VIOLÊNCIA NA TV
"Os brucutus tomam o lugar das loirinhas", copyright Folha de S. Paulo, 30/6/02
"O brasileiro sente-se acuado. É viver em um país onde os seqüestros são corriqueiros, o crime organizado usa artilharia pesada para intimidar prefeitos e mantém 20 locais públicos para torturar, matar e queimar desafetos, como mapeou o Jornal Nacional esta semana.
O País que passa pela TV é um pesadelo que assusta e atrai o público ao mesmo tempo. Ouvir conversas em que presidiários tratam de negócios com os amigos de fora – compra de celulares, armas e mísseis, por exemplo – atiça a curiosidade e também a sensação de impotência. Quem sai (ou fica) tranqüilo de casa hoje? Quem dirige com segurança nos grandes centros urbanos?
Esse quadro, tão perverso que faz o presidente deixar o Palácio do Planalto para colecionar cápsulas deflagradas no Rio de Janeiro, promove um movimento bem peculiar no mercado das emissoras de TV.
Houve uma época em que o objeto da disputa entre os canais eram mocinhas de ares angelicais vestidas de baliza: Xuxa, Angélica, Eliana, Mara Maravilha, etc. Recentemente, a briga era pelo passe de senhoras desenvoltas no papo e no merchandising: Hebe, Ana Maria Braga, Claudete Troiano, Yone Cirilo, etc.
Hoje, o que movimenta os lances no tabuleiro da concorrência na TV são marmanjões truculentos, que conseguem a adesão popular à custa de discursos justiceiros (absolutamente previsíveis no tom e no conteúdo) e chuvarada de perdigotos ao comentar crimes hediondos ou banais.
Essa constelação dos novos tempos perigosos é liderada pelo gorducho José Luiz Datena que, tal qual um ioiô, sai e entra da Record arrastando consigo uma audiência que o compra como seu porta-voz. Datena, agora de volta ao Cidade Alerta mais indignado com a situação do País, com os ?políticos? e com a injustiça social (que ?prende filho de marceneiro pobre? e que ?é capaz de deixar livres garotos de classe média?), tem companheiros da mesma estatura.
Também posam de ?justiceiros? Marcelo Rezende, que substitui Datena na Rede TV! como Repórter Cidadão e já combateu a criminalidade no Linha Direta, da Globo. Roberto Cabrini, no Brasil Urgente! da Bandeirantes, além de Ney Gonçalves Dias que, toda vez que Datena muda, fica desempregado.
De maneira geral, os noticiários reservam boa parte do tempo para a violência urbana. O tom é parecido com o utilizado pelos telejusticeiros.
Mas, mesmo alarmistas, a condução das reportagens parece ter o objetivo de apontar soluções para os problemas que retratam. Organizar o mapa do extermínio (os microondas) nos morros cariocas, como fez o JN, é efetivamente prestar uma contribuição à desorientada inteligência policial do Rio.
Agora, ficar remexendo o caso do seminarista acusado de abusar de crianças dentro de uma igreja – forçando menores, encapuzados, a contar detalhes no microfone – serve para quê? E o palavrório usado para ganhar a cumplicidade do telespectador – ?E se fosse com seu filho ou sua filha, o que você faria?? – leva a que lugar?
Como estamos em uma época de perversidades – é perverso mesmo sermos obrigados a ter cuidado em todo momento e em todos os lugares -, os astros mais bem pagos da TV mudaram completamente.
No lugar das carinhas singelas, mensagens em defesa da natureza e dos animais, brincadeiras debilóides, porém, inocentes, entraram os brucutus.
Homens de ternos mal cortados, donos de um mau humor de assustar crianças grandes e de uma retórica que, apesar de vazia, movimenta cifras milionárias e a gangorra do ibope."
ENTREVISTA / CLÁUDIO PAIVA
"O chefe da ?Grande Família?", copyright Folha de S. Paulo, 30/6/02
"Cláudio Paiva, 44, foi cartunista do antigo ?Pasquim?, jornal de oposição ao governo militar nos anos 70, participou da revista humorística ?Planeta Diário?, e, na TV, foi redator-chefe do ?TV Pirata?, que inovou os humorísticos. Hoje, depois de seis anos no ?Sai de Baixo?, comanda a equipe de roteiristas de ?A Grande Família?, que recentemente mudou de horário e vem aumentando seu ibope. Ele falou ao TV Folha
A nova montagem de ?A Grande Família? seguiu o original dos anos 70?
No começo, a gente aproveitou alguns episódios. Pegamos todos os originais do Vianinha [Oduvaldo Viana Filho, dramaturgo que criou o seriado?, selecionamos os melhores e adaptamos para os dias atuais. Mas, mesmo trabalhando com liberdade na adaptação, ainda sentíamos um certo peso da época. O tempo era outro, e o ritmo da televisão também, tudo era mais lento.
?A Grande Família? tem alguma fórmula que desperta a empatia do público?
A gente trabalha numa rotação muito próxima à do público. São sempre histórias cotidianas, fáceis de assimilar. Não tem nenhum grande herói ali, são pessoas normais, tentando sobreviver e enfrentar as dificuldades debaixo do mesmo teto. Na versão atual, temos também outra coisa que é essa idéia de flertar com o público da novela. Queremos roubar um pouco desses espectadores. Os melhores ibopes são nos episódios em que a gente deixa um pouco a comédia e adota uma linha sentimental.
Como está a audiência?
?A Grande Família? hoje tem uma característica própria, que é a audiência fixa até o final. Os programas geralmente têm perdas, o que é natural, mas, quando a gente começa, por exemplo, com uma média de 24 pontos, vamos com 24 até o final. Quer dizer que o público é cativo, e também que estamos conduzindo bem a história. Tivemos um teste maravilhoso em janeiro, quando entramos logo depois da novela. Foram três programas e, no terceiro, batemos 38 pontos.
O que você acha do Big Brother?
Eles nunca vão dizer oficialmente, mas a emissora, na verdade, não tem orgulho desses ?reality shows?. A Globo tem uma cara e uma linguagem próprias. Hoje em dia, diante da possibilidade de as grandes empresas de mídia invadirem o Brasil, a Globo, que ironicamente já foi uma grande inimiga da inteligência brasileira, é defendida pelos artistas. Porque eles percebem que é uma das poucas emissoras que criaram um núcleo de dramaturgia, desenvolveram técnicas de autores, atores, e diretores. Esses produtos, tipo ?Big Brother?, a emissora faz para a concorrência não fazer.
Mas atrasa a entrada do seu programa…
Eu reclamo muito, mas acho que o problema vem de antes. Com a popularização da televisão, desde que o Ratinho começou a dar ibope, e era um terror para a Globo, a emissora passou a espichar as novelas. A minha queixa é que o Ratinho caiu, porque era fogo de palha mesmo, e a Globo continua sacrificando toda essa faixa da programação.
Como foi a experiência do ?TV Pirata??
Aquele programa foi um momento único, porque a gente agrupou uma geração de criadores muito boa. Pessoas que já estavam fazendo o humor da época, mas que partiam de várias correntes. Gente da televisão, outros de revista como o ?Planeta Diário?, que foi de onde eu saí, o ?Casseta Popular?, além dos principais ícones do teatro besteirol.
Por que ele saiu do ar?
Acho que é uma característica dessa atual geração que está fazendo televisão. Nós fomos alternativos, já não somos mais, agora nós somos a televisão. Essa turma tem uma certa ansiedade de fazer coisas novas.
Como foi para você, que veio da mídia impressa, se adaptar à TV?
A televisão é muito estressante, você tem que ter fôlego. Seu trabalho é julgado a cada programa. Se deu certo numa semana, você é um herói, se não, você é um cachorro [risos]. Hoje, os produtores já perguntam se ?A Grande Família? vai ter fôlego para o ano que vem.
E realmente vai ter fôlego?
Acho que sim. O fôlego na verdade vai depender muito do entusiasmo da equipe, dos atores, autores, e da direção."
ENTREVISTA / FÁTIMA BERNARDES
"Fátima vem acordando às 5h30 para entrar no ?JN?", copyright O Estado de S. Paulo, 30/6/02
"Com tantos homens proferindo análises sobre cada lance executado dentro e fora dos campos nesta Copa do Mundo, foi de uma mulher que a gente passou a esperar os melhores comentários. E não é que Fátima Bernardes entende de futebol? E, se não entendesse, o público acreditaria nela do mesmo jeito, tamanha é sua segurança em dizer o que diz.
Fátima foge do tom de locução que normalmente contagia os profissionais habituados ao teleprompter – aparelho que, acoplado à câmera, permite que o apresentador leia seus textos sem desviar os olhos da tela. Mãe dos trigêmeos Vinícius, Laura e Beatriz, filhos de seu marido e parceiro de Jornal Nacional, William Bonner, ela conversou com o Estado via e-mail, diretamente do Japão.
Estado – De onde vem tamanho conhecimento sobre futebol?
Fátima Bernardes – Na verdade, não me sinto com a responsabilidade de comentar nada – isso, o Galvão, o Falcão, o Casagrande e o Arnaldo (César Coelho) fazem com muita propriedade. Eu me sinto mais uma palpiteira. Adoro futebol como a grande maioria dos brasileiros, e, também como a grande maioria, tenho sempre uma opinião sobre o jogo. Talvez, por ser a única mulher, tenha uma visão um pouco diferente do jogo. O melhor é que adoro fazer o Bate-bola e me divirto muito. Desde criança, eu via os jogos com o meu pai e acompanhava as opiniões dele.
Estado- Você acompanha campeonatos no Brasil?
Fátima – Costumo acompanhar, sim. Adoro ler o notíciário de esportes. Sempre que estou na internet, leio os destaques sobre futebol e outros esportes. Mas sempre fui uma negação na prática de qualquer um deles.
Estado – Sua segurança fora do estúdio é surpreendente. Não há teleprompter para ajudá-la nas externas?
Fátima – Essa é uma ótima oportunidade pra lembrar que eu comecei como repórter, antes de ser apresentadora. Quando você participa da elaboração do jornal, acompanha o dia-a-dia da seleção (eu vou a todos os treinos, todos os jogos, passo o dia no hotel onde estão os jogadores, conversando com comissão técnica e com os atletas) e sabe do que está falando, não tem por que ficar tensa. O teleprompter existe em alguns momentos, mas as entrevistas e muitas cabeças (textos) são improvisadas. Pela manhã, sempre apuro alguma informação fresquinha para o Jornal Nacional, que começa às 8h15 da manhã daqui. Mas, em alguns momentos, é tudo no improviso. Fizemos dois blocos de um JN da porta do ônibus da seleção, quando eles deixaram Shizuoka com destino a Saitama. Esses são os melhores. Você sabe que tem de chamar uma reportagem sobre o jogo, mas aí passa um jogador do seu lado, você entrevista e volta para o roteiro. Eu a-do-ro trabalhar assim.
Estado – É verdade que você vem dando autógrafos nas ruas?
Fátima – Estou realmente impressionada com o assédio aqui no Japão. São muitos brasileiros e eles assistem à Globo Internacional. Mesmo os que saíram do Brasil há anos e não voltaram continuam me vendo e a televisão ajuda mesmo a criar essa intimidade entre o jornalista e o público. Eles ficam muito felizes, são gentis, pedem autógrafos, fazem muitas fotos, trazem presentes, cartões… Essa Copa está sendo um momento muito especial para eles, de sentir o Brasil mais perto.
Estado – Você conseguiu se acostumar à rotina de dizer boa noite (para o Brasil) em plena luz do dia?
Fátima – A maior dificuldade é que você trabalha nos dois fusos, o do Brasil e do Japão. Acordo às 5h30, gasto 45 minutos com banho, cabelo e maquiagem, que eu mesma faço. Às 6h30 da manhã, já estou na redação, acertando os últimos detalhes. Faço o jornal, que termina às 9h, 9h15. Parto então para a gravação de uma reportagem. Em dias de jogo, faço flashes na entrada do estádio, assisto à partida. Termino meu VT sobre o jogo, participo do Bate-bola do Galvão, às 22h30. Termino o programa à meia-noite. Vou para o hotel dormir porque às 5h30 já tenho de acordar para o JN novamente.
Estado – Como são indicadas suas entradas no jornal? Você tem acesso a todo o texto do ?JN??
Fátima – Sim, tenho acesso a tudo que está entrando no JN. Pela manhã (aqui no Japão), bem cedinho, vejo o assunto que o William Bonner escolheu para começar o jornal. Decidimos como ele vai me chamar e aí preparo uma abertura. Como essa é a ?Copa caramujo? – porque a gente vive carregando a mala nas costas e mudando de cidade a cada jogo – tento sempre localizar o público sobre o lugar de onde estou falando. A nossa permanência constante no hotel dos jogadores também sempre acaba rendendo alguma nota interessante, algum caso que posso dividir com os telespectadores.
Estado – A gente aqui costuma brincar que, a qualquer momento, você e o Bonner vão trocar no ar algum diálogo pessoal, do tipo ?e as crianças, como estão?? Há essa tentação?
Fátima – Certamente, a hora do jornal não é o momento para isso, embora eu receba muitos e-mails do público sugerindo uma conversa nossa diante das câmeras – o que não faz sentido.
Estado – Com que freqüência você conversa com marido e filhos? As crianças não cobram um beijo seu no ar?
Fátima – Falo diariamente com o William e as crianças. Elas estão fazendo um cartaz com a contagem regressiva para a minha volta. Foi idéia do William. Cada dia um bota uma bolinha colorida em um dos dias. Eles estão muito felizes porque estão vendo que está faltando muito pouquinho para eu voltar. Quanto ao beijo, eles não pedem, não. As crianças dormem cedo e nem sempre me vêem no jornal.
Estado – Você tem algum palpite para a final?
Fátima – Adorei a Alemanha na final com o Brasil. Será a primeira vez na história dos mundiais que esses dois países vão se enfrentar em uma decisão. Será um belo desfecho para esse mundial, que teve tantas surpresas. Na final de 94, sofri muito no estádio até o fim da batida dos pênaltis para comemorar. Foi muito tenso. Adoraria um placar de 2 a 0. Seria lindo!"