DROGAS
"A polêmica da legalização das drogas", copyright Jornal da Lilian <www.terra.com.br/jornaldalilian>, 3/8/01
"A polêmica da legalização das drogas em geral ou em determinadas situações voltou à cena com dois fatos esta semana. No Canadá, entrou em vigor a lei que autoriza o uso da maconha para uso medicinal. Portugal foi mais longe. Seguindo a tendência de outros países da Europa, o governo descriminalizou o consumo de drogas. Os usuários passarão a ser tratados como doentes. Antes da lei, quem fosse pego com pequenas quantidades de droga podia ficar um ano na cadeia. Agora esses usuários serão encaminhados a tratamento. Também esta semana, a respeitada revista inglesa The Economist voltou a defender a liberação ampla das drogas. A publicação argumenta que a proibição só favorece o tráfico e prejudica os países em desenvolvimento, que ficam à mercê do crime organizado.
Para debater o assunto, o Jornal da Lilian promoveu um chat com Cláudio Jerônimo da Silva, especialista em dependência química da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); e com Mônica Gorgulho, psicóloga, presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos e é integrante do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Unifesp.
Durante o programa, o doutor Cláudio Jerônimo da Silva disse que o uso da maconha pode gerar uma dependência por vários fatores ? genéticos, psicológicos e sociais ?, o que acaba acarretando em uma doença. Por isso, ele defende que os tóxicos devem ser coibidos desde o início. Para ele a legalização das drogas vai aumentar a disponibilidade da droga e com isso vai fazer com que aumente o número de usuários. ?Maconha gera dependência, que é uma doença mental. A sociedade deve proteger seus indivíduos contra isso?, afirmou. O médico, porém, se disse contrário a colocação do usuário como criminoso. ?Ao determinar uma pena você tira o problema das mãos da Saúde e a coloca no Judiciário e esse não é o caminho correto?.
Já a doutora Mônica Gorgulho, defendeu que o uso da maconha, por exemplo, gera uma relação de dependência apenas numa pequena parcela de seus usuários e mesmo assim esse número é extremamente menor do que o das drogas legais, como tabaco, álcool e anfetaminas (presentes nos remédios para emagrecer). Segundo ela é uma grande hipocrisia cultural termos o álcool tão liberado como é em nossa sociedade e em contrapartida tratar injustamente o usuário de maconha. ?A maconha é diabolizada, mas tomar o primeiro porre é sinônimo de iniciação?, criticou a psicóloga. Mônica ainda rebateu os argumentos de Cláudio dizendo que em países que já legalizaram o uso das drogas leves não houve um aumento do número de dependentes. Segundo ela, também é um mito pensar que a maconha abre portas para o consumo de outras drogas mais pesadas. A psicóloga disse ser totalmente a favor da legalização da maconha, mas fez questão de esclarecer que legalização é diferente de liberalização. ?A legalização consiste num conjunto de normas que regulamentem desde o mercado até o consumo. Essa regulamentação poderia ser comparada com a do álcool, se realmente fossem cumpridas todas as determinações legais existentes?, afirmou. Essa regulamentação, segundo ela, deve vir seguida de medidas educativas que gerem uma mudança de visão sobre o consumo de qualquer substância tóxica.
Outra discordância entre os entrevistados diz respeito aos Juizados Especiais para Usuários de Drogas, que viriam a oferecer duas saídas aos seus julgados: a cadeia ou um tratamento. Para Cláudio Jerônimo da Silva o método é correto pois, segundo ele, o tratamento compulsório para infratores tem resultados diante de sua própria experiência. Já para a psicóloga, o método é errado pois o usuário deve ser convidado ao tratamento e não obrigado ao mesmo.
Confira as principais respostas dadas durante o chat:
Roberto pergunta: A revista The Economist propõe políticas de redução de danos, já adotada em muitos países da União Européia. O que é uma política de redução de danos, quando se fala de drogas?
Resposta para Roberto: Trata-se de viabilizar políticas para minimizar os danos para o usuário e para a sociedade como um todo.
Marcus pergunta: O uso de drogas monitorado por médicos não poderia ser uma forma para a legalização?
Resposta para Marcus: Para doutora Mônica, a idéia é boa, mas teria utilidade para a questão das drogas de uso recreativo. No sistema médico precário que temos hoje, marcar uma consulta apenas para se adquirir uma receita seria absurdo. Já para o Dr. Cláudio é mais complicado ainda, pois não há como um médico receitar um medicamento sem saber ao certo sobre suas potencialidades e sem uma pesquisa científica suficientemente clara sobre seus efeitos.
Cláudio Fr pergunta: como o uso de droga causa doença mental? Você está falando de uma causalidade em que instância: a psicológica, a orgânica ou a social?
Resposta para Cláudio FR: Para o doutor Cláudio, é em virtude dos três. Segundo ele, o uso da droga causa alteração psico-patológica podendo levar a pessoa a dependência que é uma doença. Neste sentido, a doutora Mônica lembrou tratar-se de uma parcela pequena de usuários de maconha, por exemplo, acabam se viciando pela substância. De acordo com ela, substâncias legais como alcool, tabaco e remédios para emagrecer (anfetaminas) geram mais casos de dependencia do que a maconha.
Roberto pergunta: Algumas empresas estão fazendo testes compulsórios nos empregados ou candidatos a futuros empregos. Isso é legal (constitucional)? Contribui para inibir o uso de drogas?
Resposta para Roberto: Segundo a doutora Mônica, pesquisadores jurídicos que se manisfestaram quando a Fiesp passou a realizar este tipo de teste o colocaram como inconstitucional. Para ela, o uso da droga só intefere no ambiente profissional do indivíduo quando este vem a causar danos a empresa ou à própria atuação dele.
Marcus pergunta: O uso de medicamentos como o Prozac que é receitado indiscriminadamente também não é perigoso?
Resposta para Marcus: De acordo com o doutor Cláudio, o Prozac especificamente não causa dependência, mas os calmantes (tarja preta) sim. E isso é realmente um problema no Brasil.
Guto pergunta: Como seria essa minimização de danos à sociedade e ao indivíduo???
Resposta para Guto: Para a doutora Mônica, são medidas principalmente visando a educação. Sabe-se que o usuário de drogas tem tendência à práticas sexuais sem a devida proteção, a necessidade eminente do vício leva pessoas a dividir a mesma seringa. As medidas de redução de danos são, nesses casos, a distribuição de camisinhas, seringas e a realização de campanhas de conscientização. Como exemplo dessas campanhas podemos citar aquela: “Se beber, não dirija”.
Mr.Light pergunta: É bem provável que com a legalização das drogas iria aumentar o índice de criminalidade e de mortalidade no país, Pergunto se existe esta possibilidade ou do contrário, a legalização iria apenas `momentaneamente` tirar o gosto do proibido principalmente da boca dos jovens.!!!
Resposta para Mr. Light: Para o doutor Cláudio, as evidências dizem que sim, mas para a doutora Mônica, ainda existem muitas dúvidas sobre a relação entre o crime e a droga. Para ela, seria necessário verificar a experiência que esses países que liberaram estão vivendo. Para o doutor Cláudio, essa comparação não seria válida pois o contexto social é bastante diferente.
Marcus pergunta: Qual a opinião dos convidados em relação ao filme `Bicho de sete cabeças` que mostra a história de um jovem que é `considerado` doente mental por usar drogas?
Resposta para Marcus: Segundo o doutor Cláudio, o filme está um pouco fora de época onde o dependente químico é jogado em uma panela onde vai encontrar somente o descaso e os enfermos de outras patologias. Segundo ele, já existem clínicas específicas para os dependentes químicos. Já a doutora Mônica discorda e afirma que o número de clínicas ainda é bastante pequeno e o que ocorre no filme ocorre até hoje.
Sonämbula pergunta: Sou totalmente contra a liberação das drogas, porém a minha pergunta é: A liberação realmente acabará com o tráfico? Com a liberação o dinheiro do tráfico não mudaria apenas para outras mãos?
Resposta para Sonämbula: Segundo a doutora
Mônica, se houver apenas uma liberação sim, mas se houver
uma legalização – se criar um conjunto de leis que determinem
normas para o consumo – não haverá esse problema. Já para
o doutor Cláudio, a legalização não alteraria muito
esse quadro. Segundo ele, atualmente com toda a regulamentação
que existe sobre o álcool ainda há muita coisa circulando pelo
mercado informal e pelo contrabando."
Adrienne Senna
"O rastro do dinheiro", copyright
Jornal do Brasil, 6/8/01
"?Siga o rastro do dinheiro?, era o conselho dado por Deep Throat, o informante
principal do jornalista do The Washington Post que investigava o escândalo
de Watergate.
A estratégia de combate ao narcotráfico, à corrupção
e ao crime organizado deve concentrar-se no aspecto financeiro da atividade
criminosa. Para se obter êxito, deve haver lei que declare a lavagem de
dinheiro crime autônomo, permita o bloqueio e a perda dos recursos e facilite
a cooperação internacional. São necessários, ainda,
medidas de regulamentação e um sistema de informação
de operações suspeitas, para detectar lavagem de dinheiro e desestimular
tal prática.
O problema básico para os criminosos que lavam dinheiro é ocultar
e movimentar grandes somas. O momento mais sensível desse processo é
a etapa da colocação do dinheiro sujo no sistema financeiro. Esse
dinheiro tende a buscar lugares onde não existam leis repressivas, regulamentação
preventiva ou essas leis não sejam aplicadas.
A lei brasileira, seguindo recomendações internacionais, criou
medidas de controle para determinados setores econômicos, obrigando-os
a identificar clientes, manter registro das transações e comunicar
a ocorrência de operações que possam constituir indícios
dessa prática criminosa. E criou a unidade de inteligência financeira
brasileira, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).O Coaf tem
priorizado ações preventivas no combate à lavagem, dando
especial atenção à sua regulamentação, procurado
sensibilizar a sociedade para o fenômeno da lavagem de dinheiro e buscado
meios de capacitar os agentes da administração pública
que trabalham diretamente no combate ao crime organizado e no desenvolvimento
de atividades relacionadas à inteligência financeira.
A luta contra essa modalidade criminosa se assemelha a um jogo de gato e rato.
As opções do criminoso para lavar dinheiro estão limitadas
somente por sua imaginação. O dinheiro pode ser lavado por intermédio
de bancos, casas de câmbio, bolsas de valores, mercado imobiliário,
comércio de jóias, pedras e metais preciosos, artes e antiguidades,
loterias, bingos, mercado de seguros, empresas de factoring e leasing.
Por isso foram criadas medidas preventivas para cada setor econômico suscetível
de ser utilizado em um processo de lavagem.
A regulamentação obriga a identificação de clientes,
manutenção de cadastros atualizados, registros de transações
acima de determinado valor e comunicação de proposta ou a realização
de operação suspeita. Essa é a primeira linha de defesa
contra a entrada de dinheiro sujo na economia. A lavagem de dinheiro produz
conseqüências econômicas e sociais devastadoras, pois é
o combustível para que traficantes, seqüestradores, servidores públicos
corruptos e outros possam operar e ampliar suas atividades ilícitas.
Quem pratica a lavagem mistura lucros das atividades ilícitas com fundos
legítimos para ocultar sua origem.
A lavagem de dinheiro é um problema mundial que envolve transações
internacionais, contrabando de dinheiro através de fronteiras e lavagem
em um país do produto de crimes cometidos em outro.Dado o caráter
transnacional das operações, o recente aumento da cooperação
internacional é auspicioso e o Brasil está presente nesse cenário
de forma ativa, nos principais grupos internacionais de combate. Somente com
cooperação e trabalho articulado poderemos conter o movimento
de recursos criminosos e inviabilizar as organizações criminosas.
A lavagem é a forma pela qual o criminoso tenta assegurar que o crime
compensa. Combatê-la para impedir ou limitar a capacidade dos criminosos
é componente tão básico quanto eficaz na luta contra esse
crime. O mais importante é privar os criminosos do produto de suas atividades
ilegais, frustrando seus esforços. [
Adrienne Senna é subprocuradora geral da Fazenda e presidente do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda]"