Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liz Chagas

VELHO NOVO JORNALISMO

“Página ímpar”, copyright IstoÉ, 24/06/03

“Ler testemunhos de jornalistas experientes é sempre um alento, tanto para o leitor interessado nos bastidores da notícia quanto para os que se iniciam na profissão. Em Velho novo jornalismo (Códex, 224 págs., R$ 28), o jornalista Gianni Carta, há 14 anos um correspondente internacional com passagens pelas revistas ISTOÉ/Senhor, Carta Capital e pelo jornal inglês The Guardian, entre outros órgãos de imprensa, dá bons exemplos de como conseguir boas reportagens, sem cair na especialização ou parecer pedante.

O livro divide-se em temas. Em Guerreiros, aventureiros e armas, por exemplo, Carta passa com elegância dos perfis de Bob Denard, Sam Cummings e Adnan Khashoggi – os maiores negociantes de armas do chamado mercado branco – para a história do Kalashnikov, o AK47, o fuzil automático mais vendido do mundo. Em Artistas e marqueteiros, revela os encontros com o editor Maurice Girodias, que, entre outros feitos, publicou o manuscrito de Lolita de um então desconhecido Vladimir Nabokov, e com o marchand Leo Castelli, o homem que deu asas à pop art. Entre outras preciosidades, fica-se sabendo que uma obra de Jasper Johns, vendida por Castelli para uma amiga, no final dos anos 1950, por US$ 450, três décadas depois foi comprada por US$ 3,5 milhões.

São pinceladas, flagrantes precisos que transcendem o imprescindível quesito ?quem, quando, onde, como e por que??, que norteia o jornalismo. Para Gianni Carta, o ?novo? jornalismo introduzido por Tom Wolfe, Truman Capote, Norman Mailer e Gay Talese é o mesmo ?velho? jornalismo praticado por Ernest Hemingway e George Orwell, décadas antes. Eles ?recheiam páginas com imagens, impressões, análises?, diz Carta. Em outras palavras, um bom correspondente transforma em retrato o quadro abstrato que se tem de uma realidade distante.”

 

MERCADO EDITORIAL

“Por que os livros ficaram mais bonitos”, copyright O Estado de S. Paulo, 22/06/03

“Na Rua Homem de Melo, Perdizes, funciona uma pequena livraria e editora. Suas portas não ficam abertas: para entrar, é preciso tocar a campainha. Mas a livraria tem uma vitrine na qual ficam expostos 24 títulos – de 17 editoras diferentes, com mais de uma dezena de tamanhos e capas:

tradicional com orelha, sem orelha, capa dura, capa flexível, flexível com orelha, etc. Entre tantos livros, uma revista literária, Inimigo Rumor, publicada, em seu 11.? número, com capa dura – um formato que era, há alguns anos, entre obras de ficção, ?privilégio? de volumes vendidos em bancas de jornal, mas que chega agora às livrarias com acabamento muito melhor.

A variedade de formatos não é exatamente uma novidade da indústria editorial brasileira. O que fica claro é que a capacidade de aproveitar essa variedade se disseminou. Livro bonito e bem acabado também deixou de ser sinônimo de livro de arte, ao mesmo tempo em que passou a integrar o catálogo de empresas de todos os tamanhos e especialidades. O aprimoramento da qualidade dos livros e a diversificação de suas formas no País têm vários fundamentos. Desde os investimentos realizados pela indústria gráfica na compra de equipamentos, passando pela implementação de programas de qualidade, até a difusão da idéia de que o livro depende de um projeto completo, inclusive visual. Mas há outras explicações – e uma delas é econômica.

?Atribuo a melhoria do livro brasileiro, que hoje está entre os melhores do mundo, especialmente ao trabalho dos designers gráficos?, afirma Ana Luisa Escorel, autora de O Efeito Multiplicador do Design (Senac). Eles estariam atuando em duas pontas: ajudando a pensar o livro como um produto completo e criando outros padrões de exigência para o uso das máquinas do parque gráfico brasileiro. Ana Luisa identifica no trabalho de Victor Burton, nos anos 1970, na Nova Fronteira, a difusão de uma certa idéia de livro que tomou conta do mercado brasileiro. Há outros marcos, porém, lembrados por outros entrevistados para esta reportagem – a crescente ida de editores brasileiros à Feira de Frankfurt a partir dos anos 1980, o cuidado dos livros publicados pela Companhia das Letras a partir do fim da mesma década e, mais recentemente, as edições da Cosac & Naify feitas por Raul Loureiro.

Sérgio Clemente, diretor de Operações da Donnelley, uma multinacional de capital essencialmente norte-americano, instalada em Barueri (SP), diz que esse processo de evolução da qualidade das máquinas tem cerca de 30 anos. O que se faz hoje, podia, de um modo geral, ser feito já nos anos 1970. A grande diferença é que as etapas de produção de um livro foram encurtadas e alguns novos materiais – como películas de plástico que cobrem as capas – foram incorporados ao processo – e outros, abandonados. A informatização também permite que, pouco a pouco, as fases sejam encurtadas. ?Fazemos a mesma coisa que se podia fazer no passado, com materiais substitutos, num volume muito maior.? O setor gráfico tem grupos de trabalho que discutem o que é defeito, graus de variabilidade admissíveis em seus produtos e formas de monitorar a produção. Além de produzir livros melhores, esse controle pode resultar em economia, devido à redução de reparos a realizar nos livros e de volume de ?retrabalho? – ou seja, a retomada a partir do zero de toda a produção.

Sofisticação – Luciana Vilas-Boas, editora da Record, defende sempre a tese de que o mercado editorial, no Brasil, sofre menos com as crises do que outros setores da economia – e também se beneficia menos dos períodos de expansão. Isso porque seus clientes integram um grupo muito restrito, que não deixa de comprar mesmo quando a economia vai mal. ?A sofisticação do livro ocorre porque ele tem o caráter de produto para a elite; ele é feito para um público privilegiado que exige muita sofisticação – inclusive gráfica.? Para ela, a preocupação com o design gráfico aumenta a partir de meados dos anos 1980.

Sobre uma das ?novidades? do mercado – a expansão da capa dura -, ela é taxativa: ?Acho que a capa dura está entrando para justificar aumento de preço.? Vilas-Boas não é a única que acha isso. Na pequena editora paulista Hedra, a análise é parecida. A diferença é que seus sócios acham que a crise tem relação com essas escolhas. Com a retração da economia, as editoras não podem apostar em aumento de escala e de vendas para ampliar o faturamento e para pagar as contas. A saída seria, então, fazer o consumidor pagar mais pela mesma obra. A capa dura e, conseqüentemente, um acabamento mais sofisticado, permitiriam uma ampliação do preço final bem acima do aumento do custo de produção.

Teoricamente, há duas boas funções para a capa dura: proteger algo precioso ou segurar um miolo muito pesado. Nem sempre os livros que recebem esse tratamento têm esses problemas. Por outro lado, há países em que a capa dura faz parte da tradição da indústria editorial – como EUA e Inglaterra, onde os grandes lançamentos saem, em geral, com dois formatos: capa dura e tradicional. No Brasil, por enquanto, há poucos casos assim – talvez o mais significativo tenha sido uma edição de luxo, também numerada, pela Martins Fontes, de O Senhor dos Anéis, de Tolkien, junto com uma versão tradicional.

?Esse processo é deletério; parece que é legal, mas ele está deixando os livros mais caros?, afirma Iuri Pereira, um dos sócios da Hedra, que lançou também ela, recentemente, alguns livros em capa dura. Enquanto ele fala, outro sócio seu tira da estante obras francesas, com capas simples, sem orelhas, apenas com o título gravado em preto. Até agora, no entanto, há poucos sinais de fórmulas mais simples capazes de agradar a seu público.

Um caso raro foi a retirada da orelha da coleção policial da Companhia das Letras. Os editores costumam dizer que livro sem orelha enfrenta a resistência dos compradores das livrarias – que, teoricamente, encontrariam resistência a livros assim por parte dos leitores. Segundo Luiz Schwarcz, as vendas, nesse caso, subiram – é verdade que houve uma grande mudança de projeto gráfico, que incluiu a pintura das bordas das obras da coleção.”

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“Computador mudou editoras”, copyright O Estado de S. Paulo, 22/06/03

“A produção de livros sofreu um impacto radical com o avanço da computação, tanto na sua produção quanto no seu desenho. ?Os recursos que um designer tem hoje são incomparavelmente maiores; mudaram as nossas ferramentas e mudou também a linguagem?, afirma Ana Luisa Escorel, que também é dona de uma editora, a Ouro sobre Azul. Na sua opinião, os editores, pela natureza do produto, foram obrigados a encarar a questão do design, o que não teria ocorrido em boa parte das outras atividades da indústria brasileira.

Além disso, a diagramação eletrônica de livros reduziu em muito o capital mínimo necessário para abrir uma editora.

Novos equipamentos e programas favoreceram, também, o relativo sucesso das pequenas empresas do setor nos últimos anos, em que pesem as dificuldades geradas pela retração da economia, empresas que hoje têm uma entidade para representá-las, a Libre. Mesmo projetos que chamam a atenção na área, como o lançamento da editora W11 (que pretendia lançar 60 títulos neste ano), têm um investimeno inicial declarado de cerca de US$ 100 mil.

Na busca de alternativas para reduzir ainda mais custos, a Hedra trocou boa parte de seus programas de computador para o Linux, sobre os quais não é preciso pagar pelo uso. A Conrad também já havia adotado o sistema.

Outro fator que permitiu a difusão de conhecimento no setor foi a organização de ?escolas do livro?, que realizam cursos sobre a produção de livros para profissionais da área. Atualmente, há pelo menos duas em plena atividade: a Universidade do Livro, que funciona na Editora da Unesp, e a Escola do Livro, mantida pela Câmara Brasileira do Livro.”