DEPOIMENTO DOS JORNALISTAS
(*)
[O texto a seguir foi dirigido ao redator-chefe Luiz Egypto e, aqui, mantido na sua forma original]
O texto que você me mandou [“A história de uma fraude”] é uma reconstituição capciosa dos fatos. Não retrata a verdadeira evolução dos acontecimentos, não é fiel ao situar a posição de cada um dos personagens e acoberta graves erros cometidos pelos editores Alberto Dines e Luiz Antonio Magalhães. Como produto dessas falhas, a lamentável atitude editorial do Observatório da Imprensa é suavizada. Um pecado mortal se torna pecado venial. Um erro que podia ter sido rapidamente corrigido se houvesse uma linha editorial séria, profissional, competente e ética, e boa-fé, é jogado para as costas largas do computador e da rede virtual.
Não é correta a moral da história porque é completamente manipulada a versão apresentada pelo texto, co-assinado por você e Marinilda, junto com o principal responsável explícito por esse lamentável enredo. Houve má-fé na atitude do editor Luiz Antônio Magalhães na condução da apuração do assunto. Não se trata apenas de negligência, desatenção, cansaço ou desigualdade de meios no embate entre ele e a internet. O editor foi desonesto no trato com as pessoas envolvidas, desrespeitoso em relação ao direito alheio e profissionalmente incompetente, além de eticamente desastroso.
Até o momento em que me manifestei pela primeira vez, já em cima do deadline da edição do dia 15, o editor Luiz Antonio Magalhães teria, em seu benefício, o favor da dúvida. Mas quando lhe declarei, assumindo cabal e rasa responsabilidade por minha afirmativa, que:
1. Não conhecia o presidente da Conservation, Russel Mettermeier, jamais, por isso mesmo, o havendo entrevistado;
2. Não havia proposto e não havia escrito o artigo mandado para o Observatório em meu nome;
3. Meu e-mail, o único, não era o mesmo do fraudador.
O editor devia ter mudado o enfoque da sua “investigação” virtual, efetuada por meio de e-mails e telefonemas (minhas investigações sempre requereram conhecimento do local, conversa diretamente com pessoas etc.).
Ao invés disso, o sr. Luiz Antonio Magalhães continuou raciocinando a partir da premissa de que eu realmente escrevera o artigo e, obviamente, mentia para ocultar a responsabilidade pelo cometimento. Tanto agia assim que, a partir de informação fornecida unilateralmente por um dos envolvidos (Klester Cavalcanti), predisposto contra mim por uma polêmica que travamos, se convenceu (porque queria se convencer de tal) que eu usara mesmo um cibercafé localizado à proximidade de meus endereços, em Belém, para arquitetar o golpe contra três colegas e outras pessoas e instituições.
O grave: o editor do OI, baseando-se em informação de terceiro interessado (predisposto ou, na linguagem técnica do direito, suspeito ou impedido de produzir provas a meu respeito), me mandou duas correspondências contraditando, de forma direta, no ato, minhas afirmativas. À minha declaração, peremptória e indignada, de não-autoria do artigo fraudado, reagiu dizendo que tinha provas de que eu não só escrevera o artigo como me valia de outra pessoa, em um cibercafé, para mandar a mensagem e ocultar sua origem. Em nenhum momento informou que essa “prova” lhe fora passada pelo jornalista Klester Cavalcanti.
Perplexo, recorri a peritos em fraude eletrônica. Um deles, acionado em Brasília por uma amiga de Londres, forneceu um roteiro para o próprio Luiz Antonio Magalhães elucidar a história, clicando em cima do e-mail do fraudador (a cujo original apenas o próprio editor de OI tinha acesso, já que as mensagens eram a ele dirigidas). Mesmo reiterando uma resposta à orientação e à cobrança que fazia, a amiga não teve um retorno do editor. Eu próprio lhe mandei orientação que recebi de outro técnico para revelar o canalha oculto e covarde.
Magalhães também não respondeu às minhas insistentes cobranças sobre as provas. Se as tinha e elas eram conclusivas, e se estava possuído de verdadeiro interesse em esclarecer a fraude, que as enviasse para mim e para todos os envolvidos. E não guardando-as como armas para o bote final de desmascaramento ou seja lá qual tenha sido seu objetivo.
Ao invés disso, comunicou que meu julgamento seria feito nas páginas do OI e eu, na condição de “acusado-acusador”, teria apenas o direito de me defender. Ou seja: uma nulidade absoluta iria me colocar no banco dos réus pelo crime de ter feito o que jamais fiz. Jamais fiz em quase 40 anos de carreira profissional, marcada exatamente por uma imagem oposta (da qual, aliás, pretendia valer o fraudador para dar ares de seriedade ao artigo, escrito num estilo completamente diferente do meu, como qualquer observador poderá verificar).
Percebendo que um fake ou um joke poderiam se transformar numa vilania sem reparação, copiei toda a correspondência com o editor do OI e comecei a enviá-la para jornalistas e ambientalistas responsáveis para que apreciassem a questão e se manifestassem a respeito. A condenação ao comportamento do OI foi geral, unânime. Todas as pessoas que me mandaram mensagens poderão se manifestar diretamente ao Observatório, querendo. Na sua transcrição, você ignora tudo o que produzi a partir do momento em que uma gafe eletrônica parecia se configurar como uma conspiração para a vilania e a presunção da boa-fé se desfazia.
Ainda supondo que o comportamento caviloso fosse produto de um editor isolado do Observatório, e não podendo conversar com você, que estava de férias, procurei contato com Alberto Dines. Ele certamente acabaria com o terrível mal-entendido, não só pelos fatos em si, mas também por conhecer meu trabalho jornalístico, me ter mandado referências a respeito desse trabalho e ter aberto o OI para colaborações e citações minhas, freqüentes, seguidas ou sucedidas por observações suas e de Marinilda (não conheço pessoalmente a ambos), que me reanimavam a prosseguir no meu jornalismo crítico.
Mas as manifestações de Dines vieram como a última peça de uma engrenagem que se encaixa em contextos como os criados por Franz Kafka e George Orwell, mas não em um padrão decente de jornalismo. Além das manifestações por escrito, referendando os atos do editor-assistente, quando procurado por mim, através de telefone, alegando estar sem tempo para me ouvir e nada ter a acrescentar, transferiu irritadamente a responsabilidade para os outros editores e para uma sessão de segunda-feira desse autêntico tribunal especial, ou Gulag, que pretendiam montar sobre o meu cadáver. Mais um case para o currículo de denúncias do OI.
Alberto Dines escreveu este texto e mandou-o para mim através de Magalhães:
“O Observatório cumpriu com o seu dever – investigar a denúncia de fraude jornalística. Os denunciados protestaram e acusaram o alegado denunciador. A matéria foi suspensa e não entrou na edição. Se o e-mail foi fraudado nada temos a ver com isso. Cabe ao lesado tomar todas as providencias mas não podemos nos intimidar com ameaças de censura policial[grifo no original].
Vamos em frente: vamos historiar o fato, reproduzir a denúncia original, as manifestações dos acusados e, obviamente, reproduzir o que denunciador-denunciado (Lúcio Flávio) tem a dizer. Mas este não deve esquecer que os antecedentes o prejudicam. Anteriormente, de boa-fé, este Observatório acolheu acusação assinada por ele e que agora está sendo contestada por um dos acusados no novo episódio.
abs
alberto dines”
O encaminhamento só começou a mudar com o seu retorno ao comando da edição. No entanto, não se pode, na busca de uma solução de honra utilitária, e também de acomodação, reescrever história tão recente (e tão bem documentada, conforme o dossiê que lhe mandei e também encaminhei a pessoas que respeito), desviando do que deve ser o empenho das pessoas de bons propósitos: saber quem montou essa trama e como ela pôde prosperar, apesar de todas as provas e evidências de tratar-se de uma fraude, a ponto de agora poder ser classificada como o mais grave erro do jornalismo eletrônico no Brasil.
Não relevo nem subestimo os atos do editor Luiz Antonio Magalhães. Sua forma de conduzir o assunto foi desastrosa; ainda não posso dizer, como gostaria, que foi desintencional, de boa-fé.
As fontes que consultei garantem ser possível identificar a origem do artigo fraudulento e quem o enviou pela internet. As instruções foram repassadas para Luiz Antonio e para você. Não recebi ainda documentos imprescindíveis para avaliar se o esforço feito nesse sentido é satisfatório:
1. Mensagem na qual Klester Cavalcanti diz que o artigo e as mensagens enviadas ao editor partiram de um cibercafé às proximidades de meus domicílios, em Belém.
2. Mensagem negando tal informação. Nessa “correção”, Klester admite que “havia incorrido num engano lamentável: era impossível determinar onde o e-mail do Yahoo havia sido criado”. Prosseguindo na sua investigação paralela, “descobrira de onde as mensagens do falsário partiram: da cidade de São Paulo”. Mas o editor Luiz Antonio em nenhum momento repassou essa informação crucial, nem a mim nem a qualquer outro dos envolvidos. Bastaria tê-la divulgado para encerrar o episódio de vez, já que eu estava e sempre estive em Belém nesse período. Por que escondeu esse fato? Talvez baste formular a questão para respondê-la.
3. Consultas feitas ao Yahoo.
4. Procedimentos de checagem, incluindo os que foram passados por J. Mallas.
Se o Observatório sustenta ter esgotado as providências para a elucidação dessa trama, reservo-me o direito de recorrer a perícia policial, através de pedido de inquérito junto à Polícia Federal, paralelamente a medidas judiciais aplicáveis ao caso.
Voltando ao princípio desta trama kafkeana, NUNCA ESCREVI O ARTIGO A MIM ATRIBUÍDO. Mas quero que o autor dessa coisa seja identificado e pague por seu ato iníquo, conforme a norma legal. E que um jornalismo de falsa investigação e escândalo fácil seja desmascarado. Não está mais em causa apenas a minha pessoa ou uma revista eletrônica, mas princípios elementares de direito, violados por esta história mal-contada na matéria que o Observatório pretende publicar, omitindo e manipulando fatos. E consagrando um tipo de jornalismo que mal consegue tingir sua cor verdadeira: marrom. (L.F.P.)
(*) Editor do Jornal Pessoal / Agenda Amazônica (Belém, PA)
A julgar pela irritação do jornalista Lúcio Flávio Pinto, fica-se com a impressão de que o Observatório publicou uma acusação contra a sua pessoa, o que jamais ocorreu. Ao contrário, evitamos que seu nome fosse envolvido em uma fraude. O jornalista paraense não gostou da forma como agimos para apurar os fatos na semana passada, mas não se dá conta de que esta apuração evitou também que ele passasse por suspeito de ter cometido a quase-fraude que agora relatamos.
Lúcio Flávio tem o direito de achar que eu agi de má-fé, ou desastradamente. Cada um acha o que melhor lhe convém. Durante todo o processo de apuração, coube a mim agir, em nome da equipe do OI, na comunicação com os jornalistas envolvidos no episódio. Em maior ou menor grau, todos se irritaram comigo e com o OI. É natural: ninguém gosta de ser considerado suspeito.
Na investigação do caso, porém, tivemos que examinar todas as hipóteses, inclusive a de que Lúcio Flávio Pinto tivesse forjado um e-mail falso para enviar o artigo, talvez para atingir Klester Cavalcanti, com quem já travara recente polêmica e acusara de ter forjado um seqüestro. Esta suposição fazia sentido quando recebemos a informação de que o e-mail falso havia sido criado em Belém. Pelo relato do caso, o leitor percebe que o falso Lúcio Flávio enviou uma mensagem afirmando que havia recebido a informação de que a assessora da Conservation International negaria a entrevista com Russel Mittermeier. Este e-mail chegou logo após a conversa entre Lúcio Flávio Pinto e a assessora, outro indício que levantava suspeitas contra ele.
Assegurei a Lúcio que enviaria todo o nosso material sobre o caso tão logo preparássemos o dossiê. Ele teria tempo para examinar TODA a documentação que o Observatório produziria, como de fato ocorreu, ANTES da publicação da matéria. Isto é falta de ética, comportamento desastrado ou má-fé? Lúcio Flávio cai em contradição: diz que não comunicamos as razões das suspeitas, mas de fato o fizemos e ele se aproveita da nossa boa-fé, da transparência de nossa conduta, para agora tentar nos aviltar ? especialmente a Dines e a mim.
Uma das tarefas que me coube foi comunicar a Lúcio Flávio sobre as nossas suspeitas. Ele então reagiu com indignação e passou, de forma agressiva, a tentar dirigir nossa apuração. Chegou a ameaçar ir à Justiça contra o OI para impedir a publicação daquilo que NÃO iríamos publicar, no que foi pronta e vigorosamente rechaçado por Dines.
A irritação de Lúcio Flávio Pinto é compreensível, mas a carta que escreveu acima é fruto de um estado de espírito alterado. Pode ser entendida também com uma tentativa de se aproveitar, pela segunda vez, da transparência deste Observatório para se apresentar como paladino da ética e se passar por vítima de uma acusação que o OI não lhe fez.
Fico a me perguntar se ocorreu a Lúcio Fláaacute;vio Pinto, quando publicou a denúncia que deu origem à polêmica com Klester Cavalcanti, mandar aquele artigo para que o seu colega pudesse ter conhecimento antecipado das acusações ali contidas. Até onde pude apurar, ele não tomou nenhum dos cuidados que nós tomamos na investigação do lamentável episódio da semana passada. Se este Observatório errou ? ninguém é infalível ? foi por ter publicado, em novembro do ano passado, um artigo seu sem abrir espaço para a defesa de Klester.
Lúcio Flávio Pinto deveria estar grato pelos nossos esforços em desvendar uma fraude que envolveu o seu nome, mas comporta-se como quem cospe no prato que comeu. Ficou melindrado porque por um momento o consideramos ? em troca de e-mails particulares apenas, jamais publicamente ? suspeito de ser o autor da fraude.
Da minha parte, estou com o consciência tranqüila de ter feito o que precisava ser feito. Evitei a publicação da matéria, conversei com todos os envolvidos, apurei o que estava no meu alcance e briguei pela decisão do Observatório de dar conhecimento aos leitores de toda a história da quase-fraude, inclusive abrindo ao público os nossos procedimentos na apuração do caso ? especialmente os meus, como fazemos agora. E estou também estarrecido por me ver acusado de aético, incompetente, desastrado e desonesto.
Pergunto-me o que faria o jornalista Lúcio Flávio Pinto no meu lugar, se teria tomado os cuidados que tomei. O benefício da dúvida e a presunção da inocência me fazem supor que ele também ouviria o outro lado, buscaria incessantemente a verdade e examinaria a questão de todas as óticas possíveis, ainda que isso pudesse ferir certas suscetibilidades. A carta que ele escreveu acima infelizmente não me autoriza a pensar assim. Uma pena. (L.A.M.)