VENEZUELA
A imprensa venezuelana foi recente alvo de debate. Jovens jornalistas de veículos impressos, de rádio e de TV se reuniram para discutir problemas como a perda de objetividade da mídia local.
O grupo, Los del Medio ? um jogo de palavras que em português significaria "os da mídia" ou "os do meio" ?, nasceu da angústia gerada pelo silêncio ensurdecedor da mídia em 13 de abril de 2002. Nesse dia, emissoras privadas de rádio e TV venezuelanas ? que haviam acompanhado cada minuto da greve geral e dos protestos contra o líder populista de esquerda Hugo Chávez, assim como o golpe de Estado que levou o empresário Pedro Carmona ao poder por dois dias ? ficaram quietas quando parte das forças armadas e grupos civis trouxeram Chávez de volta ao poder. Alguns jornais chegaram a não ser publicados no dia 14.
Em dezembro do ano passado e janeiro deste ano, a mídia venezuelana deu mais uma prova de que não prioriza a objetividade dentro do jornalismo. A imprensa participou em peso da paralisação do trabalho com a qual a oposição pretendia tomar o poder de Chávez.
As dezenas de pessoas que formam o Los del Medio demonstram preocupação quanto ao "clima de alta polarização", afirmou Laura Weffer, repórter do jornal diário El Nacional e presidente da nova organização. "Temos certeza de que cedo ou tarde nós, jornalistas, seremos julgados, quando a opinião pública perceber nosso abandono de moral na profissão."
Segundo Laura, em entrevista a Humberto Márquez [Inter Press Service News Agency, 19/2/03], o grupo "emergiu informalmente para, nestes tempos de crise, refletir sobre o papel da mídia, que hoje se caracteriza por uma forte polarização em todo o país e que vende uma falsa posição de objetividade sobre os fatos". "É uma questão de ética", disse Pedro Luis Flores, jornalista da rede de TV Globovisión e outro organizador do grupo. "Nem a mídia, nem nossa profissão estão em suas melhores formas atualmente."
Pelo fim da violência
Outro objetivo de Los del Medio é protestar e prevenir contra ataques a jornalistas comprometidos com a militância em ambos os pólos políticos, mas principalmente contra ataques feitos por simpatizantes do governo contra repórteres a serviço da mídia privada.
O caso mais trágico envolveu o fotojornalista Jorge Tortoza, atingido por uma bala e morto enquanto fazia reportagem para um jornal diário em Caracas, em 11 de abril de 2001, durante um protesto da oposição que resultou em tiroteio com total de 18 vítimas. De forma geral, os jornalistas têm sido alvo constante de agressões das forças armadas venezuelanas.
Laura afirmou que além de organizar debates que têm atraído mais de 200 participantes em Caracas, Los del Medio assumiram a tarefa de documentar ataques a jornalistas e apresentar os dados a organizações internacionais. "Não trouxemos mudanças significativas na mídia ou no clima de agressão, mas pelo menos começamos a ver esses problemas de um ângulo diferente, baseado em opiniões compartilhadas, produto da discussão e do debate", disse Flores.
O padrão latino-americano
Nick Garafola, colaborador do sítio Americas.org ? iniciativa sem fins lucrativos do Resource Center of the Americas em Minneapolis ?, escreveu em recente artigo intitulado "Los Mentirosos: A saga das notícias na América Latina", que a pouca cobertura dada pela grande imprensa a eventos latino-americanos rondam sempre os três "D?s": drogas, desastre e ditadores. "A mídia corporativa tende a dar notícias sintonizadas nos preconceitos de seus principais espectadores e leitores, já que a audiência é valorizada acima de tudo, do ponto de vista do marketing."
Com o fim de desvelar a verdade, o Americas.org reuniu 10 boas reportagens que a mídia distorceu ou ignorou em 2002. Cada reportagem, de acordo com o artigo de 17 de fevereiro, preocupa o governo dos EUA e as transnacionais, cuja função, de acordo com o Americas.org, é perpetuar as extremas desigualdades econômicas da região, poluindo seu ambiente e promovendo a guerra. As matérias falam desde economia argentina até custos do petróleo na Colômbia e intromissão americana no Haiti e na Venezuela.
Durante os anos de governo Reagan, charlatões como Otto Reich alimentaram os EUA com notícias que punham o público americano contra os sandinistas, dizendo que queriam adquirir armas químicas. Soa familiar? À guisa da segurança nacional, o atual governo Bush condena qualquer reportagem que não esteja sintonizada com antiterrorismo ou guerra. E neste ínterim, a objetividade inevitavelmente se esvai.