Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Keila Jimenez

MTV BRASIL, 13 ANOS

“MTV emplaca seu 13.? ano no ar”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/10/03

“Você imagina como é a mãe do João Gordo? Sabia que é necessário um batalhão de gente para acordar a cantora Wanessa Camargo de manhã? Muito se falou, mas só agora a MTV tirou da gaveta a versão nacional do seriado The Osbournes.

No lugar da família do roqueiro Ozzy Osbourne, a MTV Brasil acompanhará o dia a dia de João Gordo, Wanessa Camargo e do cantor Marcelo D2. Batizado de Família MTV, o reality show terá 12 episódios – quatro para cada personagem – com 30 minutos cada. Essa é uma das surpresas do aniversário da MTV, que comemora em outubro, com um pacote de atrações especiais, 13 anos no ar.

Quem abre o Família MTV é João Gordo, no dia 20, às 23h30. Com uma megaequipe de produção de dar inveja as milhares de câmera do Big Brother (ops, brincadeirinha: a MTV usou apenas um câmera para perseguir os artistas), a produção do Família MTV ficou cerca de oito dias no pé de cada um dos personagens. ?Wanessa Camargo topou logo de cara o convite. Já os meninos ficaram um pouco apreensivos?, conta a diretora de Programação da emissora, Cris Lobo. ?Aos poucos, eles foram gostando do programa. O próprio João se soltou e levou a gente para conhecer amigos, mostrou coisas da vida dele que nos surpreenderam muito.?

Dos três, apenas Wanessa tem uma família de famosos. No caso de Gordo, a atração vai mostrar as mudanças na vida do cantor – ele acabou de se casar e fez uma operação para redução do estômago – e sua relação com a família e a música. Já o reality de D2 dará ênfase à mudança do cantor do Rio para São Paulo e todo o processo de adaptação. ?Tínhamos um leque enorme de pessoas que poderiam participar, mas escolhemos aqueles que têm vidas curiosas e que de alguma forma têm muito a ver com a MTV?, explica Cris Lobo. ?A nossa idéia é dar continuidade, chamando outros artistas para participar?, completa o diretor de Programação, Zico Góes. As séries serão exibidas de segunda a quinta, a partir do dia 20, às 23h30, e terão intervalo de um semana entre elas.

Heróis – As versões tupiniquins do The Osbournes vão dar o que falar, mas a outra novidade de aniversário da MTV não deixará a desejar. Será o desenho animado Mega Liga MTV de VJs Paladinos – o nome pode mudar, ainda bem. Como o próprio nome diz, promoverá os VJs ao posto de super-heróis.

A idéia surgiu depois que a rede recebeu um desenho animado de um telespectador para a atração de João Gordo, que há três anos tem espaço para esse tipo de criação. ?Recebemos coisas boas, muita porcaria (risos), mas nunca tínhamos visto algo tão legal?, fala Góes.

O jovem ilustrador que enviou o desenho, conhecido como Pavão, vai co-produzir a animação com a emissora. Os VJs vão dublar suas versões em animação e já estão dando sugestões de roteiros. ?Fernanda Lima será uma espécie de Poderosa Iris, com poderes ecológicos, Max Fivelinha será o homem-borracha, Edgar será um herói- galã?, conta Góes. ?Nada impede de fazermos heróis com VJs que já até saíram da MTV.? Os heróis serão comandados por Cazé e enfrentarão inimigos de todos os tipos, a maioria do mundo da música, como Engenheiros do Hawaii, Celine Dion e Tribalistas.

Os 11 primeiros episódios – com dois minutos cada – mostrarão como os VJs ganharam superpoderes. A princípio, os desenhos serão apresentados no Gordo a Go Go, a partir desta quinta, às 22 horas. Em 2004, o quadro pode virar série com horário próprio.

O mês de aniversário da MTV ainda terá reprises na programação dos melhores momentos desses 13 anos, uma festa especial com VJs e ex-VJs da casa, a ser exibida no programa de Daniela Cicarelli, e troca-troca de VJs, ou melhor, um VJ apresentando o programa do outro. ?No Videoclash, no lugar da audiência, serão os VJs que escolherão os videoclipes?, conta Góes. ?Também teremos a estréia de uma série americana, Fanogragraphy, em que fãs contam de maneira divertida a biografia do artista.?”

 

TELENOVELA

“Manoel Carlos consagra novela-crônica”, copyright Folha de S. Paulo, 5/10/03

“A partir da próxima sexta, o Brasil vai mudar. As preocupações, as polêmicas, as conversas serão outras. É que saem as ?Mulheres Apaixonadas?, de Manoel Carlos, entra ?Celebridade?, de Gilberto Braga.

O imaginário coletivo será lançado das paixões femininas e patologias do amor para as brigas de poder.

As chamadas da nova novela já indicam que com Gilberto Braga estamos de volta ao melodrama como se deve. Há bem e mal, vilões -um casal, por sinal, lindo e jovem-, há conflito, há drama. Há riqueza e glamour de um lado, e subúrbio de outro. A mocinha, sabe-se já antes mesmo de começar a novela, vai pastar até chegar à felicidade.

A velha, por sua vez, consagrou de uma vez por todas aquilo que já se anunciava em ?Laços de Família?: a novela-crônica de Manoel Carlos. Diferentemente da maioria das novelas, que se assemelham em termos de estrutura ao romance (que, como a novela, tinha sua trama desvelada ao leitor de forma seriada no século 19), o estilo de Manoel Carlos é um formato ainda mais híbrido, que se aproxima de certa forma da crônica.

Ciclos

O autor comporta-se como um cronista que estivesse observando um grupo de pessoas movimentando-se em uma cidade, ou melhor, pedaços dessa cidade idealizados. Manoel Carlos inventa um grupo de pessoas, dá a elas alguns ?temas? -a velhice, o ciúme doentio, a violência doméstica, o amor proibido- e daí passa a observar e registrar suas movimentações.

Não há propriamente ação nas histórias de Manoel Carlos -os capítulos se enchem de situações que se repetem ciclicamente, mas não se desenvolvem de fato. Os diálogos são declaratórios, circundando os temas ou fazendo referências canhestras ao mundo fora da novela.

Apesar do ritmo exasperantemente lerdo, os elevados índices de audiência obtidos tanto por ?Mulheres Apaixonadas? quanto por ?Laços de Família? sugerem que essa nova modalidade de novela, de poucos acontecimentos e muitos personagens, caiu no gosto do público.

É uma novela quase sem expectativas, ou melhor, de esperas amenas e quase nenhuma reviravolta na trama. Tanto é que o final não suscitou lá muita torcida -na verdade, o que há, de fato, para solucionar numa trama que não tem problemas? A narrativa nesse tipo de novela é de tal modo esgarçada que o final virá com um suspiro de alívio.

Como na crônica das paixões patológicas de Manoel Carlos não há exatamente maus, mas gente doente, perturbada, psicopata em diversos graus, o final não terá punidos ou recompensados, e sim curados ou incuráveis. O caso mais extremo, o espancador Marcos (Dan Stulbach), dizem os boatos, encontrará a morte, a negação mais veemente da cura.”

 

REALITY SHOWS

“American Idol, o show da vida”, copyright Folha de S. Paulo / American Prospect, 5/10/03

“A ?televisão-realidade? geralmente é desprezada como uma coisa idiota, vulgar, exploradora e manipulada. Então, seria de alguma forma sociologia, em algum momento real? Sim, se for ?American Idol? [Ídolo Americano], o programa que recentemente concluiu sua segunda temporada de enorme sucesso [que estréia no Brasil amanhã, às 21h, no canal pago Sony]. Para os leigos: o programa coloca 12 jovens participantes em disputa por um contrato de gravação de US$ 1 milhão. É verdade que ?American Idol? foi adaptado de uma série britânica, ?Pop Idol?, que atraiu um recorde de 14 milhões de votantes e transformou em celebridade instantânea um menino cantor insosso.

Cultura jovem

Mas em seu formato e ritmo ?American Idol? ofereceu um fascinante instantâneo da cultura jovem americana no século 21. Ao mesmo tempo competição, programa de calouros, novela, festival maquiado, celebração patriótica e eleição, o programa? mostrou como os EUA do pós-milênio estão mudando em relação à raça, classe, identidade nacional e política. Agradando simultaneamente a fuzileiros navais, mórmons, gays, negros e latinos e a todas as regiões do país, o programa tinha um motivo legítimo para ser rotulado de TV-realidade. ?American Idol? promoveu o pluriculturalismo com uma facilidade ausente da maioria das redes de TV e mostrou uma cultura jovem e uma geração de jovens que superaram o ponto de virada da harmonia racial. Para realizar esse particular sonho americano da fama, 70 mil aspirantes vestiram de tudo, desde ternos amarelos de cafetão até calças cáqui bem-comportadas, e voaram, dirigiram e pegaram carona para fazer testes duríssimos em sete cidades-ícone dos EUA – Nova York, Detroit, Miami, Atlanta, Nashville, Austin e Los Angeles- para a segunda temporada. Cobiçando apenas uma dúzia de vagas finalistas, uma incrível mistura de asiáticos louros, gêmeos cantores, rappers urbanos, ex-condenados esperançosos e mães solteiras desesperadas dormiram em calçadas e suportaram as dispensas secas dos juízes pluriculturais Randy Jackson (executivo de uma empresa de música negra), Paula Abdul (estrela da canção e coreografia brasileira/ franco-canadense) e Simon Cowell (produtor branco de música britânica cujos insultos impiedosos e observações destemidas como juiz de ?Pop Idol? haviam deliciado o público inglês).

A estrutura eleitoral do programa refletiu as atitudes americanas sobre o processo político; tanto críticos profissionais quanto fãs batendo papo na web especularam sobre blocos eleitorais, campanhas e se a votação foi manipulada

País que mudou

Os finalistas de ?American Idol? incluíam vários candidatos negros, mais dois de famílias birraciais. Apesar dos temores de alguns críticos de que nenhum candidato negro vencesse, Ruben Studdard, de Birmingham, Alabama, levou o prêmio. O distanciamento de Ruben da história racista da cidade onde Martin Luther King iniciou o movimento por direitos civis é um depoimento sobre como o país mudou. Em uma votação tão apertada que lembrou a eleição presidencial de 2000, Clay Aiken, um estudante universitário branco da Carolina do Norte que trabalhava com adolescentes autistas e se tornou o melhor amigo de Ruben, ficou em segundo lugar. Os juízes convidados se alternavam entre deuses da Motown (Lamont Dozier, Gladys Knight) e compositores brancos (Diane Warren, Billy Joel). Os motes de gíria de Jackson (?dawg?, como termo de saudação afetuosa, se tornou favorito) domesticaram o idioma rapper proscrito da cultura hip-hop e o reembalaram para a América média. Mas havia um subtexto nessa superfície de harmonia racial e igualdade. Três finalistas e semifinalistas negros ou mestiços foram desclassificados por terem ocultado fichas criminais ou por comportamentos incabíveis para ídolos americanos, sugerindo disparidade de oportunidades e a persistência de diferenças culturais. Um ex-finalista, Corey Clark, acusou os produtores de explorá-lo a fim de conquistar audiência quando um site da web revelou que ele estava sendo processado por agressão; em sua defesa, gravou uma entrevista ao vivo para ?American Idol?, que ele alegou ter sido editada de modo enganoso. A mudança de local da Inglaterra para os EUA não apenas alterou significados raciais como salientou diferenças nacionais. Para os britânicos, ?ídolo pop? significa uma coisa específica: um fenômeno musical embalado para a TV, voltado para os jovens da corrente dominante. Não havia um sentido consciente de identidade nacional na escolha dos vencedores de ?Pop Idol?. Mas ?American Idol? tinha uma agenda diferente, especialmente a segunda série, que coincidiu com a mobilização e o clímax da guerra no Iraque. Para um CD em benefício da Cruz Vermelha americana, dez dos finalistas gravaram um piegas hino reaganesco, ?Deus Abençoe os Estados Unidos?, que chegou ao topo das paradas de sucesso. Parte da mensagem patriótica era a presença entre os finalistas do robusto fuzileiro naval Josh Gracin, cujos oficiais comandantes sugeriram que ele poderia ser mandado para o Iraque a qualquer momento (não foi).

Presença irritante

No entanto, em meio a toda essa agitação de bandeiras, a presença irritante de Cowell chocou os juízes americanos, que adotaram uma linha mais dura, assim como a cobertura da guerra pela BBC em tom crítico e até choroso equilibrou e desafiou o excessivo otimismo dos correspondentes da mídia americana.

A recusa de Cowell em ser bondoso, delicado, caloroso e brando ou eufemisticamente otimista o transformou numa presença revigorante no programa. Sem se intimidar pelo politicamente correto, ele disse à mestiça Kimberley Locke que seu desempenho melhorou assim que ela mandou alisar e clarear os densos cachos. ?Agora sim você ficou bonita?, ele disse. E, sem se abalar pelas lágrimas dos perdedores, também foi o único juiz que não amoleceu diante do teste estridente de uma criança negra de 5 anos. ?Não achei bom?, ele disse francamente. A platéia no estúdio costumava vaiar Cowell, mas sua sinceridade e insistência em critérios elevados fez a coalizão pop de ?American Idol? funcionar.

Na final do programa, em 21 de maio, mais de 24 milhões de votos foram recebidos por ?American Idol?. Não podemos comparar a porcentagem de respostas à de uma eleição verdadeira porque os participantes do programa podiam votar mais de uma vez. Mas a estrutura eleitoral do mesmo refletiu as atitudes americanas sobre o processo político e talvez tenha até servido como um referendo da cultura de massa sobre o estado de ânimo do país. Tanto críticos profissionais quanto fãs batendo papo na web especularam sobre blocos eleitorais, campanhas e se a votação foi manipulada.

Cowell disse à revista ?People? que alguns dos finalistas ?atuam como candidatos presidenciais. Se houvesse um bebê na platéia, eles correriam para beijá-lo?. Jornais locais fizeram pesquisas de opinião em prol dos candidatos conterrâneos. No final, alguns críticos chegaram a cogitar uma auditoria dos votos, despertando lembranças de contagem de cédulas.

Uma terceira série de ?American Idol? está prometida para o próximo ano, com rumores de que Paul McCartney será um dos juízes convidados. Aposto que Bush e alguns candidatos democratas estarão na platéia. Esse ?reality show? poderia ser uma melhor operação de mídia política do que o [porta-aviões] USS Abraham Lincoln.

Elaine Showalter é professora no departamento de inglês da Universidade Princeton. É autora de, entre outros, ?Anarquia Sexual? (ed. Rocco). A íntegra deste texto foi originalmente publicada na revista ?American Prospect?. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.”