VAMOS LER?
Alberto Dines
Nos anos 1940, o jornal carioca A Noite (estatizado em conseqüência da guerra) editava uma revista semanal com este título ? Vamos Ler?. Com crônicas, pequenos contos, artigos literários e até versinhos pretendia estimular o gosto pela leitura. Nela escreviam escritores famosos e estreantes, figurões da Academia e vanguardistas.
A cobertura da Bienal do Livro, no Rio, nos obriga a rememorar a falecida publicação. O evento está cumprindo o seu papel: forneceu assuntos, agitou os cadernos ditos literários, promoveu escritos e escritores, badalou prêmios. Afagaram-se vaidades e veleidades, remoeram-se frustrações ? faz parte. As autoridades federais aproveitaram a festa e mandaram-se para o Rio. Os ministros da Cultura e da Educação abriram o evento e pediram mais verbas, embora saibam que o verbo dominante seja "cortar".
A Bienal vai continuar até o dia 25, mas praticamente desapareceu dos cadernos infanto-juvenis dos jornalões no último final de semana. No "Folhateen" da Folha de S.Paulo (segunda-feira, 19/5), o assunto principal foi um filme que ? sem juízos de valor ? representa a antileitura. Se o esforço de pais, educadores, autoridades, autores, editores e livreiros está concentrado no estímulo à leitura entre crianças e jovens, temos aqui a ponta visível de um problema. E quando se sabe que o marketing cinematográfico tem mais recursos do que o marketing livreiro, os indícios tornam-se preocupantes.
As bienais, feiras e salões do livro são importantes porque para uma sociedade que desaprende rapidamente a manusear livros ? ou, pelo menos, mostrá-los em estantes nas salas de estar, como muito bem lembrou o jornalista Luiz Garcia ?, a simples menção do objeto impresso funciona como oportuno lembrete.
A mídia impressa, matriz do processo informativo, depende fundamentalmente do desenvolvimento do hábito de leitura. Grandes jornais, grande jornalismo e grandes jornalistas procuram grandes tiragens que acabarão enchendo os balcões das livrarias e as prateleiras das casas. Jornais e revistas criam os estímulos para a venda de livros, livros criam estímulos para vender mais jornais e revistas. Há uma relação orgânica entre os diferentes veiculadores de conhecimento, circuito efetivamente virtuoso no qual a segmentação tem função secundária.
Diferencial civilizador
O importante é ler. Sócrates errou quando dizia que o importante é memorizar. Preocupado com a busca da verdade e a sua perenização através da memória desprezou a implantação do alfabeto como divulgador de conceitos. Acontece que este sutil processo de juntar letras, formar palavras e, com elas, produzir idéias serviu de base para a evolução da humanidade. A escrita e a leitura são os denominadores comuns a todas as grandes civilizações. Pode-se escrever da esquerda para a direita, da direita para a esquerda ou de cima para baixo mas o processo é o mesmo ? acionar a imaginação.
A cultura das imagens prontas (fotografia, cinema, TV) também produz informações, sentimentos, sensações. Mas dificilmente terão a mesma durabilidade e profundidade daquilo que é processado e recriado na mente. Note-se que as duas palavras ? imagens e imaginação ? têm a mesma raiz; a diferença é que imagem é o produto, imaginação é a produtora. Converter a imaginação num mero depósito de imagens alheias empobrece o processo.
Importante falar em livros, promover livros, vender livros. Mais importante ainda é criar estímulos à leitura. Jornalistas são peças vitais: ao escrever a manchete, o artigo ou a notinha de pé de página o jornalista incorpora-se decisivamente a um sistema de impulsos que torna a leitura um hábito indispensável, crucial e, em última análise, diferencial civilizador.
Conviria pensar nisso antes de defrontar-se com a página em branco.