Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Josias de Souza

ACM SOB SUSPEITA

“Deixem o grampo em paz”, copyright Folha de S. Paulo, 23/02/03

“Os principais tipos de idéias são as ruins e as muito piores. Certas idéias, porém, nascem com cara de originais. Adotadas por pessoas influentes, assumem ares de sabedoria. Comportam-se como se tivessem tudo para ir muito longe. Olhando-as de perto, percebe-se que são medíocres como tantas outras.

O Bahiagate, por exemplo, gerou a idéia de que Brasília precisa produzir portarias, decretos e leis que inibam a proliferação do grampo telefônico.

A tese foi adotada em gabinetes de prestígio. Inclusive na sala de José Dirceu, o chefão da Casa Civil.

Ganha uma fita com a voz de Geddel Vieira Lima quem souber explicar como o endurecimento da legislação irá resultar no fim do grampo maroto, feito à margem da lei. Há muito não se ouvia besteira desse porte.

O brasileiro já conhece vários tipos de petistas. Há os incoerentes, os moderados e os radicais. Mas petista bobo é coisa que ainda não apareceu nos jornais. Não é, portanto, por lerdeza que o governo apresenta uma tolice como algo revolucionário.

Para entender o que se passa, é preciso notar o seguinte: nos últimos anos, a maioria das investigações bem-sucedidas de casos de corrupção valeram-se do grampo.

Novas leis anti-escuta servirão à causa da sombra. O Ministério Público e a Polícia Federal vão perder uma de suas principais ferramentas de trabalho.

Na oposição, o PT salivava diante de um bom grampo. Legal ou ilegal, tanto fazia. Sapateou sobre a escuta do Sivam. Sambou sobre as do BNDES.

No poder, o petismo quer acabar com o baile. Pode interromper a festa, desde que do jeito certo, esmagando a delinquência que, entra governo, sai governo, rói o erário.

A pregação anti-grampo chega num instante em que o mecanismo começa a forçar a porta de uma das últimas cidadelas do breu: o Poder Judiciário.

O Congresso sujeita-se a vigilância implacável. O Executivo não fica muito atrás. O Judiciário, fechado e corporativo, parecia acima do bem e do mal. Não está.

Graças aos grampos, começa-se a enxergar um problema até bem pouco invisível: a infiltração do crime nos tribunais. O caso estampado hoje nas páginas da Folha é eloquente.

O novo grampo é pródigo em conversas esquisitas. Quem lê as transcrições fica sabendo que um jovem advogado de Brasília, 28 anos, diplomado a um ano, com currículo de estagiário de direito, atrai clientes dispostos a entregar-lhe somas milionárias. Sua credencial mais vistosa é a condição de filho de juiz.

É certo que, sozinhas, referências comprometedoras a magistrados e a seus parentes não constituem prova de delinquência. Mas são um indício. Algo que, não investigado, pode envenenar o resto da corporação.

Com tantas propostas por aprovar no Congresso, o governo deveria sair de fininho desse debate sobre o ?aprimoramento? da lei do grampo. Ele não serve a ninguém.

Vai aqui uma sugestão: malparado, o Bahiagate poderia ganhar novos rumos se a Polícia Federal recorresse ao bom e velho grampo. Pode ser a única forma de arranjar um escalpo à altura do escândalo.”

“Tancredo e o telefone”, copyright Folha de S. Paulo, 21/02/03

“A droga tecnológica é um vício que está a modificar nossos códigos de conduta. É a droga da modernidade, com sua parafernália de comunicação, que nos impõe uma situação perigosa: a obrigação de consumi-la, sem ter o direito de optar por não ingeri-la.

Ela mudou tudo e atingiu, com a transparência total, a privacidade absoluta. Perdemos a liberdade de estar sós e o Estado não tem condições de assegurar nossas liberdades. Para termos direito à privacidade, temos de nos transformar em ermitãos, consumindo a solidão.

Com uma caixinha cheia de ?chips? e minúsculos fios -o celular- podemos localizar qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, receber notícias, transmitir informações, saber do tempo, fazer cálculos, recuperar os recados que mandam de outra máquina diabólica, feita de cabos e com um teclado, que conecta todo o mundo em tempo real, dar informações, transmitir milhões e milhões de dados sobre tudo, sem um centro gerador e produtor, e vai crescendo e expandindo-se até o infinito. É o tão falado conceito de rede.

Outra mudança foi o culto da velocidade. Não temos mais liberdade de andar. As distâncias e o estilo de vida que adotamos tornam-nos dependentes da velocidade. É o patim, a bicicleta, a moto, o carro, o ônibus, o trem, o avião.

Já não faz sentido escrever cartas. A civilização é oral, é o telefone o seu maior instrumento. Escrever passou a ser nas relações humanas alguma coisa atrasada. Escreve-se para confirmar o que se falou. E o que se falou não é mais uma coisa privada, mas uma vulnerabilidade pública. Fala-se a um simpósio. Fala-se, também, pelo fax, pelo computador, pelo cinema, pela televisão.

A esse mundo incorporou-se uma coisa que é hoje tema em todos os centros de pensamento do mundo da comunicação: a liberdade, como nós a concebemos, passou a ser vulnerável e sujeita a opacidades. Não avaliamos ainda até onde a droga da modernidade atingiu as instituições não só públicas, mas privadas.

As gerações despolitizam-se. Já é raridade o sonho de salvar o mundo. Não há formação destinada à atração do idealismo. As forças canalizam-se para manifestações de inconformismo caótico. O conceito de povo é substituído pelo de multidão. O Estado não é mais expressão de soberania, tão fortes e tão grandes são suas vulnerabilidades num mundo globalizado, principalmente na área financeira. São os computadores que fornecem o conceito de risco. O Estado-nação parece agonizar. A evolução deu fim às construções institucionais que herdamos do Renascimento e do Iluminismo.

Se, por um lado, o indivíduo é mais livre, ele está, por outro lado, à deriva. O paradoxo do século é este: somos mais livres, mas, ao mesmo tempo, mais frágeis e vulneráveis.

Tudo isso está presente quando pensamos nos ?perigos de viver?, como dizia Rosa. Os países estão na mão dos computadores dos grandes centros financeiros, e nossa liberdade individual, à mercê das tecnologias que nos facilitam a vida, mas nos tornam vulneráveis. Estamos mais livres para falar e mais contidos para falar.

Bem dizia Tancredo: ?Telefone só para marcar encontro no lugar errado?.”

“Amante mudou de nome?”, copyright Folha de S. Paulo, 21/02/03

“Impressiona a desenvoltura da mídia e dos envolvidos no caso dos grampos telefônicos na Bahia em tratar a senhora Adriana Barreto como ?ex-namorada? de ACM.

Vem cá: o senador não é um homem casado? Então que história é essa de ?ex-namorada?? Até prova em contrário, Adriana foi ou voltará a ser (se depender da vontade dos pais) a amante de ACM.

O senador é casado com dona Arlette Maron de Magalhães há mais de 50 anos. Que ninguém tenha se preocupado em ouvir o que pensa a sra. ACM, que a própria nem sequer tenha esboçado o desejo de se posicionar na história e que ela nunca chegue a ser citada nas reportagens que abordam mais este escândalo envolvendo Antonio Carlos Magalhães, só podem ser sintomas de um mesmo mal. O de que todos os envolvidos no caso ainda vivem no século 19.

O pai e a mãe de Adriana não falam mais com a filha. Que pai e que mãe em sã consciência prefeririam ver a jovem filha como amásia de um homem senil, adoentado e que já completou bodas de ouro a ser casada com o advogado jovem e bem-sucedido que a filha escolheu para marido? Ora, só aqueles pais cuja união adúltera da filha lhes proporcionasse regalias. Se isso é a elite baiana, choremos pela Bahia.

A guerra contra Saddam é apenas um pretexto para Bush colocar as mãos no petróleo iraquiano, certo? Se fosse assim, por que o Reino Unido estaria ajudando os EUA? Aliás, por que, de repente, os EUA iriam querer iniciar uma guerra para obter petróleo? Ah, sim, claro! Existe a noção de que Bush está a serviço das companhias petrolíferas. Mas, então, por que Bill Clinton e até Ted Kennedy o apóiam na empreitada contra Saddam?

Segundo Tony Jackson, colunista do ?Financial Times?, os grandes executivos das companhias de petróleo estão apreensivos com a possibilidade de uma guerra no Iraque. Os riscos seriam grandes demais e os lucros, incertos.

No ?Jornal da Globo?, William Waak fez as contas e chegou à conclusão de que a guerra pode custar mais do que todo o petróleo que se pode extrair do Iraque.

Mais: não foi a França que firmou enormes contratos de petróleo (via ELF Total Fina) com o Iraque? Não foi a França que ajudou o Iraque a desenvolver seu programa nuclear? E não foram França e Alemanha as maiores fornecedoras de componentes para a fabricação das armas biológicas de Saddam? Então, ?vive la demagogie!?.”