MÍDIA vs. HUGO CHÁVEZ
"A crise venezuelana está longe do fim, como ensina a história brasileira", copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 14/04/02
"É um ensinamento brasileiro tão antigo quanto sábio: Um golpe de Estado, você sabe como começa, não sabe como termina.
Foi isso que a burguesia liberal paulista aprendeu nos anos 60, depois de flertar e parir com os militares o Golpe de 1964 e, em vez de assistir uma eleição democrática alguns meses depois, como queria, assistiu a implantação da mais violenta ditadura da história do país.
Foi esse conhecimento da história brasileira e latino-americana que faltou aos empresários e militares venezuelanos que, juntos, quiseram repetir o esquema que serviu de apoio inicial à implantação de uma ditadura que atravessou três décadas na história brasileira.
O resultado foi uma tragicomédia, que vai passar para a história como uma espécie de Baía dos Porcos 2, a Venezuela.
Os colunistas Eliane Cantanhede e Janio de Freitas, em suas colunas deste domingo, na ?Folha de S. Paulo?, fazem paralelo entre Brasil de 1964 e Venezuela de 2002, entre João Goulart e Hugo Chávez. A coluna da jornalista de Brasília foi escrita antes do contragolpe de Chávez mas ainda assim ambas são felizes em trazer à memória ensinamentos do passado.
?Toda História é contemporânea?, diz outro texto publicado em jornal deste domingo (esta, uma frase de Benedeto Croce, citada por Gilles Lapouge em ?O Estado de S. Paulo?, pág. D5). O problema da imprensa contemporânea é ser mal informada (ou mesmo desinformante) sobre o passado, sobre as costuras anteriores dos fatos que ocorrem. É exatamente esquecer que a história é contemporânea, está viva nos fatos, por sabedoria ou mesmo por esquecimento.
O golpe de Estado na Venezuela foi armado sobre o roteiro do golpe de 1964 no Brasil: junta-se a oposição conservadora e empresarial aos militares sedentos de extrapolar suas funções constitucionais. Conquistam o apoio da imprensa, controlada por empresários conservadores. Manifestações contra a ameaça ?comunista? (no Brasil de 1964) ou ?bolivariana? (na Venezuela atual) são convocadas e, como atraem bastante gente, criam a ilusão de um movimento de massas, justificando o Golpe como ?vindo ao encontro das massas?.
Marx disse na sua frase que dá início ao ?18 Brumário de Luís Bonaparte? que a história não se repete, uma vez ela é tragédia e na seguinte ela é uma farsa. O aspecto farsesco do Golpe venezuelano talvez explique a velocidade com que se deram os fatos. O golpe de Estado de 1964, no Brasil, começou a nascer em 1954 e era para ter sido dado contra Getúlio Vargas (que, com seu suicídio adiou o desfecho).
O da Venezuela foi rápido demais (e isso chamava atenção na quinta-feira, dia do golpe) e provavelmente por isso, mal costurado, cheio de trapalhadas grosseiras que vão passar para a história como piada, uma esp&eeacute;cie de Baía dos Porcos 2, a Venezuela. Rápido ataque, rápido contra-ataque. Agora está Hugo Chávez de volta ao poder.
Talvez o coronel populista esteja mais forte do que nunca (a Baía dos Porcos de Cuba deu a Fidel Castro mais força do que tinha antes). Talvez esteja próximo de uma segunda queda. Só o futuro dirá.
Mas como aprendeu a burguesia paulista, cujo ícone maior é o jornal ?O Estado de S. Paulo?, que concebeu e apoiou os militares em 1964 e depois amargou anos de censura prévia, um golpe de Estado se sabe como começa, mas não sabe como termina. O da Venezuela ainda não terminou."