O CLONE / CRÍTICA
"?O Clone? coloca Vera Fischer em seu lugar", copyright O Estado de S. Paulo, 6/10/01
"O Clone, a nova novela da Globo, é uma salada cujos ingredientes remetem a entrechos largamente utilizados desde que a TV começou a produzir dramas em doses diárias. Femmes fatales arrivistas que enganam milionários solitários, como a Ivete de Vera Fischer, já passaram às baciadas pelo vídeo. Uma delas pode ser vista mais cedo – a Valentina de As Filhas da Mãe – na própria Globo.
Gêmeos de personalidades opostas, por exemplo, garantiram o sucesso em várias novelas, em diversas ocasiões. Ruth e Raquel, de Mulheres de Areia, escrita por Ivani Ribeiro, são um exemplo clássico que projetou Eva Wilma em 1973 (Tupi) e Glória Pires, em 93 (Globo).
Em 1981, o Brasil parou para testemunhar o proteladíssimo reencontro dos gêmeos João Vítor e Quinzinho, personagens de Tony Ramos em Baila Comigo, de Manoel Carlos. Entre a primeira versão de Mulheres de Areia e O Clone, a tecnologia deu saltos continentais. Ruth e Raquel, João Vítor e Quinzinho só podiam encontrar-se com a ajuda de um dublê, devidamente postado de costas para a câmera. Hoje, a evolução técnica permite que Diogo e Lucas, personagens de Murilo Benício, entrem em cena juntos e batam bola como se fossem duas pessoas diferentes mesmo.
O ineditismo concentra-se na temática eleita por Glória Perez. Novidadeira como ninguém, Glória lança mão da clonagem humana, que atrai e horroriza o mundo desde que a ovelha Dolly nasceu. Ela, que levou a inseminação artificial – Barriga de Aluguel (91) -, o transplante de coração – De Corpo e Alma (92) – e a Internet para a TV – Explode Coração (95) -, mexe agora com a fantasia da multiplicação da vida e sacode a poeira do horário depois do déjà vu de Porto dos Milagres.
Está certo que a conjuntura – suspeição sobre o Oriente pós-ataque ao World Trade Center e Pentágono – favorece Glória. A escolha do Marrocos para ambientar o início da história e a tradições islâmicas, como motor dos primeiros conflitos, foi um golpe de sorte capaz de justificar a boa audiência de O Clone na primeira semana – 44 pontos de média no Ibope (na Grande São Paulo) ao lado de 41 de Porto dos Milagres.
Mas não é só isso. A maior qualidade talvez esteja no fato de colocar o ator certo no papel ideal. Ao contrário de Manoel Carlos, que engessou Vera Fischer no bom samaritanismo em Laços de Família, Glória dá a chance para atriz explorar todo o seu sex-appeal como a matadora Ivete. Inculta e bela, a personagem, que faz uso da intriga para salvar sua pele (e o baú no qual vai dar o golpe), abre uma avenida de possibilidades para Vera Fischer mostrar o seu talento."
"?Clone? consegue ser enfadonho e empolgante", copyright Folha de S. Paulo, 6/10/01
"O que se viu nos primeiros capítulos de ?O Clone?, além de belíssimas paisagens e ótimos efeitos especiais, foram aulas (chatinhas) de cultura islâmica e a clara tentativa de ser o mais politicamente correto possível. E chega a ser irritante os personagens muçulmanos falarem cada frase duas vezes, uma em árabe, outra em português. Legendas seriam menos enfadonhas.
A trama, aliás, ocorre em algum lapso de tempo indefinido, perdido entre o final do século passado e o começo deste. Ou a segunda fase, uns 20 anos depois, se passará em um Rio de Janeiro futurista? E qual é, então, a idade dos gêmeos interpretados por Murilo Benício, que nem prestaram vestibular ainda?
Mas isso não parece importar, se a novela empolgar como nos primeiros capítulos – apesar das cenas dignas de comercial de desodorante entre Jade e Lucas.
A presença de Vera Fischer, não mais como a supermulher de ?Laços de Família?, mas como uma quase-loira burra, com um toque de vilã, deve ser um dos pontos altos. Capitu, ops, Giovana Antonelli, dá conta do recado, e Murilo Benício convence como dupla."
"A loura burra, o nosso talibã", copyright No. (www.no.com.br), 4/10/01
"Não há nada mais assanhadinho na televisão, talvez apenas as malandrinhas do programa da Luciana Gimenez, do que as muçulmanas de ?O Clone?. Elas passaram os três primeiros capítulos divididas entre jogar futebol, a dança do ventre e pulinhos frenéticos enquanto papai negociava seus corpos na sala ao lado com os futuros maridos. Quanto riso, quanta alegria por baixo de todos aqueles véus! Parece que não acreditam em Alá, mas no Alá-la-ô daquela marchinha que o Braguinha fez para o Saara. Aposto que o Bin Laden, se tivesse dentro da caverna uma muçulmana como a Latiffa (Letícia Sabatella), ia ficar pensando não em derrubar, mas em levantar sua própria torre. A propósito. Se no primeiro capítulo o filho derrubou a mulher do pai e no segundo o outro filho já encontrou a muçulmana de sua vida, ?O Clone?, que parece tão preocupada em fazer as pazes ocidente-oriente, vai investir tudo nessa confraternização de torres e cavernas. Ai que calor-ô-ô-ô-ô!
Uma novela tem 180 capítulos e, como todos sabem, os seis da primeira semana não têm nada a ver com o resto. É a hora do grande show. Gastar cada centavo dos R$ 100 mil calculados para cada capítulo. A National Geographic deve estar azul como um tuareg, de raiva com a beleza das imagens do Marrocos. A Swissair fechou, mas a Air Arabean agradece. Impossível que Gloria Perez, a autora, e Jayme Monjardim, o diretor, mantenham o pique de trama, diversão e bom gosto narrativo desses capítulos iniciais por todos os sete meses que vêm por aí. A Televisa mexicana deve estar tresloucada cortando os pulsos com o dramalhão do pai que no terceiro capítulo renega o filho que lhe comeu a mulher no primeiro. Mas sabem todos que daqui para a frente será menos. Não dá para ter todo dia um bloco em que a protagonista chora de maiô a morte da mãe em Ipanema e, já no bloco seguinte, a coitada, órfã, aparece de trajes muçulmanos no deserto.
Espera-se que a qualquer momento, dependendo do ibope, clone-se o Sheik de Agadir. Mas, por enquanto, Vera Fischer estufando ainda mais os seios (o verdadeiro siliclone) segura a onda. Os exageros da novela são os naturais do gênero. Uma necessidade radical de condensar a mensagem em idéias básicas, repetí-las à exaustão e não permitir dúvidas na cabeça da audiência. As mulheres têm um papel submisso na cultura muçulmana, sim, mas elas aceitam isso com alegria porque é uma das maneiras de servir à Deus. Então, vamos colocá-la experimentando os véus na cabeça mas perguntando uma à outra: ?Estou sensual?? Elas pensam no que todas as outras pensam em todo o mundo, só que cinco vezes por dia param para orações.
As mulheres muçulmanas são assim, sempre resignadas e felizes. ?Não faz mal que ele tenha outras, o importante é que fique velho comigo?, diz uma delas. O cuidado de n&atatilde;o difundir preconceitos e contextualizar os hábitos aparentemente extravagantes numa ordem culta secular são evidentes – e bem sucedidos, apesar dos exageros de Glória Perez para sublinhar essas intenções. Os homens muçulmanos são tão sábios que parecem sempre estar discursando verbetes saídos diretamente do Corão. Stênio Garcia (Ali) é o encarregado de ir explicando os princípios do islamismo em conversas que se pretendem coloquiais. Em geral, soa pomposo demais. ?Temos valores que você já jogaram no lixo há muito tempo, sabemos distinguir o bem do mal?, diz Ali a um amigo ocidental, cientista especializado em clonagem. ?Atraso mental?, rebate o descrente.
Para uma novela das oito, abençoada pela graça divina de o mundo inteiro não estar falando de outra coisa, o papo de ?O Clone? tem sido bem conduzido. O perigo é que em ?Dancing Days? o país inteiro passou a usar meias de lurex. Depois foi o tamanco com shortinho de Letícia ?Babalu? Spiller em ?Quatro por Quatro?, mais as pulseiras com berloques e os laçarotes da Viúva Porcina em ?Roque Santeiro?. Brasileiro leva a novela para a vida real. Periga agora a Rocinha inteira virar muçulmana.
A história de ?O Clone? pretende conduzir até o fim a oposição dos valores religiosos, a noção radical de que Deus cria e legisla sobre tudo, contra o avanço da ciência que quer também desenvolver homens em laboratórios. Um dos gêmeos vividos por Murilo Benicio, parece que o mais despachado (é fácil reconhecê-lo, está sempre, ah bom!, com o nariz empinado), vai morrer e será clonado (o outro, tímido, é aquele que está sempre, ah bom!, gaguejando). Não vai faltar assunto, e se o Sheik de Agadir não alavancar o ibope, copia-se o Lawrence da Arábia: além de clonagem e islamismo, haverá tramas envolvendo dependentes de drogas, mães de aluguel, noitadas em gafieira (duvido que não tragam o Omar Sharif para uma participação especial), choque cultural, traição, muitas torres, muitas cavernas e, Alá seja louvado!, Vera Fischer.
Numa novela em que todos parecem religiosamente preocupados em não pecar (personagens bonzinhos sempre rendem melhores oportunidades de comerciais), Vera encarna Yvette, o maior conto do vigário da paróquia. Golpista total. Pegou um coroa otário numa happy-hour e quer que chegue logo a hora de seguir o primeiro e único mandamento do livro que Ivana Trump escreveu com dicas para ex-mulheres de milionários: ?Não fique com raiva, fique com tudo?. Na estréia, como se viu, Yvette-171 transou com o filho do namorado. No segundo capítulo, tentou seduzi-lo novamente tirando o sutiã. No terceiro, entregou o filho para o pai dizendo que o garoto dava em cima dela. Além de má, querem transformar a siliclonada em sillyclonada – burra feito uma porta. Num restaurante, Yvette misturou açúcar ao vinho seco para lhe melhorar o sabor. ?Sou muito sensitiva?, argumenta. Enfim, poupa-se os muçulmanos do preconceito e investe-se contra as louras o velho estigma da burrice. Mal sabe a Globo que a loura burra é o talibã brasileiro. Vai ter guerra, santa!"