BAIXARIA NA TV
“Lista contra baixaria está incompleta”, copyright O Estado de S. Paulo, 16/02/03
“É consenso, já há algumas décadas, que a TV brasileira precisa melhorar a qualidade de sua programação. Tanto que já virou lugar-comum criticar a baixaria. As emissoras fingem-se de mortas quando as ondas de burburinho batem em sua praia.
De tempos em tempos – especialmente quando algum programa passa demais dos limites -, o poder constituído manifesta-se com alguma ação que se revela inócua pouco depois, pois prevalece a corrente que defende o mercado (audiência) como regulador do setor de televisão. A parcela que defende o ?deixar como está? acusa esses movimentos como tentativa de censura e sempre coloca a responsabilidade da baixa qualidade nas mãos do telespectador, com a história de que o controle remoto é o dono do poder.
Agora surge na Câmara Federal uma campanha que pode realmente tocar nessa ferida de maneira eficiente. A campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania, patrocinada pela Comissão Permanente dos Direitos Humanos, presidida pelo deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), parte do pressuposto que é muito difícil cumprir a lei por ?lobby? das emissoras, ou por falta de vontade política, ou pelos dois juntos, o artigo 221 da Constituição nunca é regulamentado, os parlamentares decidiram ?mobilizar a sociedade? para pressionar os anunciantes que financiam a baixaria servida diariamente ao telespectador.
A primeira medida foi levantar, por meio de denúncias do consumidor de TV, os programas mais apelativos e colocá-los no ranking. Gente séria foi chamada para acompanhar esses ?campeões?. O jornalista Laurindo Leal Filho, a psicanalista Ana Cristina Olmos, a publicitária Raquel Moreno, entre outros, foram nomeados guardiães da qualidade na TV e convocados a acompanhar o comportamento dos líderes. Com toda certeza, eles vão aprofundar a análise de programas que, na avaliação da parte mais esclarecida do público, exploram a miséria humana, vulgarizam o sexo, incitam à violência e estimulam o preconceito.
Os shows de João Kleber e Sérgio Malandro (Rede TV!), Gugu Liberato e Ratinho (SBT) e Fausto Silva (Globo) representam hoje, na avaliação do Conselho de Acompanhamento da Mídia da Câmara, o que há de pior na TV e por isso estão sob vigilância.
Percalços de começo entraram no balaio das piores atrações. No afã de melhorar a TV, telespectadores encaminharam críticas a programas inocentes como o de Sérgio Groisman, de Xuxa e de Raul Gil. Mas é assim mesmo, todo processo tem um período de depuração e ganhando força, a campanha pode cercar o que realmente importa.
O conceito baixaria é subjetivo, por isso será necessário definir alguns critérios e um colegiado para aplicá-los a cada vítima das denúncias. Mas logo de cara é possível perceber que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara cometeu injustiças em seu ranking. Cinco lugares são poucos para acomodar o lixo que está no vídeo. Foram discriminados os programas de Márcia Goldschmidt (Hora da Verdade) que, como João Kleber, submete pessoas simples a constrangimentos indescritíveis para garantir a audiência de cada tarde na Bandeirantes, o Direitos Humanos e Cidade Alerta (Record), Repórter Cidadão (Rede TV!) e Brasil Urgente (Bandeirantes), que morbidamente exploram crimes hediondos e acidentes para pegar o público pelo seu lado mais perverso. Pressionar estupradores de crianças para contar os detalhes mais sórdidos de seus crimes, levar parentes de vítimas e policiais para descrever o estado em que foram encontrados corpos mutilados serve para quê?
A verdade é que finalmente parece que o conteúdo da TV começa a ser remexido. Claro que há risco de essa campanha não dar em nada, como todas as tentativas gestadas nos gabinetes do governo FHC. Essa, no entanto, nasce respaldada por organizações não-governamentais que, mesmo esperneando, nunca foram ouvidas. E, o mais importante, leva em conta o que – mesmo que de maneira incipiente neste começo – pensa o telespectador.”
“Uma lista negra contra a baixaria na TV”, copyright O Estado de S. Paulo, 13/02/03
“Os programas de TV de baixo nível e seus patrocinadores receberão um apelo do Conselho de Acompanhamento da Mídia da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para mudar o conteúdo. Se mantiverem a fórmula, serão incluídos numa lista negra na página www.eticanatv.org.br, inaugurada ontem para conscientizar a população a mudar de canal quando as emissoras exibirem programas sensacionalistas com apelo sexual, brigas entre parentes e vizinhos, pegadinhas e exploração da miséria humana.
O conselho, integrado por representantes da sociedade civil, reuniu-se ontem pela primeira vez para analisar pareceres preliminares sobre cinco programas de TV, apontados como os campeões de baixarias, segundo pesquisa realizada pela campanha Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania. Os programas analisados foram os dos apresentadores Gugu Liberato e Carlos Massa (Ratinho), ambos do SBT; Fausto Silva (TV Globo); Sergio Malandro e João Kleber, da RedeTV.
Os conselheiros identificaram que o telespectador é bombardeado por conteúdos de apelo à audiência e propagandas de uma série de produtos. Para a conselheira e psicanalista Ana Cristina Olmos-Fernandez, o Domingo Legal passa a mensagem de que ?não existe fracasso que não possa ser superado pelo consumo?. A conselheira diz que o discurso do apresentador Gugu Liberato às vezes sequer passa a idéia de que está vendendo um produto. Ele leva especialistas ou pessoas famosas que conseguiram ?mais coisas na vida graças ao uso do produto?.
A conselheira Sônia Maria Guedes de Medeiros, professora universitária, identificou um grande espaço para merchandising no Programa do Faustão. Mas o apelo sexual e a valorização do corpo no programa do apresentador Fausto Silva são os principais alvos de crítica da conselheira. No concurso das mais belas pernas do verão, por exemplo, a câmera focava demoradamente da cintura aos pés. ?Com este foco pela metade, o apelo sexual se exacerba.?
Na busca de audiência, os programas retratam situações e palavras com duplo sentido e exibem cenas constrangedoras que beiram a discriminação, comentaram os conselheiros. Entidades representativas de gays e lésbicas queixam-se do Eu Vi na TV, do apresentador do João Kleber. ?Eles alimentam no inconsciente da população que todos os homossexuais são palhaços e estimulam a violência física e verbal contra os gays?, diz o conselheiro e jornalista Welton Trindade.
Pegadinhas – A conselheira e publicitária Rachel Moreno destaca a ridicularização do cidadão nas ?pegadinhas? do Programa Sergio Malandro. ?A mensagem é: vale tudo por cinco minutos de notoriedade.?
Para o conselheiro e jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, o Programa do Ratinho transforma em espetáculo público assuntos privados e estimula a resolução de conflitos pela violência.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), pediu aos conselheiros que busquem fundamentação legal e psicológica para as críticas, a fim de terem argumento na discussão com as emissoras, produtoras e patrocinadores. A comissão realizará pesquisa para conferir se realmente a população gosta dos programas ou não troca o canal por falta de opção. No conselho foi proposto que programas das TVs fechadas passem a ser exibidos nas TVs abertas, durante seis meses, para pesquisar a audiência.”