OFJOR CI?NCIA
OfJor Ciência 2000 ? Oficina OnLine de Jornalismo Científico é uma iniciativa do Observatório da Imprensa, Labjor e Uniemp.
SUPERINTERESSANTE
Roberto Mitsuo Takata (*)
A contaminação do rigor do pensamento pela lassidão de estilo anunciada há três meses (agosto/2000) com uma profunda reforma gráfica e editorial da Superinteressante foi pior do que se temia.
"Erros de estilo" (expressão usada numa das edições a respeito de uma resposta sobre frios e embutidos) comprometem a seriedade da revista (não confundir seriedade com carranca ? já que permite a confusão entre descontração e displicência). Mas "erros de abordagem" comprometem a credibilidade ? e isso é fatal.
Não bastasse a apresentação do "biogenismo" da forma como foi feita, sem nenhuma restrição a essa idéia claramente insustentável (noves fora o fanatismo religioso de que está imbuído) ? apenas uma estratégica "tirada de corpo" com aquela notazinha sacana: "As opiniões aqui emitidas não refletem necessariamente as da revista" (ou algo assim) ?, ainda publicam, também sem restrições, entrevista com o biólogo americano Peter Duesberg, bem ilustrada na carta de um leitor deste Observatório [ver abaixo remissão para "Mídia deslumbrada.com", Referência 1] a propósito da acriticidade para com especialistas de informática, extensível a diversas outras áreas. Chamem a polícia.
A Superinteressante tem uma circulação de média mensal de mais de 300 mil exemplares ? o que projeta um universo de cerca de 1 milhão de leitores ou mais ? e é, assim, obrigação da revista transmitir informação com qualidade. O que se fez foi um atentado à saúde dos leitores. Um abuso de confiança.
É tudo coincidência?
Quer se queira ou não, a Superinteressante é considerada uma revista de alta confiabilidade ? confiança conquistada por um trabalho que só posso reconhecer ?, especialmente entre o público leigo (o público com formação científica mais sólida faz sérias restrições). Ao mostrar picaretagem grosseira, sem um pingo de questionamento, sem um vestígio de visão crítica, ela se iguala às publicações rasteiras que exploram crendices da população, e com mais gravidade: a saúde das pessoas é um assunto seriíssimo.
Será que a redação analisou quantas pessoas podem ter deixado de se submeter aos tratamentos adequados porque leram bobagens como "o HIV não causa Aids", "AZT e outros remédios não servem para nada", "campanhas de vacinação em massa são métodos nazistas"…? Tomar medicamentos de controle do HIV já é uma coisa bastante chata, tem que tomar tudo no horário, não é algo exatamente prazeroso. Imagine se se ouve que isso é inútil? E pior, que é danoso?
Se uma única pessoa deixar de se proteger ou aos seus filhos, seja não tomando vacinas, seja não utilizando preservativos em relações sexuais, mesmo que não desenvolva poliomielite ou Aids, será de inteira responsabilidade da revista.
Algumas coisas deveras intrigantes: a Aids é uma doença química, tendo se alastrado de repente a partir da década de 1980. Não havia fome na África ou em outro lugar no mundo antes disso? Não havia viciados em drogas? Por que apenas drogas injetáveis são fator de risco? Cocaína aspirada não altera a química do corpo? O crack também não? Em Carandiru o número de presos doentes caiu com a diminuição do uso de drogas injetáveis, substituídas pelo crack (e, pasmem, o número de infectados com HIV caiu em correspondência) [Referência 2]. Cirrose e câncer de pulmão são transmitidos por transfusão de sangue? Por vias sexuais? De mãe para filho? [Referências 3 e 4] Por que existiria um vírus muito semelhante ao HIV que causa síndrome muito semelhante à Aids em macacos, e por isso mesmo chamado de SIV (do inglês vírus da imunodeficiência símia, em comparação ao vírus da imunodeficiência humana)? Por que o HIV infectaria exatamente as células de defesa cuja concentração diminui com a Aids? [Referência 5a e b] Tudo coincidência?
O melhor remédio
Peter Duesberg mentiu ou ignora completamente ? ambos os casos são graves ? quando diz que Erwin Magic Johnson não usa tratamento químico contra a Aids ? ele de fato largou o AZT por um período, mas depois retomou, combinando-o agora com outros dois remédios. Era só darem uma busca nos arquivos jornalísticos da Abril.
A Superinteressante falhou gravemente, e nada vai reparar os danos causados, mas pode dirimir a culpa reconhecendo publicamente o erro: não escondendo-o na seção de erros, mas em material editorial, e cedendo pelo menos o mesmo espaço dedicado às bobagens publicadas para esclarecimentos por especialistas competentes.
O Correio Braziliense e o New York Times são bons precedentes que mostram que o reconhecimento destacado de um erro grave é o melhor remédio para a recuperação da imagem arranhada. Mas, antes de imagem, isso é um dever que a Superinteressante contraiu com seus leitores.
(*) Mestrando em Biologia do Instituto de Biociências da USP
Referências
1. Mídia deslumbrada.com ? Caderno do Leitor, Carlos Teixeira
2. Drauzio Varella, 1999 ? Estação Carandiru. Cia das Letras, São Paulo. 295 págs.
3. <www.niaid.nih.gov/factsheets/evidhiv.htm>, em inglês
4. <www.niaid.nih.gov/publications/hivaids/all.htm>, em inglês
5a <www.durbandeclaration.org>, em inglês
5b <www.durbandeclaration.org/content/decl-por.htm>
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