Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Judith Miller

COBERTURA DA GUERRA

"?Aquilo parecia talco de criança?", copyright New York Times / Folha de S. Paulo, 15/10/01

"Parecia talco infantil. Uma nuvem de pó branco e bem-cheiroso saiu do envelope e empoeirou meu rosto, minha blusa e minhas mãos. As partículas mais pesadas caíram no chão, nas minhas meias e nos meus sapatos. ?Um trote com antraz?, pensei.

Eu estava com a cabeça em outra coisa. Na minha mesa, no ?The New York Times?, pensava sobre o que poderia ser a história do dia.

Se eu não tivesse me distraído, eu provavelmente não teria aberto o envelope branco sem endereço de remetente e com selo de St. Petersburg, Flórida.

O pó tomou toda a minha atenção. Pedi imediatamente que repórteres e editores me ajudassem a chamar a segurança. Eu não queria nem pegar o telefone. Eles pareciam alarmados. ?Tudo bem?, eu lhes disse, ?é provavelmente um trote?. Mas, quando os agentes de segurança do ?NYT? chegaram, eu vi que carregavam um saco plástico de lixo e usavam luvas. Quando eu me afastei da mesa, eles cuidadosamente colocaram o envelope no saco e o fecharam, com as luvas que haviam tocado nele. ?Perfeito?, pensei. ?Agora eu era a história.?

Se o jornal tivesse se preparado para uma emergência, eu teria sido isolada dos meus colegas e do envelope potencialmente letal. Mas, na maioria das organizações, não há alternativas dessa natureza em caso de ataques biológicos ou químicos. Tanto que um editor amigo me levou ao departamento médico em outro andar do prédio. Quando eu voltei, meus colegas estavam nervosos. Alguém me trouxe um copo de chá. Eles tomavam Cipro (antibiótico utilizado para combater os efeitos da bactéria).

Enquanto as pessoas eram obrigadas a deixar a redação, oficiais de polícia tiravam fotografias e realizavam testes na minha mesa. Muitos deles estavam protegidos com máscaras e roupas impermeáveis. Fiquei com eles para lhes mostrar como o pó havia caído por onde eu andara depois de ter aberto a carta. Eu não devo me esquecer jamais daqueles ?homens da lua? examinando nossa normalmente agitada, mas agora vazia, redação.

Às 18h, eu comecei a escrever minha reportagem sobre o Departamento do Tesouro para a edição de sábado. Na noite de sábado, ainda estava incerto se o pó continha ou não antraz. Dois testes preliminares deram negativo e um terceiro e definitivo teste sugeria que o pó era benigno.

Mas eu estava certa sobre uma coisa: cartas semelhantes foram enviadas para um tablóide de supermercado, publicado na Flórida e distribuído nacionalmente, e para a NBC e, agora, um tinha sido enviado ao ?NYT?. Talvez houvesse antraz em minha correspondência, talvez não.

Isso não importava. O que importava é que esse era um modo relativamente barato de disseminação máxima de terror. Quem quer que tenha feito isso espalhou pânico com apenas poucos esporos de antraz, ou apenas com talco infantil, e poucos selos postais. (Judith Miller é jornalista do ?The New York Times? e autora do livro ?Germs?)"

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"Bin Laden utiliza mídia moderna para propaganda", copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 10/10/01

"Com seu turbante e jaqueta camuflada, seu árabe floreado e promessas severas de terror continuado contra os EUA, Osama bin Laden revelou em seu discurso a astúcia instintiva que tem feito dele um inimigo formidável.

Essa foi, na verdade, a quarta conclamação por jihad, ou guerra santa, mas esse apelo se diferenciou de maneira importante dos anteriores. Em primeiro lugar foi a elevação do sofrimento do Iraque e, especialmente, da Palestina, como as causas principais de sua indignação justa.

Além disso, o discurso gravado, transmitido por um canal árabe popular via satélite e retransmitido repetidamente pela CNN e por outras redes, deu ao exilado saudita sua plataforma mais visível para desabafar um rosário de injustiças amplamente divididas pelo mundo árabe. Sua escolha de divulgação foi hábil: oficiais reclamaram hoje que a Al Jazeera, a rede de TV árabe, havia obedecido as instruções de Bin Laden para adiar a transmissão do discurso até depois do início dos bombardeios no Afeganistão.

Esse uso da mídia moderna para fazer sua propaganda se encaixa perfeitamente no que se tornou atualmente uma tática familiar de Bin Laden: voltar a tecnologia moderna do Ocidente contra este.

O ?timing?, da mesma forma, foi concebido para negar ao presidente Bush um monopólio da mídia para sua declaração de guerra contra o terrorismo. Logo depois que os seguidores de Bin Laden sequestraram aviões dos EUA e jogaram-nos contra os seus símbolos de poder econômico e militar, Bin Laden roubou o trovão da mídia de Bush. Alguns jornais árabes até publicaram fotos dos dois homens lado a lado nas suas primeiras páginas.

Perversamente espelhando a divisão que Bush fez do mundo entre aqueles que apoiavam os EUA na rejeição ao terrorismo e aqueles que estavam contra eles, Bin Laden também dividiu as pessoas em ?fiéis? que estão do seu lado e naqueles que se opõem a ele, os ?infiéis?. O que parecia zombaria deliberada do apelo de Bush deixou algumas pessoas em Washington preocupadas. ?Estou um pouco perturbado que sua assessoria de imprensa seja tão boa quanto a nossa?, lamentou um oficial.

Enquanto uma vasta maioria de muçulmanos está repelida e horrorizada pelos métodos da Al Qaeda, disse Nawaf Obaid, um analista saudita, ?o discurso sugere que ele tem o dom de atingir o âmago das reclamações que o homem árabe comum na rua tem contra seu respectivo governo, especialmente na Arábia Saudita?.

Seja a sua evocação da Palestina, sua promessa de acabar com os 80 anos de ?humilhação e desgraça? que os muçulmanos têm sofrido desde a queda do império otomano, ou seu desejo de recriar o califado, o império muçulmano que o arabista Bernard Lewis diz que foi baseado por meio milênio no Iraque, as palavras de Bin Laden têm ressonância perturbadora entre muitos muçulmanos.

O primeiro apelo de Bin Laden por uma guerra santa, lançado em 1992, conclamou os crentes a matar soldados norte-americanos no Chifre da África, Somália e, é claro, na Arábia, a guardiã dos dois lugares mais sagrados do islã, afirmou David Schenker, pesquisador no Instituto de Política do Oriente Médio em Washington. Não houve menção à Palestina.

A ?fatwa? (decreto religioso) de 1996, um documento de 40 páginas, citava a opressão dos palestinos por Israel, mas a condenação foi enterrada em uma lista infindável de reclamações palestinas contra os EUA e injustiças sofridas por muçulmanos na Bósnia, Kosovo, Tchetchênia, Somália, Caxemira, Filipinas, Tadjiquistão e Eritréia, para citar alguns.

Uma chamada às armas de três páginas, publicada em fevereiro de 1998, se concentrava primeiramente na condição dos muçulmanos na península arábica, depois nos iraquianos e, finalmente, não nos palestinos, mas na ?ocupação? da Jerusalém sagrada.

Mas enquanto essa declaração de guerra, pela recém-formada Frente do Mundo Islâmico, por jihad contra judeus e participantes das Cruzadas foi assinada pelos líderes de grupos militantes do Paquistão, Bangladesh e Egito, entre outros, não houve signatários de grupos militantes palestinos.

Na busca por justificar assassinato em massa e alinhar seu terrorismo com a causa palestina, Bin Laden entende -e, dizem antigos associados, até inveja- o apelo. Bin Laden está tentando expandir sua base terrorista, diz Daniel Benjamin, um ex-oficial da Casa Branca na administração Bush, que está escrevendo um livro sobre terror religioso.

Cada ?fatwa? é mais selvagem e ambiciosa que a última, dizem os experts. Enquanto as opiniões anteriores alvejaram soldados norte-americanos na África e no golfo, o último chamado por jihad acusa e alveja todos os norte-americanos. Regozija-se no ?horror de norte a sul e leste a oeste? que foi infligido por aqueles que ele elogia como ?muçulmanos de vanguarda?."

    
                         
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