação com as duas instituições do eixo Rio-São Paulo, a gaúcha Ulbra tem desempenho superior: 48,6% de cursos com A e B, 33,3% com C e 18% com D ou E.
As três instituições privadas têm desempenho no provão inferior ao da USP, que ainda é, oficialmente, a segunda maior universidade do país em número de alunos na graduação.
O crescimento registrado nessas instituições não é um fator isolado. Os dados do Censo do Ensino Superior 2000 do MEC mostram, mais uma vez, que as matrículas em cursos de graduação cresceram principalmente por causa de instituições particulares.
A taxa de crescimento de alunos nessas instituições foi de 17,5% de 1999 para 2000. Entre as federais, o aumento foi de 9,1%, enquanto as estaduais apresentaram taxa de 9,8%. Na média, as matrículas em cursos de graduação cresceram 14% nesse período, o maior crescimento registrado na década.
Um dos fatores que explica o aumento na procura é a expansão do ensino médio. De 1996 a 2001, esse nível de ensino teve crescimento de 46,7% nas matrículas em todo o Brasil."
"Alunos nem tentam vagas em públicas", copyright Folha de S. Paulo, 2/12/01
"Enquanto muitos alunos ficam anos nos cursinhos em busca de uma vaga nas universidades públicas, outros preferem partir logo para uma faculdade particular, onde os cursos são menos concorridos. É o caso de Mariana Ormezano, 18, aluna do primeiro ano de farmácia e bioquímica da Unip (Universidade Paulista).
Mesmo após ter estudado em colégios particulares, ela não se sentiu segura para fazer vestibular para uma universidade pública. ‘Achei que não ia passar. Além disso, o nome da faculdade não importa. Quem faz o curso é o aluno e não a faculdade’, diz.
O estudante do quarto ano de engenharia de produção da Unip Cairu Cristiano Barros, 24, também não se sentia preparado para prestar vestibulares concorridos e temia em apenas perder tempo.
Barros acredita ter a mesma qualidade de ensino oferecida em uma universidade pública. Ele elogia os professores do curso, mas critica as instalações. ‘Faltam computadores nos laboratórios e isso prejudica o aprendizado.’
André Florentino, 25, do quinto ano de engenharia mecânica, também não prestou vestibular para universidades públicas e chegou a interromper o curso na Unip por não ter como pagá-lo."