MERCADO EDITORIAL
Deonísio da Silva (*)
O brasileiro lê ou não lê? É verdade que Buenos Aires tem mais livrarias do que o Brasil inteiro? A média de leitura por habitante é de apenas um livro por ano? De leitura ou de compra? Estão computados os guias turísticos e os livros didáticos nesses indicadores? É verdade que o mercado editorial fatura ao redor de 2 bilhões de reais ao ano, cerca de 70% a mais do que a indústria fonográfica? É verdade que de um livro vendido a 10 reais ao distinto público, sobram apenas 5 reais ou 4 reais ao editor para cobrir os custos de produção (digitação, diagramação, capa, tinta, papel, tradução etc.), divulgação e direitos autorais? Aliás, em divulgação também? A maioria dos editores espera filantropia da imprensa para que eles possam ganhar dinheiro.
Há alguns mistérios em nossa produção editorial. A imprensa cumpre função importante na revelação de autores e livros, mas são poucos os jornais e revistas que dedicam ao livro o espaço que ele faz por merecer em qualquer sociedade como a brasileira, onde nenhum regime fundamentalista conseguiu ainda impor o livro único.
Se a mitologia negativa que cerca o livro é verdadeira, por que, então, tantos querem ser editores? O Brasil tem cerca de 1.200 editoras que precisam desaguar seus livros em cerca de 600 livrarias. Livrarias ou pontos de venda? Temos 600 ou 900 livrarias?
Além de livrarias, bancas, farmácias e supermercados, editores e livreiros vêm dando atenção a outro cliente, o Estado. Mas para isso precisam descobrir quais os critérios utilizados pelo poder público para comprar livros no atacado.
"O governo paulista investiu 35 mil reais na compra dos livros da série, que serão distribuídos em mais de 3.000 escolas", informa a revista Veja desta semana. Os livros, publicados originalmente nos EUA, destinam-se a leitores de 7 a 12 anos. Seu autor, o americano Dav Pilkey, é o mais recente fenômeno editorial. Os cinco livros da série venderam 12 milhões de exemplares. Um deles continua na lista dos mais vendidos do New York Times. O dinheiro foi utilizado para a aquisição dos três títulos da série, lançados no Brasil pela editora Cosac & Naify: As Aventuras do Capitão Cueca, Capitão Cueca e o Ataque das Privadas Falantes, Capitão Cueca e a Invasão das Incrivelmente Malvadas Garotas da Cantina do Outro Planeta.
Por que esconder?
Um dos proprietários da editora, Charles Cosac, explica o primeiro tropeço de seu projeto editorial ? "livros de arte luxuosos a preços razoáveis" ? que norteou os passos iniciais da jovem editora, fundada em 1996: "Títulos com tiragem de 5.000 exemplares não alcançaram vendagem superior a 100".
Supõe-se que a verba pública, sempre tão escassa para livros, siga certas prioridades. A transparência ajudaria muito nesses casos. A imprensa poderia pautar temas e problemas editoriais com mais competência. Não é o caso de voltar aos rodapés do tempo em que o mercado editorial era dominado por meia dúzia de editoras. Mas uma boa forma de aumentar a tiragem de revistas e jornais é calibrar melhor seus poderes de informação. Nos anos 70, quando se consolidou como revista semanal de informação, Veja oferecia espaços generosos a autores e livros. E os leitores podiam confiar no juízo de seus editores.
O que vemos hoje neste particular? O leitor julgue por si mesmo. Esta semana a Veja ocupou-se do capitão Cueca. A IstoÉ, ao resenhar o livro 1961 ? que as armas não falem, de Paulo Markun e Duda Hamilton (Editora Senac 410 páginas, R$ 38), dedicou dois terços das duas páginas à ilustração da resenha. Época, em matéria sobre dicionários, utilizou indicadores para compará-los e chegou à conclusão de que se um tem "zipar" e "DJ", então é melhor do que o outro.
Meus amigos editores, leitores querem ler. E leitores de revistas e jornais lêem livros. Por que vocês escondem tanto nossa produção editorial, seus temas e problemas?
PS: E a Folha, hein! "Sequestrou" o trema "tranquilamente"! No corpo do texto, disfarçava melhor. Mas na manchete [capa de domingo, 11/11] a coisa estava realmente feia!
(*) Escritor e professor da Universidade Federal de São Carlos, doutor em Letras pela USP; escreve regularmente nas revistas Época e Caras, e em <www.eptv.com.br>. Seus livros mais recentes são Os Guerreiros do Campo e De Onde Vêm as Palavras