DISTINÇÕES
Victor Gentilli
O professor Muniz Sodré, em participação no Observatório da Imprensa na TV, relembrou uma distinção que poucos conhecem, aquela entre ética e deontologia. No Brasil, a Academia cuidou ornamentalmente da questão no período entre 1978 e 1984. É que o currículo mínimo criado pelo velho Conselho Federal de Educação para os cursos de Comunicação, em 1978, estabelecia como obrigatória uma disciplina de deontologia da Comunicação Jornalística, com uma ementa enxuta, precisa e correta: "Análise do comportamento social do jornalista e suas responsabilidades nas manipulações dos fatos noticiáveis. Estudo dos códigos de ética jornalística". Neste mesmo currículo mínimo, uma outra disciplina cuidava de Legislação da Comunicação Jornalística.
Com a reforma curricular de 1984, que morreu com a promulgação na nova LDB, mas que ainda vigora em boa parte dos cursos, as duas disciplinas fundiram-se e o termo deontologia sumiu do vocabulário corrente nas faculdades e universidades.
A resolução 02/84 tornava obrigatória uma disciplina de Legislação e ética em Jornalismo. Desconheço os motivos que levaram à fusão entre essas duas áreas de conhecimento tão distintas. Igualmente desconheço os motivos pelos quais a deontologia foi "trocada" pela ética.
Curioso: o interesse pela ética só fez crescer dos anos 80 para cá. Foi com o fim da ditadura que a sociedade começou a se interessar pelos grandes problemas éticos. No período entre 1978 e 1984, fazia pouca diferença ensinar deontologia ou ética para os jornalistas.
O tema da ética cresceu e ganhou importância. É hoje, por exemplo, o único assunto obrigatório entre as perguntas do Provão de Jornalismo. Mas o descaso com que as escolas tratam a questão dá a impressão que o assunto é irrelevante na formação profissional dos jornalistas.
De 1984 até agora, advogados e bacharéis em Direito descumpriam a lei, creio que certamente de forma involuntária. Ora, se a regulamentação profissional diz que o ensino de jornalismo é privativo de jornalistas, como é que advogados ministravam Legislação e ética em Jornalismo, disciplina privativa de jornalistas pela legislação profissional?
De todo modo, essa era ? e ainda tem sido ? a saída encontrada por muitos cursos. Mas foi somente quando o MEC realizou a Avaliação das Condições de Oferta dos cursos de Jornalismo que os avaliadores observaram a ilegalidade. Observar uma ilegalidade não significa concordar com ela. Muitos compreendiam que, de fato, é difícil encontrar jornalistas que dominam questões legais. Estas, pelo menos os bacharéis em Direito dominam. Que ministrem, então, a disciplina.
O Código de ética do jornalista foi produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas neste período. Apesar do nome, o documento, no rigor da língua, criava normas deontológicas para os profissionais. Mas para que reavivar este palavrão quando ética soa tão mais sonoro? Afinal, não precisamos de tanta precisão terminológica. ..
O problema de agora
É verdade que as novas diretrizes curriculares ainda não estão em vigor; foram aprovadas silenciosamente pelo Conselho Nacional de Educação no início de abril deste ano, mas ainda não foram homologadas pelo ministro Paulo Renato. De todo modo, todos trabalham com a compreensão de que é preciso aperfeiçoar os currículos.
Agora o problema se agrava. Apesar da enorme demanda pelo debate ético e deontológico das práticas jornalísticas, o que se percebe, nos novos projetos curriculares, é que a disciplina ? sob o suposto manto do combate ao tecnicismo ? tornou-se ética da Comunicação ou Legislação e ética da Comunicação.
Dispensável dizer que cada profissão do campo da Comunicação tem normas, regulamentos e textos legais diferenciados, apesar de uma matriz comum. Uma disciplina de legislação em Comunicação, que cuidasse da regulamentação profissional de RP e de jornalistas, da Lei de Imprensa e da regulamentação da atividade publicitáaacute;ria, necessitaria de uma carga horária muito superior àquela aplicada pelos cursos.
Quanto à ética, citar Cláudio Abramo para
dizer que a ética do jornalista é a mesma do marceneiro
e, portanto, a mesma do cidadão, é desconhecer ou
ignorar que a Publicidade e as Relações Públicas
? ao contrário do jornalismo ? , se incorporam à ética
do cidadão, contam com deontologias diferentes. A ética
do cidadão certamente é a mesma para todos. Há
publicitários e RPs éticos? Com certeza. Certamente
na mesma proporção que temos jornalistas éticos.
Mas cada profissão conta com uma deontologia própria,
voltada para as funções e/ou os papéis profissionais.
O fato incontestável é aquele demarcado claramente no famoso diálogo do filme O Informante.
"Trabalhamos na mesma empresa, mas temos profissões diferentes."