Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Leila Reis

TV MALTRATA POBRES

“Pobre também merece respeito”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/12/2002

“Esta semana os alunos do Colégio Equipe, uma escola de classe média paulistana, lançaram um manifesto contra o modo como a TV retrata a periferia e seus moradores. Para chegar a essa ação, os alunos foram a campo – ao Capão Redondo, Jardim Ângela, Jardim São Luís e Heliópolis, ou seja, às aglomerações-emblema da violência na capital de São Paulo – para escutar a população e ver de perto o seu cotidiano.

Constataram que nesses bolsões de pobreza há solidariedade, união, iniciativas cidadãs e manifestações culturais. Constataram também o desconforto desses brasileiros com o modo como a TV os retrata: como artífices da violência e do medo que ameaça o sono da sociedade.

Esse status quo foi o gerador do manifesto que, em sua conclusão, defende a criação de um Centro de Defesa do Telespectador que deveria funcionar como um órgão regulador da programação em favor de todos os brasileiros.

Ousada a proposta dos meninos do Equipe, pois há décadas o responsável pelas concessões de TV – o governo federal – ensaia esporadicamente regulamentar a programação sem, contudo, tomar qualquer providência efetiva. Dessa maneira, a TV brasileira continua sendo regulada pelo mercado. Traduzindo: vinga o que dá certo em termos de audiência porque há sempre quem pague a conta por estar interessado naquela fatia de público.

A insatisfação dos moradores da periferia com sua imagem no vídeo faz todo sentido. Pobre sempre teve papéis absolutamente marcados na TV: como a massa alegre dos auditórios, como personagens principais de programas que fingem resolver problemas sociais para construir um show de horror, que inevitavelmente o expõe a situações humilhantes. E, o que está em alta na temporada, como um ser perverso e sem escrúpulo nas reportagens ditas policiais.

Esses cidadãos – responsáveis pela fatia maior da audiência, pois são privados de outras alternativas de lazer e informação – são reféns de uma programação desrespeitosa, de mau gosto e utilitarista. Os bons são usados como alvo de piedade. Aqueles que são pinçados na favela – geralmente por meio de uma carta e uma história triste – estrelam os shows em que a caridade é manifestada por meio de presentes discutíveis (os oferecidos pelos patrocinadores).

Os maus são forçados a dar entrevistas nos corredores de delegacias e repetir o passo-a-passo de seu crime. Ou são usados nas simulações de tragédias que, a pretexto de ajudar fazer-se a lei, auxiliam programas a garantir o seu ibope.

Como sempre acontece com tudo que ultrapassa os limites, em algum momento surge uma reação. A representação dos desfavorecidos pela TV – em quase todos os canais abertos – ficou tão feia que alguns alarmes começam a disparar. Dentro da própria programação surgem iniciativas – como a mal executada, mas bem-intencionada Turma do Gueto, da Record – que ensaiam contar uma nova versão da história que carimba os pobres como seres de segunda categoria.

E iniciativas da chamada sociedade civil – como a dos alunos do Equipe – que tentam reverter esse desmando da programação. Falta apenas a instância que tem o poder de mudar a relação com a TV perceber esses sinais e responder com ações que façam diferença para o telespectador que merece respeito e programas de qualidade.”

 

INTERNET

“A internet está ameaçada”, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 7/12/2002

“Metáforas ruins retratam políticas ruins. Todo mundo fala da ?supervia da informação?. Mas em termos econômicos, a rede de telecomunicações não lembra uma supervia, mas a indústria de ferrovias da época dos capitalistas do final do século 19, que enriqueceram ilicitamente – ou seja, antes de eles enfrentarem a efetiva concorrência do transporte de mercadorias por caminhões. Eles tinham muita força de mercado, e freqüentemente abusavam dela.

Mas as pessoas que hoje discutem o futuro da internet – principalmente Michael Powell, presidente do Comitê Federal de Comunicações (FCC) – parecem desconhecer essa história. Elas estão cheias de entusiasmo pelas maravilhas da desregulamentação, desprezando as preocupações sobre a força de mercado. Enquanto isso, os capitalistas de amanhã que enriqueceram ilicitamente vão fortificando os seus castelos.

Até recentemente, a internet parecia a própria materialização do ideal do livre mercado – um lugar em que milhares de provedores de serviços competiam, em que qualquer pessoa podia visitar qualquer site. E o setor de alta tecnologia era um campo fértil para a ideologia libertária, com muitos técnicos da área garantindo que não precisavam nem da ajuda governamental nem da regulamentação.

Mas o mundo aberto e competitivo da interrnet por discagem dependia da regulamentação governamental que tantos entusiastas da Internet desaprovavam. O serviço local de telefonia é um monopólio natural e, num mundo desregulamentado, os monopólios de telefonia local provavelmente insistiriam para que você usasse o serviço por discagem. O motivo pelo qual você pode escolher é que esses serviços são obrigados a agir como companhias operadoras de longa distância, permitindo que provedores independentes usem as suas linhas.

Há alguns anos, todos esperavam que a mesma história ocorresse na banda larga. O Decreto de Telecomunicações de 1996 teoricamente criaria uma indústria de banda larga altamente competitiva. Mas deu errado. A prometida concorrência jamais se concretizou. Por exemplo, eu não tenho possibilidade de escolha. Se eu quiser usar a banda larga, o serviço de internet fornecido pela minha empresa local a cabo é o próprio serviço. Estou na mesma situação do fazendeiro do século 19 que precisava transportar seus cereais pela ferrovia Union Pacific, sem possibilidade de escolha. Se eu vivesse perto de uma central de telefonia eu poderia ter algumas alternativas. Mas só em alguns poucos pontos dos Estados Unidos há uma efetiva concorrência na banda larga. E provavelmente é assim que as coisas vão ficar. A vontade política de estabelecer o Decreto de Telecomunicações de 1996, de criar na banda larga uma espécie de ambiente livre que muitos usuários da internet ainda consideram intocado, evaporou-se.

Em março, o FCC recorreu a truques lingüísticos – ao definir o acesso à internet a cabo como um ?serviço informativo?, em vez de um segmento das telecomunicações – para isentar as empresas de comunicações a cabo da exigência de agirem como operadoras de longa distância comuns. O FCC provavelmente tomará uma decisão semelhante quanto ao serviço DSL, provedor da internet, que opera usando linhas pertencentes a companhias telefônicas locais.

O resultado será um sistema em que a maioria das famílias e empresas não terá mais alternativas para atingir o espaço cibernético do que tinha o fazendeiro do século 19 para transportar seus cereais. Havia e há alternativas. Nós poderíamos ter restabelecido a concorrência dividindo a indústria da banda larga, restringindo as companhias telefônicas locais e as empresas de serviços a cabo à atividade de vender espaço em suas linhas a provedores de internet independentes. Ou poderíamos ter ficado com uma concorrência limitada regulamentando os provedores de internet do mesmo modo que regulamentamos a empresa de telecomunicações AT&T. Mas neste momento nós parecemos estar caminhando para um sistema sem concorrência efetiva nem regulamentação.

Pior ainda, o FCC vem firmemente eliminando as restrições sobre a propriedade cruzada na mídia e nas empresas de comunicações. O dia em que um simples conglomerado puder possuir o jornal da sua cidade, vários canais locais de TV, a sua companhia de serviços a cabo e a sua companhia telefônica – e oferecer o seu único acesso à internet – pode não estar tão longe.

O resultado de tudo isso provavelmente será a cobrança de exorbitantes taxas de adesão, mas esse seria o problema menor. Os provedores de banda larga que não enfrentam uma concorrência efetiva nem a regulamentação podem muito bem dificultar o acesso aos usuários a sites situados foram de seu domínio – acabando com a internet como a conhecemos hoje. E há também uma dimensão política. O que acontece quando uns poucos conglomerados da mídia controlam não apenas o que você pode ver, mas o que você pode baixar no computador?

Ainda há tempo para repensarmos a questão. Muitos congressistas, dos dois partidos, desconfiam do rumo adotado por Michael Powell. Mas o tempo está correndo. (Paul Krugman é professor da Universidade de Princeton)”

“Usuários da rede pagam a conta do spam”, copyright Folha de S. Paulo, 3/12/2002

“Imagine dois exemplos de abusos que você pode sofrer. Uma empresa empanturra de impressos a sua caixa de correio e obriga você a pagar pelo selo postal. Uma outra telefona para sua casa e oferece produtos e serviços e faz a ligação a cobrar.

Essa forma de comportamento abusivo existe de verdade no mundo eletrônico. Chama-se spam, nome dos e-mails com mensagens publicitárias que o assinante de um provedor de internet recebe sem ter solicitado.

Pode-se achar de tudo nas mensagens. Oferta de produtos de informática, pornografia e prostituição, cassinos virtuais, implante de dentes ou medicamentos contra frigidez ou impotência.

Detalhe: as grandes marcas -montadoras de automóveis, cervejarias, bancos e corretoras de seguros e títulos- não utilizam spam. Sabem que essas mensagens irritariam o internauta, o que prejudicaria a imagem empresarial delas.

Funcionam hoje no Brasil pouco mais de 1.200 provedores de acesso à internet. Entre eles, 350 fazem parte de uma associação chamada Abranet. A entidade calcula que o spam hoje representa mais de 40% das mensagens de correio eletrônico que chegam aos, segundo pesquisa do Ibope, 14,3 milhões de brasileiros conectados. O spam somava há dois anos apenas 10% do tráfego de e-mails, diz Roque Abdo, presidente da Abranet. A participação dessas mensagens quadruplicou e continua crescendo.

Quem paga a conta

Isso tem um custo. E quem paga é o próprio internauta. Eis como.

1) Os provedores são obrigados a se equipar com estações suplementares de processamento de e-mails, repassando o custo para assinantes de seus serviços.

2) Segundo o Ibope, 92% dos internautas se conectam por telefone, que é mais lento. Em São Paulo, a Telefônica cobra R$ 0,10257 por impulso de quatro minutos. Quanto mais ?pesado? o spam em Kbytes -fotografias, arquivos de som-, mais impulsos serão necessários para baixá-los. O Museu do Spam, site montado para lutar contra essa prática, calcula que milhares de internautas paguem de telefone R$ 75 mensais só para receber essa forma indesejada de correio eletrônico.

3) Fazendo o caminho inverso: um spammer que consiga fazer chegar sua mensagem de 10 Kbytes (texto e pequena produção gráfica) a 2 milhões de internautas terá provocado, só de despesas telefônicas, um estrago de R$ 1.710,00. Caso ele faça dez spams por dia, o estrago custará tanto quanto um carro popular. Ou 30 carros populares por mês.

4) Algumas empresas já começam a calcular o quanto o spam custa para elas em termos de mão-de-obra, já que os funcionários perdem tempo na leitura das mensagens antes de deletá-las e ainda porque o bloqueio num softer como o Outlook Express exige oito clicadas com o mouse e ainda a digitação, num campo específico, do nome do spammer ou do assunto de sua mensagem.

A Abranet é partidária da auto-regulamentação. Os provedores têm cortado a assinatura de spammers conectados à rede por linha telefônica. Mas dependem das empresas que fornecem as linhas de banda larga para identificar pessoas que transformam seus próprios computadores em provedores de e-mail e em seguida praticam o spam.”