ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
CADERNOS LITERÁRIOS
Luís Edgar de Andrade
Acontece no metrô. Vida copia folhetim. Ela adorava quando ele vinha almoçar em casa. Deixa comigo, pai. Aqui não tem maluco, não. Se amarelar, te queimo. Amor inteligente será uma burrice? Quem deseja, amigo é… Nem acabar, nem continuar. Posso dormir com você? Fulano faliu. Não ia se criar. Eu ou vocês? Estão aqui alguns títulos dos contos de Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Artur da Távola, reunidos no livro Em Flagrante, cujos personagens são postos diante do acaso, sob o olhar implacável do narrador.
Um louco internado, durante os anos 50, no hospital Santa Clara de Belo Horizonte, costumava dizer às visitas, em seus intervalos de lucidez: "… pois o que é a vida senão aquela cuja vivemos a qual". Inspirado nessa declaração, que Hélio Pelegrino contou-lhe uma noite em Havana, Ricardo Gontijo escreveu o romance Pai Morto, Vivo" sobre a ambigüidade da relação pai-filho. O livro se divide em três partes: 1) Pois o que é a vida, 2) Senão aquela cuja e 3) Vivemos a qual.
O que esses dois livros de ficção, escritos por jornalistas, têm em comum? Em Flagrante (Editora Bluhm, 192 páginas, R$ 19,50) e Pai Morto, Vivo (Editora Record, 204 páginas, R$ 20,00) foram lançados, quase ao mesmo tempo, no fim do ano, às vésperas do Natal. Além disso, caíram ambos na vala comum dos lançamentos malsucedidos: nenhuma resenha na grande imprensa do eixo Rio-São Paulo. Não se trata de boicote, mas há livros que jornais e revistas ignoram.
Dois anos atrás, neste Observatório, o romancista Esdras do Nascimento denunciou um suposto parti pris contra a produção nacional [veja essa e outras remissões abaixo]. Segundo ele, "esse preconceito é estimulado cada vez mais pela mídia, que dedica espaços generosos a tudo que vem de fora e restringe ao mínimo a divulgação do que é produzido no Brasil". Artur da Távola é da mesma opinião: "Enquanto os suplementos ditos literários dedicarem cerca de 70% do seu espaço a autores estrangeiros ? e, de preferência, desconhecidos ? não refletirão a energia literária do Brasil e tão-somente refletirão atividades de autores que estão na mídia ou de amigos que eventualmente escrevem algum livro". No caso de Paulo Alberto e Ricardo Gontijo, pelo visto "estar na mídia" não adiantou grande coisa.
A escolha
Os críticos propriamente ditos sumiram dos jornais, à exceção de Wilson Martins, que milita no caderno "Prosa & Verso" do Globo. O que sobrevive é a resenha, uma tradução tosca do review anglo-americano, de que Artur da Távola se queixa: "Ela é, em geral, uma das maiores maldades possíveis contra o escritor: a resenha simplifica e não reflete o que o livro é, em termos de informação. Em geral é um exercício de simpatia ou de antipatia, jamais uma análise literária".
Trata-se de uma situação que Ricardo Gontijo resume nestes termos: "Como eu próprio não possuo recursos (e muito menos temperamento) para sair pela praça pedindo atenção à minha obra, acabou ela meio à deriva de iniciativas da mídia especializada. Mídia esta bastante restrita, seja impressa (só conheço três suplementos literários, o do Globo, o do Jornal do Brasil e o do Diário Oficial de Minas), ou eletrônica (só conheço um programa de TV que trata especificamente do assunto, na Globo News, com o Pedro Bial. Aliás nem a TVE, supostamente cultural, mantém algo semelhante)".
Atenção para o outro lado. A produção editorial brasileira tornou-se, a bem dizer, vertiginosa. Os cadernos especializados não têm condições de acompanhá-la de sábado a sábado. Tirando os livros didáticos e os livros religiosos, publicam-se hoje no Brasil mais de dez mil títulos por ano. "Mesmo que cinco mil fossem de má qualidade, os cinco mil restantes poderiam merecer espaço, nem que fosse uma capinha na parte dos lançamentos", diz a jornalista Cecília Costa, editora do "Prosa & Verso".
Então o que fazer? A própria Cecília responde: "Não temos um espaço como o do ?Book Review?, do New York Times, caderno de resenhas tablóide com 35 páginas (umas 17 páginas standard). O ?Prosa & Verso? só tem seis páginas. Eu sonharia que tivesse oito, pelo menos, para pôr mais lançamentos, mais resenhas, ter espaço para debates e artigos. Logo que cheguei aqui, notei que seria uma luta pular de seis para oito. O caderno praticamente não tem anúncios, sendo bancado pelo jornal. O número de livros cresce sem parar, o número de assessores que ligam ou de escritores que fazem contato pessoalmente também cresce sem parar, mas as editoras quase nunca anunciam e o jornal fica sem espaço para espelhar esta riqueza toda, tendo que fazer, é lógico, escolhas difíceis e com uma certa pitada de arbitrariedade". É o que ela chama, na sua rotina semanal, a escolha de Sofia.
Leia também
Cadernos culturais, território colonizado ? Esdras do Nascimento
O inexplicável silêncio da mídia ? Deonísio da Silva
Mortalidade infantil chega à literatura ? Esdras do Nascimento (rolar a página)
Armazém Literário ? próximo texto
Armazém Literário ? texto anterior