Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Leitura para redatores

EPIGRAMAS DE HERÁCLITO

Roger von Oech (*)


Apresentação de Espere o inesperado (ou você não o encontrará) ? uma ferramenta de criatividade baseada na ancestral sabedoria de Heráclito, de Roger von Oech, tradução de Pedro Jorgensen Jr., 208 pp, Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2003; R$ 29,00


A influência de Heráclito em meu pensamento vem de muito tempo. Os conceitos nos quais se baseia o meu primeiro livro, A Whack on the Side of the Head [Uma cacetada nas idéias], são o produto de anos de esforço para decifrar seus enigmáticos epigramas.

Era o ano de 1971 e eu estudava na Alemanha quando (afortunadamente) fui “picado” pela mosca heraclitiana do símbolo, do paradoxo e da ambigüidade. Eu havia comprado um pequeno livro intitulado Heraklit, uma compilação greco-alemã dos escritos do filósofo, em que deparei com o seguinte epigrama: O caminho por onde se sobe é o mesmo por onde se desce. Por alguma razão em particular esta máxima penetrou a minha mente e dela se apoderou: depois de passar várias semanas tentando imaginar qual seria o seu significado, nunca mais abandonei o desejo de construir uma ferramenta de criação com base nas idéias de Heráclito. Essa é a gênese da obra que você, leitor, tem em mãos.

O epigrama do título ? Espere o inesperado ou você não o encontrará ? é um dos meus favoritos por diversas razões. Ao descrever um mundo em constante mutação, um mundo que nos assombra com sua novidade e imprevisibilidade, ele se mostra tão relevante para a nossa época quanto foi para a de Heráclito. E nos sugere também a atitude mais adequada para vivermos nesse mundo desconcertante: criatividade. Ao abrirmos nossas mentes, conforme nos aconselha Heráclito, descobriremos idéias maravilhosas que nos ajudarão a resolver os problemas e reconhecer as oportunidades que hão de surgir em nosso caminho. Se cultivarmos essa atitude ao mesmo tempo que refletirmos sobre os insights deste livro, certamente nos surpreenderemos com o poder que têm as idéias de Heráclito, do alto dos seus 2.500 anos de idade, de incendiar a nossa criatividade!

Este livro pode ser usado pelo menos de três formas. A primeira é lê-lo do início ao fim como um manual de criatividade. Se você fizer isso, tenho certeza de que encontrará valiosas estratégias de inovação aplicáveis à sua vida. A segunda é usá-lo como um guia de meditação (veja as páginas 21-25), o que lhe permitirá penetrar a mente de Heráclito, todos os dias durante alguns minutos, para enfocar seus pensamentos. Uma terceira forma é consultar o livro como um oráculo sempre que você estiver precisando de um choque de ambigüidade para mover seu pensamento em uma nova direção (veja as páginas 26-31). Espero que você experimente todas as três!

Gostaria também de dizer algumas palavras sobre a minha tradução. A fonte do texto grego original é o Heraclitus, de T. M. Robinson (University of Toronto Press, 1987). Na maioria dos epigramas, segui a tradução padrão, como em Nasce um novo sol a cada dia e Tudo flui. Em outros, porém, fui um pouco mais liberal. Heráclito escrevia num estilo oracular, razão pela qual me permiti algumas vezes uma certa licença poética para captar sua voz e garantir que ficasse claro aquilo que acredito ser o verdadeiro sentido do epigrama.

Vou dar um exemplo. O insight mais difícil de traduzir foi o primeiro, por conter o conceito de logos (lo?goj). O grego antigo é ginome?nwn ga`r pa?ntwn kata` to`n lo?gon. Literalmente, este epigrama se traduz como “Tudo acontece de acordo com logos“. Mas o que é logos? Seu significado mais básico é verbo. Nos séculos anteriores a Heráclito, logos significava também relato, linguagem e história. Já na época de Heráclito, logos podia significar razão, princípio e explicação. Seis séculos mais tarde, no Evangelho Segundo S. João, logos ganhou L maiúsculo e assumiu um sentido teológico: “No princípio era o Verbo.” Então, o que logos significava para Heráclito? Alguns o definiram como lógica ou fórmula. Creio que o que Heráclito queria dizer era “o princípio organizacional, segundo o qual o cosmo se ordena a si próprio”. Este princípio se manifesta nos mais diferentes padrões que identificamos. Um pensamento final: Heráclito, sempre capaz de ser ao mesmo tempo literal e metafórico, sabia que o “verbo” é “falado”. E o que fala o cosmo? Eu creio que os “padrões” são a forma como o logos nos é falado. Daí a minha tradução: O cosmo fala por meio de padrões.

(*) Fundador e presidente da Creative Think, empresa de consultoria com sede na Califórnia, especializada em criatividade e inovação <www.creativethink.com>