Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Leila Reis

BAIXARIA NA TV

“Poder de sedução da TV supera seus males”, copyright O Estado de S.Paulo, 13/7/03

“Tornou-se lugar-comum criticar a qualidade da programação da TV.

Essa tecla vem sendo batida há tantos anos e a total falta de sinais de mudança pode fazer com que, algum dia, televisão seja sinônimo de baixaria.

No mar da programação emergem ciclicamente ondas que chamam a atenção da sociedade e das autoridades para o veículo. Quando algum programa passa demais dos limites, a TV entra na berlinda. Passada a tormenta, a vida volta ao normal até que outro descalabro repercuta, mobilizando juízes, entidades e a imprensa.

Mesmo sendo concessão pública, a TV nunca é alvo de medidas contundentes por parte do poder constituído. Até hoje não se cogitou a criação de uma agência reguladora do setor nos moldes das que fiscalizam os outros tipos de concessão, como petróleo, eletricidade, telefonia, água, etc.

Na Câmara Federal surgiu recentemente um movimento pela Ética na TV cujo slogan é Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, que lista pela internet os programas mais apontados pelos telespectadores. Incipiente no início (do primeiro ranking menos de mil brasileiros se manifestaram), esse movimento começa a pegar. Tanto que na semana que vem, Salvador será sede de um ato promovido pela CNBB e outras entidades cristãs pela valorização dos direitos humanos na TV.

No entanto, até hoje, o poder Executivo não se manifestou sobre o que pensa da TV nem explicitou seu projeto a propósito da programação servida diariamente aos brasileiros de 41.391.404 domicílios – dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), de 2001, do IBGE.

O que se sabe (e bem por cima) é que o presidente Lula agendou um encontro com os comunicadores dos programas de maior audiência da TV. Na lista estão Ratinho, Hebe, Faustão, Milton Neves, José Luiz Datena e Gugu Liberato, que ouviriam do presidente um apelo para tratarem ?jornalisticamente? em seus shows as reformas que o governo peleja para aprovar no Congresso.

Ou seja, a atitude do novo governo é a mesma de outros anteriores. Não se mexe na TV porque seu poder é mais forte do que a necessidade de mudança. O governo não discute a qualidade da programação porque quer a audiência abrangente do veículo que chega à casa de 89% dos brasileiros.

Da mesma maneira que José Serra, quando ministro da Saúde, o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, buscou e conseguiu dez minutos no Domingo Legal de Gugu (um dos mais cotados no ranking da baixaria) para esclarecer os detalhes da reforma em tramitação. Ou seja, o plano de Lula já está dando certo antes mesmo de ele formalizar o pedido.

Esse é o grande nó na discussão sobre a qualidade da TV brasileira. O poder de sedução do veículo é maior do que seu mau comportamento. E, na verdade, não é de bom tom – nem para os petistas – falar mal ou repreender o anfitri&atiatilde;o que nos recebe tão bem em sua casa.

Mas uma hora o governo vai ter que tocar no assunto da qualidade da programação, por mais espinhoso e inconveniente que possa ser para sua estratégia de comunicação.”

“Divulgado novo ranking sobre programação de TV”, copyright Agência Câmara, 11/7/03

“A Coordenação da Campanha ?Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania? divulgou hoje o terceiro ranking dos programas mais denunciados à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O novo ranking foi divulgado no terceiro Encontro de Conselheiros da Campanha.

O apresentador João Kleber, que comanda os programas ?Eu Vi na TV? e ?Canal Aberto?, na Rede TV, lidera o ranking dos programas que mais receberam denúncias de telespectadores insatisfeitos com o nível da programação. Em segundo lugar ficou o Programa do Ratinho, do SBT, e o Big Brother Brasil. As denúncias mais comuns são discriminação sexual, exposição de pessoas ao ridículo, constrangimento moral e incitação à violência.

NOVELAS

Além dos programas citados, as novelas Mulheres Apaixonadas e Kubanacan também foram denunciadas e os roteiros estão sendo analisados pelos conselheiros da campanha e seu coordenador, deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), por meio de uma teleconferência nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Distrito Federal, prevista para ser encerrada às 18 horas.

?As pessoas têm reclamado tanto de Mulheres Apaixonadas quanto de Kubancan, por excesso de cenas com apelo sexual. No mesmo sentido, tanto em uma quanto na outra, há incitação à violência que para a resolução de conflitos dentro da trama?, afirmou o parlamentar, lembrando o impacto que as novelas têm no comportamento social.

DENÚNCIAS

Desde novembro do ano passado, quando foi lançada, a campanha ?Quem financia a baixaria é contra a cidadania?, recebeu 1740 denúncias. Após a elaboração dos pareceres, as emissoras responsáveis são comunicadas e têm amplo direito de defesa. Os responsáveis pelo Programa Domingo Legal, que liderou uma das listas, procurou a coordenação da campanha e se comprometeu a mudar o conteúdo.

A Secretaria Nacional da Justiça, do Ministério da Justiça, está monitorando três programas denunciados nas listas anteriores – Cidade Alerta, da Rede Record; o Hora da Verdade, da TV Bandeirantes; e o Sabadaço, do SBT.”

“Mais três programas entram na lista da campanha anti-baixaria na TV”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 11/7/03

“O Ministério da Justiça monitora outros três programas de televisão denunciados pela campanha ?Quem financia a baixaria é contra a cidadania?, segundo o boletim Informes, da liderança do PT na Câmara Federal. Os programas ?Cidade Alerta? (Rede Record), ?Hora da Verdade? (TV Bandeirantes) e ?Sabadaço? (SBT) estão na mira da Secretaria Nacional de Justiça por exibirem em horário inadequados, de acordo com o boletim do PT, ?cenas de desrespeito, ridicularizarão, constrangimento moral, conflitos familiares e incitação à violência?.

A relação dos programas foi levantada pela campanha a partir de denúncias de telespectadores à página www.eticanatv.org.br. O programa ?Cidade Alerta?, por exemplo, se não mudar a linha editorial, será automaticamente reclassificado para horário mais adequado. Hoje o programa é exibido às 18h. O excesso de violência, sobretudo cenas de crueldade e de latrocínio, foi considerado impróprio para o horário.

A TV Bandeirantes em nenhum momento fez pedido para que houvesse a classificação do programa ?Hora da Verdade?. Esse programa vespertino também foi considerado impróprio para o horário livre por exibir a exploração de dramas familiares e conflitos psicológicos. A partir de 30 de junho, o Ministério deu 15 dias para que o programa fosse reformulado. Caso contrário, o programa será recomendado para menores de 12 anos – com exibição permitida apenas após as 20h.

A coordenação da campanha também pediu revisão da classificação do programa ?Domingão do Faustão? (Rede Globo). O Ministério respondeu que já foi enviada à emissora advertência sobre o uso de vocabulário chulo. ?Estamos comprometidos com a valorização dos direitos humanos na televisão brasileira. E a proposta não visa à censura e sim à melhoria da qualidade dos programas de televisão?, orienta o coordenador da campanha, deputado Orlando Fantazzini (PT-SP).

Por conta do monitoramento feito pela campanha contra a baixaria na TV, o Ministério da Justiça reclassificou, na semana passada, a novela das oito da Globo, ?Mulheres Apaixonadas?. Antes liberada para qualquer horário, a novela agora é inadequada antes das 21h.

A campanha está agora analisando as novelas ?Kubanacan? e ?Mulheres Apaixonadas? e divulga pareceres nesta sexta-feira. Na ocasião será também divulgado o novo ranking da baixaria na tevê.”

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“Novelas da Globo estão entre os dez piores programas de TV”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 11/7/03

“Com um total de 205 denúncias, o apresentador João Kléber, que comanda os programas Eu Vi na TV e Canal Aberto na Rede TV!, lidera o terceiro ranking das reclamações dos telespectadores divulgado nesta sexta pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, coordenadora da campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania. A Campanha foi lançada em novembro do ano passado e recebeu 1740 denúncias no total. O ranking só apresenta os dez programas mais questionados e entre eles estão duas novelas da Globo.

São denúncias que vão desde à exposição de pessoas ao ridículo, discriminação sexual, vocabulário impróprio à incitação à violência. Este programa liderou o primeiro ranking da campanha, em fevereiro do ano passado. Os dez programas do ranking somam um total de 871 reclamações.

O programa do Ratinho (SBT) ocupou o segundo lugar com 176 reclamações. As alegações são as mesmas do programa do João Kléber. Por conta da apelação sexual, o programa Big Brother Brasil ocupou o terceiro lugar, com 117 reclamações.

Na quarta posição, o Domingão do Faustão (Rede Globo) ficou em quarto lugar, segundo a as informações publicadas no site www.eticanatv.org.br. Mas o gordo também obteve 117 denúncias. A maioria delas contra o apelo sexual e o quadro vídeo-cassetadas, quando crianças sofrem acidentes. O vocabulário chulo do apresentador Fausto Silva também foi motivo para uma advertência do Ministério da Justiça ao programa.

O Cidade Alerta (Rede Record) ficou em quinto lugar, com 62 denúncias que o classificaram de sensacionalista. O horário foi considerado impróprio para exibir tanta violência. O programa Hora da Verdade (TV Bandeirantes), apresentado por Márcia Goldshmidt, obteve o sexto lugar com 55 denúncias que o acusa de promover conflitos familiares e por expor as pessoas ao ridículo, quando exibe dramas psicológicos.

Ambos estão sendo monitorados pelo Ministério da Justiça, por mostrar estas cenas consideradas impróprias para o horário livre. Em 30 de junho, o Ministério deu o prazo de quinze dias para que o formato dos programas sejam alterados.

A novela Mulheres Apaixonadas, da Rede Globo, ficou em sétimo lugar com 50 reclamações que alegaram que além de apelo sexual, a novela está estimulando à violência. Em sétimo lugar no ranking, o programa da Rede TV, apresentado por Sérgio Mallandro, recebeu 47 reclamações. Todas consideram que o programa usa frases de baixo nível e constrange as pessoas com pegadinhas maldosas.

A novela Kubanacan, da Rede Globo, recebeu 32 depoimentos, sendo que a maioria foi por causa das cenas de sexo, presentes em quase toda a novela, considerada inadequada para às 19 horas. O programa Zorra Total, Rede Globo, ficou em décimo lugar com 30 denúncias.

Todas se referem às mulheres seminuas expostas no programa, incitando ao sexo. O programa Domingo Legal, do SBT, não foi incluído no ranking, por estar em processo de análise pelo Conselho de Acompanhamento da Programação (CAP).

Outro ponto levado em conta é que o apresentador Gugu Liberato procurou a coordenação da campanha com promessas de alteração no conteúdo do programa.”

 

MEMÓRIA / TV

“Estúdios da V. Guilherme viraram igreja”, copyright O Estado de S.Paulo, 13/7/03

“Do animado comércio da Rua Dona Santa Velloso não sobrou quase nada. Os tempos de agito da Vila Guilherme foram embora, junto com a saída do SBT. O prédio gigante que abrigou a TV Excelsior por 8 anos (1962 a 70) e já em 1972 estava nas mãos de Silvio Santos que o ocupou até 1997, virou hoje a sede de uma igreja evangélica. Movimento, só domingo de manhã, dia de culto. Durante a semana, os poucos comerciantes que ainda estão lá lutam para sobreviver ao abandono. Os distraídos podem até passar pelo local sem saber a história da rua, já que a única coisa que remete aos tempos antigos é a placa do Condomínio Excelsior, na Avenida Bernardo Pinto.

A TV Excelsior, que estreou em 1960 com um programa transmitido do Teatro Cultura Artística (Rua Nestor Pestana, Centro), se dividiu quando a sede da Vila Guilherme foi inaugurada, em 1962. No entanto, a emissora durou pouco.

Por causa da censura, a emissora entrou em uma grande crise financeira e, em setembro de 1970, foi fechada em razão de problemas políticos. Mas uma década de Excelsior foi decisiva para a história da televisão brasileira.

Além de ser a primeira emissora a transmitir telenovela diariamente e a veicular o primeiro filme publicitário (Leite de Rosas, em 1963), a Excelsior também criou um padrão inovador. ?Foi a primeira emissora a ter uma grade horizontal, com horários definidos para filmes, novelas, jornalísticos. E tinha os melhores profissionais?, conta Álvaro de Moya, diretor artístico da Excelsior do seu início até 1964.

O programa Brasil 60, de Bibi Ferreira, que inaugurou a emissora, recebia artistas como Ângela Maria, Silvio Caldas, Ary Barroso, Pixinguinha e João Gilberto. ?Todo convidado recebia cachê e tinha de ensaiar antes de gravar o programa. Pagávamos para não ter improviso?, lembra Moya.

Gigetto – O ponto de encontro desse elenco, quando ia ao Cultura Artística, era o restaurante Gigetto. ?O que se passou no Gigetto dava para fazer mais de 20 filmes. A Excelsior revolucionou a TV brasileira?, diz Giovanni Bruno, que foi garçom do restaurante e hoje tem sua própria cantina, Il Sogno di Anarello.

Giovanni, que começou no Gigetto descascando batatas, conta que era o garçom dos duros e que deixou muito artista pagar fiado. Uma das clientes mais assíduas era Dercy Gonçalves. ?A Dercy vinha ao Gigetto umas três vezes ao dia. Acompanhávamos suas brigas com o marido e também sabíamos que ela nunca leu um script.?

Foi também nesta época que Giovanni ganhou o apelido de Anarello, nome que deu anos depois ao seu restaurante. ?Tinha ido assistir ao filme Ana do Brooklin, no Cine Olido, que era com a Gina Lollobrigida. Depois fui a um ensaio do Antunes Filho que estava acontecendo no Cultura Artística. Uma atriz me lembrou o filme e gritei: ?Anarella!?. O Antunes me expulsou e daí fiquei conhecido como Anarello.?

O fim da Excelsior coincidiu com um grande incêndio na sede da Vila Guilherme. Morador do bairro, Osmar Edison Nunes, o Vavá, lembra quando ajudou os bombeiros a apagar o incêndio de 70, o pior de todos. ?Os cenários foram todos destruídos.? A emissora chegou a sair do ar. Com os cenários em cinzas, a novela Mais Forte Que O Ódio foi suspensa.

Já na era TVS/SBT, Vavá foi dono do único estacionamento da rua. ?A Vovó Mafalda, o Papai Papudo, o Sérgio Malandro eram todos meus clientes?, lembra. ?Ganhava ingressos e meu filho vivia no programa do Bozo ganhando presente na Batalha Naval. Ele dava a dica para ele ganhar os prêmios. Era uma farra?, se diverte.

A estada do SBT na rua, no entanto, também foi cheia de transtornos. Como a região é sujeita a inundações, a emissora de Silvio Santos amargou vários prejuízos nos períodos de chuva. ?Teve um jornal que chegou a ser interrompido, pois a água já estava dentro do estúdio. Nos dias que se seguiam às enchentes, era só caminhão levando equipamentos e móveis estragados.?

As constantes enchentes foram um dos motivos que levaram o SBT a abandonar a região e a se mudar para sua sede própria na Rodovia Anhangüera. ?A Vila Guilherme perdeu em tudo, o comércio que sobrou vive às moscas e o prédio virou um elefante branco que não traz mais nenhum benefício aos moradores?, lamenta Vavá.”

“As esquinas que fizeram a TV brasileira”, copyright O Estado de S.Paulo, 13/7/03

“Hoje é tudo do Silvio Santos: 4.300 metros quadrados, parte alugada para a MTV (o prédio construído em 1960 na Rua Alfonso Bovero e os estúdios da Rua Piracicaba) e para a ESPN Brasil, na Rua Catalão. A torre retransmissora do SBT está lá – exatamente no local do primeiro prédio da TV Tupi, demolido no final dos anos 70 pela própria Tupi. Um dos andares da construção ainda é utilizado para almoços de negócios entre alguns dos executivos das 34 empresas do Grupo Silvio Santos.

É o quarteirão mais televisivo do País. Ali nasceu a primeira televisão do Brasil e da América do Sul. Em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi de São Paulo, PRF-3, canal 3, cuja razão social era Rádio e Televisão Difusora, foi inaugurada. Obra de Assis Chateaubriand, dono da cadeia de rádios e jornais Diários Associados (a R&aacaacute;dio Tupi já funcionava no local). As imagens foram geradas pelos equipamentos instalados no Sumaré e retransmitidas por uma antena colocada no topo do prédio do Banco do Estado de São Paulo (Edifício Altino Arantes, onde é o Banespa).

Lima Duarte, que participou do primeiro programa mostrado na telinha, o TV na Taba, confirma o episódio que alguns negam: diz que Chatô quebrou, sim, uma das três câmeras ao estourar um champanhe.

Antes de TV na Taba, Sônia Maria Dorce, com 5 anos e vestida de indiazinha, com penas na cabeça (símbolo da Tupi), foi a primeira imagem a aparecer na tela. Alguns índios ainda estão no Sumaré: o edifício que abriga a MTV desde 1990 mantém os murais com referência ao símbolo da Tupi, feitos de pedrinhas coloridas. ?Foi um artista alemão que fez. Ele ia colocando as pedras e a mulher dele, do outro lado da rua, dava as coordenadas. Mais para a direita… mais para cima. É incrível como esse prédio, de quase 50 anos, ainda é moderno e bonito?, comenta Lima Duarte, que aceitou o convite do Estado para caminhar pelo quarteirão e relembrar algumas histórias. ?Imagina só, o auditório da rádio tinha o Retirantes, de Cândido Portinari.?

Quarteirão Rockefeller – Hoje, aos 74 anos, Lima conta 27 deles dedicados à Tupi. De operador de som e sonoplasta na rádio – ?imitei burro, porco…? -, encerrou a carreira na Tupi dirigindo Beto Rockefeller, ao lado de Walter Avancini, em 1968, um marco da telenovela brasileira. ?Tá vendo aqui (aponta para a praça da Rua Catalão) e ali (uma ruela, hoje fechada por plantas) eram estúdios do Beto. Tudo era estúdio do Beto (risos). Colocávamos as câmeras, que eram enormes, do lado de fora. Puxávamos os cabos, um emendado no outro. E, quando um carro queria passar, tínhamos de levantar os cabos. Era pesado.?

Lima lembra de detalhes do quarteirão. ?Foi nessa rua que enforcamos a Joana d?Arc.? ?O estúdio tinha uma parte externa, tipo uma varanda grande, com vista para a Catalão?, explica o ator. E foi dessa varanda que Joana d?Arc ouviu sua sentença. ?Como estava chovendo e o contra-regra não conseguia acender a fogueira, o inquisidor não pestanejou: ?Levem-na para a forca!?, conta Lima.

Moradora da região desde os 6 anos, Ester Becker, de 82, habitou a Rua Catalão e, nos últimos 25 anos, a Rua Piracicaba.?Aqui era tudo mato. O ônibus não chegava até minha casa. Só tinha a mercearia (Real) e a capela (hoje, a Igreja Nossa Senhora de Fátima)?, ela conta. O pai mudou-se da Itália para o Brasil por causa de um trabalho, no mínimo, curioso: fundidor em bronze, faria um túmulo para uma família burguesa. Hoje, viúva e sem a companhia dos filhos, que moram com suas respectivas famílias, ela colocou a casa à venda.

Ester, que gostava do programa Almoço com as Estrelas, encontrava muitos dos convidados de Lolita Rodrigues no cabeleireiro. Tem simpatia por Hebe Camargo (?sempre foi desinibida?), Eva Wilma e Carlos Zara, figuras que via com freqüência. ?O bairro sempre teve jeito de cidade do interior. Até o movimento não incomodava tanto. Mas, quando chegou o SBT, tudo mudou?, observou Ester, que teve como inquilino Luiz Gallon, já morto, que foi diretor da Tupi. ?A bagunça e desrespeito com os moradores aumentaram.?

Em 16 de julho de 1980, pouco antes de completar 30 anos no ar, a Tupi teve sua concessão cassada pelo governo federal. No dia 23, foi aberta concorrência para a exploração de duas novas redes de TV. Silvio Santos herdou quatro canais (incluindo a Tupi, que havia mudado de prefixo, para o 4, em agosto de 1960) e Adolpho Bloch, que ficou com outros cinco canais. Em 1995, o SBT desativou suas instalações no Sumaré e na Vila Guilherme (leia na pág. 8) e unificou sua sede no km 17,5 da rodovia Anhangüera.

Reforçando a fama televisiva do local, a Manchete, inaugurada em 5 de junho de 1983, escolheu também o Sumaré como primeiro endereço em São Paulo. Instalou-se na Rua Bruxelas, bem no quarteirão vizinho ao do SBT. Em 1990, os Blochs se mudaram para o Bairro do Limão, mas a torre sobre o edifício da Bruxelas serve hoje aos sinais da RedeTV!, que comprou a Manchete.

Cenas na Real – A esquina da Alfonso Bovero com a Doutor Arnaldo faz parte da história da TV brasileira: muitas das grandes decisões da Tupi eram tomadas nas mesas de uma padaria. Aliás, padaria, não. ?Não vendemos pão. Dê uma olhadinha no nosso cardápio?, pede o atual proprietário da Real, Manoel Augusto Moreira, de 65 anos. A capa do menu traz uma foto de 1937 – também estampada em uma das paredes – quando a Real era ainda uma construção isolada.

?Quantas vezes levantei da mesa, com pressa, vestido com as roupas dos personagens das novelas. Gritavam de um alto-falante: ?fulaninho, por favor, comparecer ao estúdio!?, comenta Lima Duarte.

Hoje, o público do restaurante é o esportivo da ESPN Brasil e o descolado da MTV. A Real, que já foi mercearia, sobreviveu às crises financeiras (os antigos donos levaram calote dos funcionários da falida Tupi) e às mudanças no quarteirão. Em 1981, chegou o SBT. Nove anos depois, foi a MTV.

?Muitos deles vinham aqui. Sei que algumas mesas ficavam reservadas para a Tupi?, conta Moreira, que comprou a Real há 21 anos com dois sócios. No Brasil desde 1955, Moreira fugiu de Portugal para escapar do serviço militar. E aprecia a clientela atual: ?Gosto muito desse público da MTV, que é o nosso forte. Quem vive do passado é museu?.”