Saturday, 07 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

Laura Mattos

JUSTIÇA & TV

"Gregori deixa Justiça sem solução para TV", copyright Folha de S. Paulo, 7/11/01

"Depois de tentar por diálogo e imposição um controle à programação da TV, José Gregori deixa o Ministério da Justiça no próximo mês reconhecendo que teve pouco êxito no objetivo de melhorar a qualidade da televisão.

O futuro embaixador do Brasil em Portugal, em entrevista exclusiva à Folha, diz acreditar hoje que o melhor caminho para elevar a qualidade da TV talvez não seja o controle à programação, idéia que vinha defendendo desde 1998, quando era secretário nacional dos Direitos Humanos.

O novo ministro, em sua opinião, deveria melhorar a exigência do telespectador, já que ?tudo gira em torno do Ibope?.

Aos 70, Gregori diz que ?fica de cabelo arrepiado? ao ver TV, que os programas estão em uma ?fase escatológica?, em que ?palavrão virou vírgula? e ?tem sempre que aparecer o banheiro?. Seguem os principais trechos da entrevista.

Folha – Antes de ser ministro, o sr. negociou com as TVs a auto-regulamentação da programação. Sem sucesso, já no ministério, assinou a portaria impondo o controle. As TVs barraram a lei na Justiça. Em dezembro, deixa o ministério sem solução para a questão. Ainda acredita em controle à programação?

José Gregori – É difícil. Conversando com as TVs, vi que a concorrência é feroz, e tudo gira em torno do Ibope. Minha luta foi muito isolada. É difícil se contrapor à idéia de que só vê (TV) quem quer. Mas o que ficou foi um pouco mais de preocupação com o horário. A grande liberalidade ficou para depois das 23h.

Folha – O sr. dá por encerrada sua participação nessa discussão?

Gregori – Ainda existe a decisão judicial da portaria, dada como liminar. Mas acho que o novo ministro deveria atacar por outro prisma. O problema já não é mais com as TVs, porque, enquanto estiverem atadas ao Ibope, não podem se modificar. O caminho é saber como criar um tipo de público com mais critério.

Folha – E que caminho o novo ministro deve seguir?

Gregori – Tem que ser uma luta conjugada entre os ministros da Educação e da Cultura. É o que eu pretendia fazer. É tentar injetar o mínimo de exigência à audiência e fazer com que a sociedade se interesse em participar desse esforço. Quando mantive o diálogo pouco frutífero com as TVs, só havia mais um outro grupo interessado, do qual fez parte a prefeita de São Paulo (a ONG TVer, fundada por Marta Suplicy).

Folha – Em outubro de 2000, um mês depois da assinatura da portaria, Elizabeth Sussekind (secretária nacional de Justiça) disse à Folha que o ministério faria um seminário internacional para discutir uma forma de controle à programação. Por que o evento não ocorreu?

Gregori – Está no horizonte. Se eu continuasse aqui, faria uma conversa com profissionais da TV, educadores, psicólogos, pais, um grupo que pudesse imaginar o congresso. Mas acho que a couraça do Ibope é blindada. Um mês atrás estive com o padre Marcelo e perguntei: ?Você, que é uma estrela de TV, que convive com outras grandes estrelas, sabe por que o nível da TV é tão baixo??. E ele reconheceu que o problema é do Ibope. Acho que, no fundo, é um problema de educação…

Folha – Mas o que impediu a realização desse seminário, programado para janeiro de 2001?

Gregori – Primeiro houve a questão da portaria, que foi cassada em dezembro. Em janeiro e fevereiro, tentamos resolver a questão no plano jurídico. Depois, analisando a questão com mais profundidade, percebi que, em vez de ir por aqui, vou por ali. Mas o que é o ali? Estava tentando descobrir.

Folha – Em sua opinião, por que o conselho de comunicação, cuja criação é prevista na Constituição de 88, que poderia auxiliar na questão do conteúdo da programação das TVs, nunca sai do papel?

Gregori – Porque ficou a cargo do Congresso. E não é fácil para um Congresso polirrepresentativo como o nosso ter consenso numa questão como essa.

Folha – Não seria pressão das TVs, para evitar uma possibilidade de interferência na programação?

Gregori – Tem de tudo nesse coquetel. Mas não é só por causa das emissoras. É também pela dificuldade de formatar. Se fosse atribuída ao Executivo, eu teria feito.

Folha – O sr. tem tempo de ver TV?

Gregori – Vejo quase todos os dias canais de notícia e dou uma geral ?profissional? em outros canais para ver se melhorou.

Folha – E melhorou?

Gregori – Não, piorou. Não sei se é porque vejo tarde, mas quase sempre fico com o cabelo arrepiado. Estamos numa fase escatológica, em que as pessoas precisam se referir a certas partes do corpo com o nome mais chulo possível. Por imitação do cinema americano, agora todo programa tem que ter o selo do realismo, de aparecer o banheiro, de preferência a bacia. E palavrão virou vírgula."

 

COLUNA SOCIAL

"Reflexões de uma ex-colunista social", copyright Folha de S. Paulo, 11/11/01

"Quando você assume uma coluna social, a vida muda; aliás, ela muda antes mesmo da estréia, tal a quantidade de flores, telefonemas e telegramas -é, até telegramas- que recebe. Você se sente o má-xi-mo.

Aí, começam os convites: para estréias de shows de rap, balés, lançamento de livros, candidaturas e produtos, concurso de misses, inauguração de exposições, creches, abertura de novos bueiros na cidade, paradas gays, passeatas pela paz, cafés da manhã, almoços, jantares, festas. E isso fora as viagens.

Vamos reconhecer: de deslumbrados todos temos um pouco, e, quando se é convidada a passar um fim de semana em Nova York, Londres ou Paris, grande parte das vezes com direito a levar acompanhante, com tu-do, absolutamente tu-do pago, não dá para resistir; e as duas primeiras você aceita, claro.

Os políticos telefonam, presentes começam a inundar sua sala de trabalho e você se sente a pessoa mais importante do mundo. Que máximo!

Se quiser -tirando luz, água, telefone e condomínio-, nunca mais vai gastar um só centavo para viver. Os restaurantes vão disputar a honra de ter você como convidada permanente, as lojas de grife acharão um privilégio que você desfile com suas roupas e sapatos, e nenhum banheiro será suficientemente grande para alojar os produtos de beleza que vai receber -todos importados, claro. Isso sem falar dos novos amigos de infância que vai fazer, uns 15 por dia.

Mas chega a hora em que, por uma razão qualquer, você começa a pensar em abandonar a vida irreal e voltar a ser uma simples mortal.

Começa a refletir sobre o que vai perder: nunca mais vai ser convidada para a sala VIP do aeroporto, nunca mais vai receber caixas de chocolate, aquele bem caro. Adeus, estréia mundial do show de Madonna em Londres, adeus, mesas para as estréias dos melhores cantores -com direito a ida ao camarim depois-, adeus aos convites para os mais inacreditáveis fins de semana em todas as cidades do Brasil, adeus às pessoas que atravessavam os salões, sôfregas, para ter o prazer de te cumprimentar; adeus, prestígio, adeus, mundo de sonhos.

Mas, pensando bem, existem também vantagens: no próximo aniversário não vai ter mais a casa inundada de flores, como se fosse um velório; suas latas de lixo passarão a ser suficientes para jogar fora as poucas cartas que vai passar a receber -eram umas 40 por dia. E -paraíso dos paraísos-, com o Natal chegando, não vai ganhar 857 presentes de fim de ano, tipo agendas, canetas e calendários, com as logomarcas das empresas.

Seu telefone vai tocar muito menos e, quando for a algum jantar, poderá até conversar, já que não será mais assediada socialmente -o que aliás deveria ser crime previsto no Código Penal. Mas e as viagens, as fantásticas viagens, nunca mais? Não, nunca mais.

Aí, lembra o dia em que, numa ilha da Grécia, percebeu que estava num restaurante rodeada de pessoas com quem jamais tomaria um copo de água na cidade em que mora, e mais: tendo de ser simpática, inteligente e animada -e dançar- até altas madrugadas. Vale viajar assim? Claro que não; como vai ser bom rever Paris por sua própria conta -e livre. Viagens nunca mais e que ótimo: melhor passar os fins de semana trancada no quarto, com a televisão quebrada. Quanto aos chocolates, também é melhor viver sem eles: assim, não engorda.

Vamos admitir: é maravilhoso ser colunista social por uns tempos.

E melhor ainda é não ser mais."