Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Lei da mordaça para médicos

RESOLUÇÃO DO CFM

Celio Levyman (*)

Essa me pegou de surpresa, mesmo tendo sido conselheiro do CRM e sempre procurando manter-me atualizado sobre resoluções novas e coisas parecidas. O jornalista Mauricio Tuffani publicou matéria na Folha de S.Paulo do dia 29 de setembro [ver remissão abaixo], alertando sobre nova resolução do Conselho Federal de Medicina, a de número 1.701/2003, que estabelece que um médico, ao dar entrevista a um repórter, deve exigir que a matéria lhe seja apresentada antes da publicação, e remetida ao CRM do estado. No dia seguinte, a Folha prosseguiu no assunto, ouvindo juristas e médicos sobre a questão, em reportagem de Roberto Cosso: Ives Gandra Martins, Manoel Affonso Ferreira, Vidal Serrano, Ernesto Lippmann e até eu mesmo. Todos consideraram a medida inconstitucional, que extrapola os limites da ação legal de regulamentação profissional do CFM. O presidente do CFM, ouvido na primeira entrevista, defendeu a resolução. No dia 1? de outubro o CFM publicou em seu portal na internet a defesa da resolução, que considera educativa, e não repressiva. Tudo isso me surpreendeu também, pois julgo que a atual gestão do CFM é formada por colegas competentes e bem-intencionados.

Lendo a resolução por inteiro, ela tem caráter interessante e positivo: várias leis e resoluções esparsas sobre publicidade médica foram consolidadas neste documento, tornando mais fácil coibir propaganda enganosa, atos antiéticos de profissionais médicos na imprensa e na internet. Quanto a isso, nada a criticar.

O mistério é: por que foi criado um artigo, o de número 7, que cria a exigência de revisão prévia? Uma forma de censura prévia, não há dúvida alguma. Os especialistas em direito ouvidos pela Folha foram unânimes em declarar a medida inconstitucional e passível de mandato de segurança, se usada contra alguém. Mas chega a ser até infantil e inócua, pois há situações em que esse tipo de solicitação ? uma afronta ao profissional de imprensa ? nem pode ser cogitado: por exemplo, uma entrevista coletiva ou a participação de um médico em programa ao vivo de TV ou rádio. Como fica então?

Ninguém sai ganhando

O artigo 45 do Código de Ética Médica obriga a todos os médicos a acatar as resoluções do CFM e dos CRMs, senão incorrerão em infração, ou seja, em processos disciplinares. Por via das dúvidas vai se retrair a maioria dos médicos que vem a público por solicitaç&atiatilde;o da imprensa, dando informações úteis e até mesmo obrigatórias, pois faz parte da atividade médica a divulgação de assuntos da área, evidentemente de forma ética e sem caracterizar concorrência desleal. E a categoria, que costuma ser acusada de corporativismo e elitismo, estará dando mais uma contribuição a essa visão, por força de sua própria entidade de classe. Os médicos que usam e abusam da mídia para se promover de forma a ferir a ética sempre o fizeram, e encontrarão fórmulas para continuar a fazê-lo, sem constrangimentos.

Há outra questão interessante: freqüentemente os integrantes dos CRMs e do próprio CFM dão entrevistas ? deverão eles também seguir essa norma ou, como guardiões da ética, do alto de sua sapiência deontológica, poderão dizer o que quiserem, pois estarão acima da própria resolução que criaram?

É uma nova modalidade de lei da mordaça, agora para médicos. Constatados seus vícios legais e práticos, só vejo como alternativa o CFM eliminar o polêmico sétimo artigo. Caso contrário a categoria médica tenderá a se proteger, e o público será privado de informações relevantes na área da saúde ? em outras palavras, ninguém sairá ganhando com isso.

(*) Médico, ex-conselheiro e ex-diretor do Departamento Jurídico do Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo

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