Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Kennedy Alencar


GOVERNO LULA

“Comportamento esquivo é opção do presidente”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estuda uma forma para iniciar contatos regulares com a imprensa, aos quais ele ainda resiste. O Planalto não sabe como esse contato seria feito, se em entrevistas coletivas, exclusivas ou em conversas reservadas. O comportamento refratário a entrevistas, que ele não concede desde a posse, é decisão pessoal de Lula.

Segundo a Folha apurou junto a interlocutores do presidente, a distância que o petista adotou em relação à imprensa tem basicamente três motivos:

1) Lula acha que não está precisando da intermediação de jornalistas para transmitir suas mensagens. Crê que está muito forte politicamente, com a popularidade em alta, e que bastam seus discursos em solenidades e declarações rápidas em viagens para ter espaço nas TVs, rádios e jornais.

2) Há uma dose de contrariedade com a imprensa, especialmente a escrita. Lula, segundo seus interlocutores, crê que tem sido cobrado prematuramente. Uma crítica que o contraria é a de que repete pura e simplesmente o governo Fernando Henrique Cardoso na economia, priorizando as políticas monetária e fiscal em detrimento do crescimento. Ele também julga que seus ministros frequentemente são pautados pela imprensa e antecipam medidas ainda não maduras.

3) O presidente também avalia que ainda não tem muito o que mostrar em termos de ?agenda positiva?. Quer tirar do papel medidas como o programa Fome Zero e aprovar as reformas tributária e previdenciária para ter o que argumentar nas conversas com jornalistas mais críticos.

A união desses três motivos tem criado uma verdadeira barreira para que seus homens de comunicação, o ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) e Ricardo Kotscho (Secretaria de Imprensa e Divulgação), abram espaço na agenda presidencial para os jornalistas.

Até as recentes reportagens ressaltando a distância das entrevistas, como a publicada na última sexta-feira pelo jornal ?Valor Econômico?, Lula tinha uma resposta pronta para o tema, segundo pessoas próximas: ?Ainda não está na hora?.

Desde que foi eleito, Lula só falou com veículos de comunicação do Brasil para o pagamento de faturas políticas e afetivas, de acordo com auxiliares. Logo após a vitória, antes da posse, concedeu duas entrevistas exclusivas à Rede Globo, nos programas ?Fantástico? e ?Jornal Nacional?. Foi um reconhecimento ao que a cúpula do governo chamou de ?comportamento isento? da Globo nas eleições. Oficialmente, a rede afirmou que a entrevista estava combinada com a assessoria de todos os candidatos, ganhasse quem ganhasse.

Nas três derrotas que sofreu, Lula sempre considerou que a Globo teve um comportamento parcial. O caso mais emblemático foi a edição do último debate entre ele e Fernando Collor, na eleição de 1989.”

“Intelectuais se reúnem para ?aconselhar? Lula”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a poder contar, desde o último dia 6, com uma espécie de ?conselho? informal de intelectuais para ?refletir e propor? idéias sobre o governo, ainda que críticas. Terão encontros regulares entre si e devem tê-los também com ministros de Lula.

Cerca de 20 acadêmicos simpatizantes ou ligados ao PT retomaram naquela terça-feira a realização de encontros que boa parte do grupo mantinha com dirigentes do partido durante a campanha de Lula à Presidência. Dessa vez a reunião foi com o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, em uma casa no bairro do Pacaembu, em São Paulo.

Entre eles, estão os professores da USP Paul Singer (economia), a cientista política Maria Victoria Benevides (faculdade de educação), Renato Janine Ribeiro (filosofia), Marilena Chauí (filosofia), o advogado Fábio Konder Comparato (direito), o advogado Dalmo Dallari (direito) e também a psicanalista Maria Rita Kehl.

Outra reunião com o ministro Dulci está marcada para o fim do mês e, segundo Marilena Chauí, estariam sendo agendados encontros com outros ministros. A assessoria da Secretaria Geral confirma as informações. Segundo a assessoria, do mesmo modo que Dulci procurou esse grupo, falará também com intelectuais de outros Estados.

?Não somos conselheiros do rei?, afirma a cientista política Maria Victoria Benevides. ?Não temos a pretensão de aconselhar o governo. Temos a pretensão de discutir. O interesse deles [governo] é ir e conversar com formadores de opinião, estejam ou não concordando com eles. Nós gostamos muito de poder falar cara a cara com um ministro, mas não temos a pretensão de que vamos aconselhar. Vamos dar a nossa opinião. Eles aceitarão ou não. Não temos mandato nenhum.?

Retiradas

Alguns antigos integrantes do grupo que se reunia durante a campanha, diz Benevides, não puderam participar da reunião do dia 6 justamente por estarem no governo, como, ela cita, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, e o porta-voz André Singer.

Outros usaram a mesma frase de Benevides -?não sou conselheiro do rei?- para explicar o motivo pelo qual não se reuniriam -como de fato não o fizeram- com o secretário-geral do presidente Lula.

?Acho que foram retiradas muito honestas. Gente que se retirou com a maior honestidade, com a maior gentileza com os colegas e dizendo ?olha, não me sinto à vontade?, disse Benevides.

Entre os que não compareceram, a cientista política cita o professor de filosofia da USP Paulo Arantes. ?Saiu o Paulo Arantes, por exemplo. Ele falou com muita franqueza, sempre muito educado e gentil. Gostamos muito, é assim que se faz. Ele acha… Eu não concordo. Nós não somos conselheiros do rei de jeito nenhum.? A Folha não conseguiu falar com Arantes.

Benevides descreve assim os integrantes do grupo: ?São intelectuais que sempre estiveram ao lado do PT e da candidatura Lula. E que portanto têm um compromisso na medida das suas competências, que é pensar o Brasil, refletir sobre um projeto de desenvolvimento para o Brasil, refletir sobre propostas de mudança etc. Mas refletir e propor não é a mesma coisa que aconselhar?.

O trabalho do grupo original no ano passado, ela afirma, era ?acompanhar a campanha como intelectuais, todos nós muito ligados ao PT desde a fundação, opinando sobre os programas, sobre a imprensa, dando sugestões?.

Entre os que se reuniram no início do mês, Marilena Chauí e Renato Janine Ribeiro não faziam parte do grupo original.

Da primeira reunião, Chauí diz trazer a convicção de que a mudança de rumos da política econômica acontecerá. Para fazê-la, ela diz, Lula foi eleito. ?É isso que vem vindo. Ela virá?, afirmou.

?O ministro [Dulci] enfatizou o fato de que o governo ia entrar numa segunda fase. O período chamado de transição está chegando ao fim.?

Ela elogiou o fato de o atual governo procurar um contato maior com a sociedade. ?Uma das características contínuas de governos brasileiros é fazer de Brasília uma ilha de fantasia?, disse.

Maria Victoria Benevides descreveu o procedimento dos assessores de Luiz Dulci e do ministro durante o encontro em São Paulo: ?Tomaram nota de absolutamente tudo e responderam a tudo que foi perguntado?.

Para Renato Janine Ribeiro, o encontro demonstra ?empenho do PT de não perder contato com uma de suas bases tradicionais?.

Questionado se o encontro não poderia servir para o governo tentar neutralizar o aparecimento de críticas, Ribeiro disse não ter tido essa impressão.

?Mas evidentemente que quando você abre diálogo você conquista um capital de simpatia. Às vezes ser ouvido vale mais do que ser atendido.?

O filósofo afirmou ter dito na reunião que Lula está demorando a adotar uma agenda de esquerda.”

“Lula discursa muito, mas evita a imprensa”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou quatro meses e meio de governo sem conceder entrevistas. Apesar dos 222 pedidos feitos à Secretaria de Imprensa do Planalto, por jornalistas brasileiros e estrangeiros, o presidente optou por comunicar-se com a sociedade por meio de discursos -ele fala sobre o assunto que quer e como quer, sem correr o risco de ser questionado.

A assessoria do Planalto nega que o presidente adote comportamento esquivo. Segundo seu núcleo de comunicação, Lula está ?conversando o tempo inteiro? com a sociedade por discursos.

O professor Mauro Porto, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB (Universidade de Brasília), avalia que essa estratégia visa eliminar a mediação dos jornalistas na comunicação, porque ?o presidente e seus assessores sabem que, em uma entrevista, ele vai ser confrontado com perguntas difíceis?.

Para Porto, a estratégia do ?diálogo direto? com a sociedade é ruim para a qualidade do debate político, já que pontos de vista divergentes ficam prejudicados.

?É muito clara a preocupação deste governo em gerenciar o noticiário. A intenção é garantir o maior controle possível das notícias sobre o governo?, diz.

Porto cita um precedente histórico: o do ex-presidente americano Ronald Reagan (81-89), que interrompeu uma tradição de entrevistas na Casa Branca, induzindo jornalistas a gritar perguntas para ele nas ocasiões em que estava acessível, inclusive em trânsito.

No governo Lula, as tentativas de entrevista durante as aparições públicas do presidente têm sido motivo de tensão. Durante a visita de Lula a Itinga (MG), na caravana do primeiro escalão do governo a regiões miseráveis do país, um assessor do presidente chegou a bater no braço de um repórter, tentando derrubar seu gravador.

Há duas semanas, um assessor impediu outro jornalista de dirigir perguntas ao presidente enquanto ele passava, chamando-o de ?mal-educado? e ?inconveniente?. Na quinta-feira passada, o presidente desceu inesperadamente ao pátio do Planalto para conversar com anistiados políticos que reivindicavam indenizações. Formou-se um grande empurra-empurra, com a presença de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. No meio do tumulto, um funcionário da Secretaria de Imprensa gritava aos seguranças: ?Se tiver gravador, tira da frente?.

Antecessores

Cada governante cria um estilo e um padrão de relacionamento com a imprensa e a sociedade. Emílio Garrastazu Médici (1969-74) governou com a imprensa sob censura. Só concedeu entrevistas para falar de futebol. Ernesto Geisel (1974-79) era um túmulo. Limitou-se a conceder duas únicas entrevistas durante seu governo.

A redemocratização do país alterou muito esse quadro. Desde José Sarney (1985-90), o presidente mais informal no relacionamento com a imprensa foi Itamar Franco (92-94). Costumava chamar os jornalistas que faziam a cobertura do Planalto para comer pão-de-queijo em seu gabinete.

Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) convocou uma grande entrevista ao completar 100 dias de governo. Lula, que em 98 protestou muito pelo fato de FHC recusar-se a debater com ele na TV durante a campanha presidencial, optou por convocar uma cadeia nacional de rádio e TV ao atingir 100 dias de mandato.

No último dia 9, em Rio Branco (AC), incluiu nos agradecimentos os ?os jornalistas que nem sempre escrevem o que a gente diz?.”

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“Imprensa estrangeira acusa falta de informação”, copyright Folha de S. Paulo, 18/05/03

“Correspondentes estrangeiros sediados em Brasília afirmam que estão encontrando uma série de dificuldades para obter informações do atual governo. ?A gente vê que nessa estratégia de não atender a imprensa o governo perde a oportunidade de responder algumas interrogações que ficam no ar?, disse o presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros em Brasília, o salvadorenho Manuel Martinez.

Esse assunto foi discutido em assembléia realizada pela associação na última sexta-feira à noite. Segundo Martinez, os correspondentes avaliaram que o relacionamento com alguns ministérios melhorou em relação ao governo anterior, como é o caso do Itamaraty, mas em geral a dificuldade aumentou.

?Notamos algumas dificuldades que não tínhamos no governo anterior. Não percebemos ainda se se trata de uma estratégia que ainda não entendemos ou se está havendo simplesmente desencontros típicos de um início de governo?, afirmou.

Martinez disse que foi recebido no início de março pelo secretário de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho, que ouviu um relato sobre as necessidades dos correspondentes no dia-a-dia.

Segundo ele, Kotscho disse que Lula não daria entrevistas neste semestre. ?Nós respeitamos esse prazo. Não somos intolerantes?, disse ele, ressaltando que os correspondentes esperam que Lula fale a partir do segundo semestre.

Martinez disse que nota na equipe de comunicação do governo uma vontade de acertar, mas que os correspondentes gostariam de ser mais ouvidos. Ele disse que a associação decidiu voltar a falar com Kotscho sobre as dificuldades que persistem.”

“Entrevistas”, copyright Folha de S. Paulo, 20/05/03

“?Como sabem a direção e os leitores da Folha, com quem convivi por tantos anos, não é meu hábito escrever cartas para a Redação. Até porque a última palavra será sempre do jornal. Governo é governo, imprensa é imprensa, cada um que cumpra bem a sua parte. Melhor é deixar este espaço para os leitores. Mas vejo-me obrigado a abrir uma exceção para prestar esclarecimentos à direção e aos leitores da Folha sobre a reportagem ?Lula discursa muito, mas evita a imprensa? (Brasil, pág. A10 , 18/5). Além de se tratar de plágio malfeito de reportagem publicada pelo jornal ?Valor? dois dias antes, o texto da Folha omite a informação principal dada ao repórter Wilson Silveira pela Secretaria de Imprensa e Divulgação na sexta-feira: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia marcado no início da semana passada encontros com jornalistas brasileiros e correspondentes estrangeiros ainda para este mês de maio. O que é mais grave é que, entre os jornalistas convidados, antes da publicação da primeira reportagem sobre o assunto, estão representantes dos jornais ?Valor? e Folha, fato que deveria ser de conhecimento das Redações. Como esse fato novo contrariaria a ?tese? defendida pelo jornal e derrubaria a reportagem, repete-se aquele velho e mau hábito praticado por certos jornalistas, como Jayson Blair, tema do comentário do ombudsman na mesma edição: se os fatos contrariam a manchete encomendada, danem-se os fatos. Na mesma página, sob o título da reportagem citada acima, o repórter Kennedy Alencar reforça a ?tese?, citando auxiliares anônimos, como de costume. Quero informar que, entre esses auxiliares, o repórter não falou com nenhum assessor da Secretaria de Imprensa e Divulgação, teoricamente a responsável pela área em questão no texto. Se o tivesse feito, teria sido informado de que nos nossos critérios de trabalho não há ?pagamento de faturas políticas e afetivas?, como, aliás, o repórter bem sabe.? Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (Brasília, DF)

Nota da Redação – A reportagem não se sustenta em nenhuma tese, mas em um fato: o presidente completou quatro meses e meio de governo sem dar entrevistas. Apesar disso, o texto afirmou que ele estudava dar início a contatos regulares com a imprensa. O secretário de imprensa foi procurado pela Folha, e auxiliares disseram que ele viajara para dar uma palestra. A reportagem também contatou outros auxiliares do presidente, que preferiram manter-se anônimos.”