DEBATE EM COLUMBIA
Iluska Coutinho (*)
"Várias vezes a palavra inimigo apareceu em sua fala. Essa é uma visão de um jornalista ou de um americano? E de que forma essa posição influencia a cobertura? O tema é coberto por um jornalista ou por um americano?" Incisiva, a pergunta foi formulada por uma quase-repórter, aluna do mestrado profissional da Columbia University, e dirigida ao presidente de uma das três redes de TV (ou networks) que atingem todo o território americano.
O clima de polêmica e questionamento marcou o diálogo dos estudantes com David Westin, presidente da ABC News. O debate ocorreu depois de uma palestra do dirigente da emissora, realizada na terça-feira, 23 de outubro, na School of Journalism.
O tema do encontro seria a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, como ocorre em todos os eventos promovidos pelo Poliak Center for Study of First Amendment Issues. Espécie de pedra de toque no jornalismo e na política americana de um modo geral, a Primeira Emenda, de 1791, é aquela que garante a liberdade de expressão, de imprensa e de manifestação, e proíbe a elaboração de qualquer lei que contrarie essa premissa. "A Primeira Emenda protege as idéias", como tentou resumir Westin.
Apesar disso, em tempos de guerra nem sempre o alvo atingido é o selecionado, como têm registrado os veículos de comunicação de todo o mundo. O redirecionamento já surgia nas palavras do professor que fez a apresentação: "Esse é um tempo de mudanças para o jornalismo e para as organizações de notícias, difícil de registrar e difícil de entender".
A postura da mídia americana e especialmente da ABC News, ao cobrir o ataque terrorista de 11 de setembro e seus desdobramentos, ocuparam o espaço central tanto da palestra quanto dos questionamentos que se seguiram. Segundo David Westin, desde 11 de setembro a grande questão para o mundo da notícia é descobrir como preservar determinados valores.
Confiro minhas anotações. A principal preocupação do presidente da emissora de TV, expressa na palestra, não incluiu mesmo palavras como informação, credibilidade ou interesse público. As notas seguintes parecem voltar a tratar de jornalismo: "Nesse novo mundo a liberdade de imprensa é ao mesmo tempo o antídoto, a segurança e a arma contra o terrorismo", avaliou Westin.
Censura ou jornalismo responsável
Para o presidente da ABC News, é compreensível, numa situação de guerra, que as pessoas tenham medo de não ter acesso à verdade, e afirmou: "We avoid rumor speculation" (evitamos especular com rumores). A busca frenética por informação, pela divulgação de fatos que não teriam sido confirmados estaria, porém, exagerada, segundo Westin, cujo julgamento é que "as pessoas querem saber mais do que podem".
Talvez na busca pela preservação dos valores, ele acrescentou que a mídia deve ser muito cautelosa em tempos de crise. E para isso seria muito importante estabelecer a diferença entre censura e jornalismo responsável ? "preocupado com a segurança nacional", ainda nas palavras do dirigente da emissora. A distinção, contudo, não ficou clara para o público da palestra e foi tema de várias perguntas, com diferentes enfoques.
No caso da fita com a gravação de uma declaração de Osama bin Laden, a decisão de não divulgar ? "responsável", seguindo as premissas do palestrante ? teria sido das emissoras. "O público tem que saber sobre o controle da informação, especialmente quando a censura parte do governo. (…) A comunicação livre é essencial para a democracia", sentenciou David Westin ao final de sua exposição.
Como bons alunos das técnicas do jornalismo, de reportagem, os alunos do mestrado da Columbia fizeram uma série de perguntas à sua fonte de informação para tentar esclarecer pontos que parecem continuar confusos, a julgar pelo tratamento que tem tido a questão da anunciada "guerra contra o terrorismo" na mídia americana. Uma das perguntas formuladas dizia respeito às chamadas da rede de TV, que estariam na dire&ccedccedil;ão contrária da isenção. O presidente da ABC respondeu que sua emissora insere como texto no vídeo a expressão "Fight back", e não "Strikes back", em crítica nada sutil à concorrente CNN.
Visões iguais
Talvez como cacoete profissional, de jornalista e também de quem já foi professora da disciplina Comunicação Comparada, é inevitável a busca de semelhanças e diferenças com a nossa realidade. Dirigentes de veículos de comunicação não costumam freqüentar a academia e seus debates no Brasil, especialmente quando o que está em discussão são as práticas e decisões de sua "organização de notícias", para voltar ao termo usado pelos americanos.
Há exceções, é claro, mas elas ainda são em número muito menor do que seria desejável e saudável para o desenvolvimento do ensino de Jornalismo e da própria imprensa. Nesses casos, a postura dos estudantes também parece encontrar mais diferenças que semelhanças. A razão? Talvez esteja ligada ao fato de não haver uma "primeira emenda" no Brasil, inclusive nos processos de seleção para a conquista de uma vaga no mercado de trabalho em jornalismo.
Os estudantes de Jornalismo americanos conhecem, estudam e debatem a liberdade de expressão e de imprensa. Criado em 1983, o Poliak Center, associado à Columbia University, desenvolve programas e atividades para que a Primeira Emenda seja um assunto central nos cursos de Jornalismo e também para educar e informar os executivos de mídia, representantes do governo, jornalistas e público em geral sobre aspectos relacionados à liberdade de imprensa.
Uma dessas atividades foi a palestra do presidente da ABC News. A resposta dada à pergunta que abriu esse artigo foi a seguinte. "Falar de inimigo como jornalista ou como americano; e como cobrir o tema? As duas coisas estão muito relacionadas. É como se as visões fossem iguais; afinal, estamos falando para um público de americanos."
Pode ser que a diferença entre as organizações de imprensa aqui e no Brasil não seja tão grande assim.
(*) Jornalista, mestre em Comunicação (UnB) e doutoranda (Umesp); professora da Faesa/ES e pesquisadora associada na Columbia University, com bolsa Capes