Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Keila Jimenez

PRODUÇÃO REGIONAL / TV

“Redes temem imposição de produção regional”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/01/03

“O bom e velho sotaque regional pode ganhar mais espaço na TV. Mas, a duras penas. Apesar de bem intencionado, o projeto de lei da deputada Jandira Feghali (PC do B/RJ), que prevê que 10% a 20% da programação diária das emissoras seja destinada a produções locais, está causando muita confusão entre redes e autoridades. A proposta, que segue para votação no Senado, estabelece que emissoras que atendem a regiões com mais de 1,5 milhão de domicílios com aparelhos de TV deverão transmitir 22 horas semanais de atrações regionais, entre 5 horas e meia-noite. A carga abaixa para 17 horas semanais em regiões com menos de 1,5 milhão de domicílios, e é reduzida para 10 horas em territórios com menos de 500 mil residências.

Desse total, metade será destinada a atrações culturais (programas de variedades e teledramaturgia), e a outra metade, a produções jornalísticas – cota considerada justa para afiliadas ?ricas?, como as do Rio de Janeiro.

Para as as primas mais pobres, o plano é mais complicado.

?Em nossas afiliadas em Joinville, Ribeirão Preto, Uberlândia, essa quantidade de produção local será facilmente cumprida?, fala o consultor da presidência da Band, Antônio Teles. ?Mas existe uma enorme distância entre a realidade delas e a das afiliadas do Piauí, Alagoas e Sergipe, por exemplo. E me espanta que um grupo de legisladores desconheça, ou simplesmente ignore as desigualdades regionais. Há praças que mal conseguem se manter reproduzindo toda a programação nacional, como é que elas vão bancar produção local??

Basta olhar o quanto há de produção regional nas redes atualmente para notar a dificuldade que algumas enfrentarão, principalmente, as menos abastadas de recursos. A Globo, que possui mais de 100 afiliadas, tem em média 10% de sua programação destinada a produção local, basicamente, jornalismo. O SBT, adepto dos enlatados, não tem nem 10% de sua programação destinada a atrações regionais .

A região campeã em produção regional é a Sul. A RBS, braço da Globo no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tem 14 % de sua grade composta por produção local. Exibe atrações como o Patrola, uma espécie de Programa Livre de lá, que já faz parte da história da TV local. Do Sul também vem a atração para jovens De Olho no Esquenta, exibida na TV BV ( Band em Florianópolis) ao sábados. Outro fenômeno regional está em Salvador e vem da TV Itapoan (retransmissora da Record): é o Balanço Geral, que mistura denúncias e reportagens policiais e está no ar há mais de cinco anos, mantendo a audiência e o faturamento lá em cima.

Fora do ar – Além das cotas a serem cumpridas, a punição para quem não honrar as metas da regionalização também preocupa as TVs. O projeto prevê que as emissoras desobedientes recebam advertência, multa e tenham até seu sinal cortado, de 24 horas a 30 dias.

?Qualquer pessoa de bom senso sabe que não há como cumprir uma lei destinada a desligar do Brasil alguns milhares de municípios durante 3, 14, ou 21 horas por semana, para brincar de televisão?, ataca o consultor do SBT, Luiz Eduardo Borgerth. ?Não há como produzir em Maceió ou em Campos de Goiatacazes 20 programas por semana, de qualquer qualidade que seja, bons, maus ou péssimos. Acho que os promotores do projeto não sabem que, mesmo em cidades pobres, há duas ou três geradoras, cada qual tendo que cumprir mínimos legais.?

Pegadinhas – As emissoras se defendem argumentando que o projeto contraria os esforços de melhorar a programação.

?Quem garante que esse espaço regional não será preenchido de qualquer modo, com gravações esdrúxulas, pegadinhas, videocassetadas, ou televendas??, diz Teles, da Band. ?Vai haver uma discussão muito grande sobre o tipo de programa que será encaixado nesses espaços?, continua. ?Eles não possuem dispositivos para fiscalizar nem as rádios piratas, como vão saber o que uma dessas emissoras, nos confins do mundo, está exibindo??

Record e Rede TV! também temem por suas afiliadas pequenas. ?Acho cedo para falar sobre esse projeto, mas estamos atentos à sua tramitação em Brasília. O que sabemos é que ele tem de sofrer alterações para poder ser viável?, fala o vice-presidente da Rede TV!, Marcelo Fragali.

?Essa lei determina a produção de, aproximadamente, 6 mil programas semanais (supondo que temos atualmente 450 TVs, entre cabeças de rede e afiliadas, espalhadas pelo País, e que elas terão de produzir 17 horas de atrações regionais)?, fala Borgerth, do SBT. ?Os legisladores deveriam aproveitar que estão com a mão na massa para determinar a produção local de livros, discos, ou obrigarem os autores e atores, principalmente os que se manifestam a favor desse projeto, a exercer 20% de sua profissão em suas cidades natais?, alfineta. ?O projeto determina que há talentos em todos os pontos do Brasil e que nós não os promovemos em benefício dos do Rio e São Paulo. Como sabemos, os novos (hoje, velhos) baianos são todos cariocas, e Fafá de Belém, na verdade, é do Belenzinho?, ironiza.”

 

TELENOVELAS

“A telenovela não está em decadência”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/01/03

“O gênero telenovela não está agonizando e 2003 não será o ano de sua morte. O fiasco no ibope das novelas da Globo tem suscitado as velhas profecias que, já nos anos 70, previam o extermínio do romance em capítulos.

Esperança realmente desandou a receita, a história está enfadonha demais para a geração alimentada a videoclipe, Sabor da Paixão não transmite nem sabor e muito menos paixão e O Beijo do Vampiro, a mais engraçadinha, não consegue capturar uma grande legião de adeptos.

Entender esses sintomas como prenúncio do fim, no entanto, é precipitação. O gênero está longe de esgotar-se. Que o diga o SBT que, com a Pequena Travessa (um drama genuinamente mexicano) não se queixa, tem conseguido valiosos 20 pontos de média colocando-se no primeiro escalão da casa.

A questão é que a conjuntura no mercado de TV mudou e o telespectador, idem.

A audiência desconcentrou-se e, de certa maneira, houve uma democratização da audiência. Os capítulos da Globo podem sonhar com os anos 80, a década da áurea Roque Santeiro, mas essa fartura não volta mais. Essa liderança hegemônica não era normal. Ninguém pode agradar a todo mundo o tempo inteiro.

Claro que a questão técnica foi determinante. Há 30 anos, a Globo era a única rede nacional e acabou estabelecendo um padrão que até hoje é perseguido pelas concorrentes. Isso quer dizer que ela delineou o perfil do telespectador brasileiro.

Quando as concorrentes se profissionalizaram – adquirindo bons equipamentos e buscando dentro da própria Globo seus colaboradores – começou a migração.

Meio desconfortáveis ainda com a estética forjada fora da Globo, muitos telespectadores foram se reconhecendo em outros canais. Nessas casas nasceram os telespectadores (que hoje chegam à idade adulta) criados com o Bozo e o garoto Juca, com a Mara Maravilha, com o menor abandonado Chaves e com os alunos do Carrossel no SBT.

É gente que, ao contrário dos descolados dos anos 70, não tem vergonha de gostar de Silvio Santos, Hebe, Raul Gil, da fofoca sobre artistas e da breguice dos programas de auditório. Foi aberto um leque em que cabe tudo, até uma versão nacional do dramalhão importado do México.

Seguindo sua própria cartilha, o SBT consolidou um tipo de telenovela diferente da feita no Rio – com texto mexicano e elenco nacional – que acabou ganhando adeptos fiéis. A Pequena Travessa – uma fábula pueril à Cinderela – vem na trilha aberta por A Pícara Sonhadora e Marissol, outros sucessos da emissora.

A mexicanização explícita do SBT e a conseqüente adesão de uma boa parcela do público influenciaram a teledramaturgia de uma maneira global. A Record entrou nessa produzindo duas novelas e exibindo a enlatada Joana, a Virgem, enquanto a Rede TV! remendou sua programação com Betty, a Feia.

A Globo não passou incólume, mas o México entrou pela porta de trás. Em 2001, ele descabelou Regina Duarte em Desejos de Mulher, embaralhou o raciocínio de Murilo Benício com a invenção de seu clone e dá as caras no exagero da configuração dos personagens em Sabor da Paixão.

Por causa dessa capacidade de adaptação é que o gênero sobrevive e emplacará 2004 no seu melhor vigor.”