Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Jotabê Medeiros

REVISTAS EM REVISTA

"Escritora revê o Brasil folheando revistas velhas", copyright O Estado de S. Paulo, 18/11/01


"Porta-vozes da industrialização e da opulência cafeeira de São Paulo no começo do século (e de um processo civilizatório violento e veloz), as revistas que traduziram os anseios do País entre 1890 e 1922 são tema de um livro excepcional que será lançado na quarta-feira, na Livraria Cultura (Avenida Paulista, 2.073), às 18 horas.

O livro é Revistas em Revista – Imprensa e Práticas Culturais em Tempos de República (1890-1922), de Ana Luiza Martins. Concebido como uma tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, a publicação é excepcional por dois motivos. Primeiro, porque vasculha, como poucos trabalhos, os primórdios de um gênero limítrofe entre o jornalismo e o entretenimento, hoje triunfalmente praticado em quase toda a imprensa brasileira.

Segundo, porque nos permite enxergar os primeiros diálogos das artes gráficas no País, permeados por influências de todo tipo, da art nouveau deslumbrada à art decô engajada, passando pelas vanguardas russas. As capas da revista A Garoa, editada por J.Prado, de 1921, são exemplos radicais de experimentalismo gráfico e ousadia artística.

A pesquisadora assinala o estabelecimento da imprensa nas revistas como um poder efetivo e suas primeiras contradições. Ela até cita um trecho muito divertido do pequeno jornal Violeta, da Sociedade Dançante Terpsychore Paulistana, de 1888, para corroborar sua tese:

No tribunal.

Juiz: – Qual é sua profissão?

Testemunha: – Jornalista.

Juiz: – Esqueça por um momento de sua profissão e diga somente a verdade.

?Na chave ampla do periodismo, enquanto o jornal mereceu estudos pontuais sob óticas diversas, sobretudo pelo seu caráter de fonte primária relevante para os estudos históricos, a revista, também sobejamente utilizada para esse fim, ressente-se de estudo sistemático e exaustivo no âmbito da historiografia?, escreve a autora, justificando a escolha de seu objeto de estudo.

Em 1921, segundo inventariou O Estado de S.Paulo, havia 20 casas editoras em São Paulo, e oito delas derivavam da experiência da publicação de revistas.

Segundo a pesquisadora, aquilo demonstrava que as revistas foram de fundamental importância para a formação do parque editorial paulista.

Em suas conclusões, ela também avalia criticamente o saldo daquele período.

Por meio da publicidade, as revistas orientavam o consumo e também investiam na cooptação ideológica (como, de resto, costumam fazer até hoje). ?Mais uma vez, texto e imagem, embalados no atraente e prático formato ?revista?, modelaram o quadro social, manipularam idéias, conformaram ideários?, escreve a autora. ?Em particular a fotografia, falseando a realidade, mistificadora de mensagens, criando uma segunda realidade presidida por interesses socioeconômicos de grupos poderosos.?

Baixa do café – Ana Luiza Martins traz subsídios novos e interessantes para o setor. Mostra, por exemplo, como uma publicação surgiu e desenvolveu-se a partir de 1895, exclusivamente para retratar as dificuldades de um mercado. Era a Revista Agrícola, que apareceu durante a baixa dos preços do café, e que dedicou-se a narrar essas dificuldades. Até a superprodução registrada entre 1900 e 1905.

Mostra a faceta ideologizada dessas publicações, como a Revista Nacional, lançada pela Companhia Melhoramentos, e que apostava na ?valorização do nacionalismo, revigorado em tempos de guerra?. Todo o espectro das publicações é examinado, do institucional ao esportivo, do pedagógico ao político e ao infantil.

Sobretudo, a autora destaca as boas experiências no setor artístico. Um caso excepcional foi o da Panóplia – Mensário de Arte, Ciência e Literatura, em 1917. Tinha Di Cavalcanti como diretor artístico e colaboradores como Olavo Bilac, Benedito Calixto, Afonso Taunay. Uma de suas edições. de 1918, trazia uma água-forte de Anita Malfatti, intitulada Outono.

Mulheres – A segregação sexista e a gradual presença das mulheres no jornalismo também são examinadas por Ana Luiza Martins em seu trabalho. Entre as pioneiras em romper os limites estritos do texto feminino no jornalismo da época, estava Julia Lopes de Almeida, que tinha participação ativa na revista Chácaras e Quintais (1912) e abriu caminho para diversas outras mulheres.

?Sua produção, ainda que veiculada por órgãos inofensivos à ordem vigente e em princípio reforçando valores femininos secularmente predeterminados pelo viés masculino, veio com uma carga de coragem e transgressão incomuns para a época?, assinala a autora. ?Acabaram por produzir obra de laivos contestadores, conquistando espaços e abrindo portas não só das revistas, mas da grande imprensa e mesmo da Academia Paulista de Letras.?

O bibliófilo José Mindlin, uma das fontes a que Ana Luiza recorreu, lamenta o fato de a pesquisa ter ido somente até 1922. Ele queria mais. A autora justifica: a Semana de Arte Moderna de 1922 não foi o dado fundamental para determinar sua escolha. Segundo ela, aquela foi uma data marcada por balanços e tomadas de posição.

Tanto a cidade como o Estado eram outros, findo o ano. ?A fundação do Partido Comunista do Brasil e o levante dos 18 do Forte, marco inicial do movimento tenentista, se constituem em ocorrências políticas de significado?, pondera Ana Luiza. ?No âmbito da imprensa, a comemoração do centenário da Independência, de enorme repercussão, suscitou múltiplas reflexões, trazendo à baila os tempos diversos que coexistiam na capital paulista e no País.?

Um marco – Ela pontua tudo com o lançamento da revista Klaxon, um marco estético e comportamental da época, lançada pelo grupo modernista em 15 de maio de 1922. Durou até 1923 e não trazia expediente, mas já uma redação, que tinha em seu corpo de redatores Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Oswald de Andrade, Luís Aranha, Couto de Barros, Guilherme de Almeida e outros.

Francamente avant-garde, Klaxon foi uma revolução pela forma, ilustração e pelos textos. ?Klaxon, magrinha de papel, custa uma fortuna?, afirmou Menotti del Picchia. ?Mas Klaxon é orgulhosa e vende-se caro. Se ninguém a ler, paciência. Klaxon não se queixará jamais de ser incompreendida pelo Brasil. O Brasil é que se esforçará para compreender Klaxon.?

Aquela revista projetava São Paulo para uma posição de, para citar um clichê, locomotiva cultural do País, além de econômica. Era a confirmação – e também o rompimento – de uma tradição já forte no Brasil, cavada por publicações como Tico-Tico, Rainha do Lar, Revista do Brasil, Chácaras e Quintais ou Revista do Comércio e Indústria.

?A imigração subvencionada e a seguinte, os produtos comestíveis do comerciantes francês Charles Hu, mas maravilhas da RCA Victor, a Light and Power and Co., a Companhia Antártica de Cerveja, a Ligderwood de máquinas agrícolas, a companhia City de loteamentos, os tantos bancos Francês e Italiano, Banco Alemão, o arquiteto-urbanista Bouvard – são alguns exemplos do que se carreou para a cidade de São Paulo, em nome do propalado progresso da Capital do Café?, assinala Ana Luiza.

Investia-se pesadamente na imagem de São Paulo como ?o maior empório comercial da América do Sul? e a pesquisadora cita até o consumo de vinhos ?que a produção francesa achou por bem desviar para os trópicos?. ?Por trás daquela criação fantástica, estavam as revistas paulistanas a serviço dos poderosos do dinheiro e da política, cunhando slogans, exaltando a capital e o Estado paulistas, disseminando ilusões, enquanto transformavam-se, elas próprias, em atraente filão do mercado, negócio vantajoso para seus investidores.?"