Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luciana Coelho

BOLÍVIA EM CRISE

“TV que exibia confrontos é tirada do ar”, copyright Folha de S. Paulo, 16/10/03

“Um das únicas redes de TV na Bolívia a destacar a cobertura dos conflitos civis no país foi tirada do ar na noite de ontem. Em comunicado, a porta-voz da RDP afirmou que a rede fora tirada do ar pelo governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, alvo das manifestações que abalam o país.

Foi o primeiro caso de censura por parte do governo contra uma TV privada durante a atual crise. Na segunda-feira, sete jornalistas da TV estatal Unicom -inclusive a diretora de jornalismo- pediram demissão alegando pressão do governo. Segundo os jornalistas, eles estariam sendo forçados a não noticiar os conflitos, que já deixaram ao menos 70 mortos.

?Eles estão exibindo apenas filmes e programas estrangeiros, como se os confrontos não existissem?, disse o especialista em mídia boliviana Rafael Archondo à Folha por telefone. Segundo ele, a RDP e a Cadena A -que ontem afirmou ter tido suas antenas cercadas por militares- seriam as únicas TVs a destacar os conflitos.

?Nesses casos, não se pode falar em censura por parte do governo, mas parece haver uma decisão das diretorias em omitir os conflitos?, disse. ?A maioria dos canais se calou desde o princípio. Foi aí que entraram as rádios.?

As rádios abriram telefones e microfones a ouvintes com informações e tomaram lugar de destaque com o agravamento do conflito, no último fim de semana. Quatro delas, disse Archondo, trocaram a programação musical pelo noticiário ininterrupto.

Segundo Victor Orduno, repórter do semanário ?Pulso?, de La Paz, o trabalho jornalístico tornou-se extremamente difícil nos últimos dias. ?Em alguns lugares, os manifestantes, que não se sentem representados pela imprensa, têm submetido os jornalistas a humilhações ou os obrigado a participar das manifestações?, afirmou Orduno por telefone.

O semanário e o jornal ?El Diário? acusam o governo de esgotar seus exemplares em banca para impedir o acesso dos leitores.

Segundo a organização Repórteres sem Fronteiras, vários jornalistas bolivianos sofreram ameaças anônimas na cobertura da crise -principalmente os que trabalham em rádio. A RSF também denunciou o espancamento, pela polícia, de um repórter do ?El Diário? que cobria uma manifestação em El Alto no último dia 7. (Colaborou Fabiano Maisonnave, enviado especial a La Paz)”

“Hackers ajudaram a iludir o presidente da Bolívia”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 17/10/03

“Era só o que faltava. Hackers manipularam os resultados de uma pesquisa sobre a popularidade do presidente da Bolívia, Gonzalo Sánchez de Lozada, levando o mandatário a declarar que contava com apoio popular apesar da onda de protestos sociais que exigem sua renúncia.

O Grupo Fides, que pertence à Igreja Católica, denunciou nesta sexta-feira que a página na internet ?Fides Virtual? foi atacada por hacker que ?alteraram de forma absolutamente fraudulenta? os dados de uma pesquisa destinada aos ouvintes de sua homônima rede de radiodifusão.

Os resultados da questão ?o presidente deve seguir ou não no cargo? foram invertidos por piratas cibernéticos, criando a uma ?falsa realidade? de que dois terços da população apoiavam a permanência de Sánchez de Lozada na Presidência.

O próprio mandatário uso os números da pesquisa do Fides para justicar, em entrevista à CNN, na noite de quinta-feira, sua determinação em se manter no cargo. Na verdade, 66% dos entrevistados queriam vê-lo fora do governo.

?Lamentavelmente, talvez surpreendido em sua boa fé, o presidente divulgou dados totalmente falsos?, disse Eduardo Pérez, padre jesuíta que dirige a Fides.”

 

PORTUGAL

“Meninas do Brasil”, copyright Veja, 22/10/03

“A cidade de Bragança, em Portugal, foi sacudida na semana passada por uma indesejada notoriedade internacional: os detalhes de sua vida noturna foram expostos numa extensa reportagem de capa da edição européia da revista Time. Não se tratava exatamente de um segredo, pois a imprensa portuguesa já tinha registrado, em tom irônico, como a chegada de três centenas de prostitutas brasileiras pôs de cabeça para baixo o cotidiano do município provinciano de 27.600 habitantes. O fluxo das ?meninas do Brasil?, como são chamadas as prostitutas pelos moradores, para Bragança começou há alguns anos, mas ganhou força a partir do início de 2003. Desde então, sete casas de strip-tease e inúmeros bordéis abriram suas portas. A maior delas é a boate Top Model, que transformou seu proprietário, o português Manuel Podence, de 37 anos, na celebridade local, ao lado do prefeito. A novidade não teria transposto os limites do município não fosse a ira das moradoras. De um dia para o outro, elas perderam seus maridos para ?aquelas vagabundas?, como disse uma delas à Time. Cansadas de tanta humilhação, resolveram se organizar. Em abril, fundaram o movimento Mães de Bragança, com direito a manifesto redigido pelas líderes e encaminhado ao chefe da polícia local exigindo ?uma guerra contra a prostituição?.

Como autoridade, ele tomou algumas providências formais. Nos últimos meses, ocorreram batidas nas boates, acompanhadas de equipes de televisão e muito alarido. A atividade policial incluiu vilarejos dos arredores, onde se instalaram bordéis. A polícia não chegou a fechar nenhuma boate nem expulsou ninguém. A prostituição não é proibida em Portugal. Mesmo durante a longa ditadura de António Salazar, entre os anos 30 e 70, havia bordéis no país. ?Não é permitido, mas também não é proibido?, diz Ana Maria Rodrigues, subchefe de polícia de Bragança. O que é contra a lei é o incentivo à prostituição, crime difícil de comprovar. As prostitutas estrangeiras só podem ser expulsas se estiverem com o visto vencido – mas isso não ocorre, porque elas periodicamente cruzam a fronteira com a Espanha, que é próxima, e voltam com o visto de turista renovado. Bragança virou um pólo para o sexo pago porque o fluxo de prostitutas na Europa Ocidental se tornou tão intenso que é preciso encontrar novos mercados. Como a principal localidade da região, a cidade recebe nas boates, além de seus próprios moradores, os habitantes dos arredores, professores e estudantes da Universidade de Trás-os-Montes, viajantes e até turistas atraídos pela notoriedade decorrente do manifesto das esposas traídas. Bragança fica em Trás-os-Montes, uma das regiões menos desenvolvidas de Portugal. Até o início dos anos 90, era isolada do mundo pela falta de estradas. Seu único atrativo era o castelo construído há 800 anos, que foi a residência dos duques de Bragança. Dali saiu a dinastia que governou Portugal entre 1640 e 1910 e o Brasil até 1889. O castelo e seus arredores são hoje um dos pontos de prostituição mais movimentados.

As ?meninas? chamam a atenção da cidade também durante o dia. Elas são vistas em grupos pelas ruas de calçamento de pedras, de salto alto e roupas justíssimas. Deram novo alento econômico aos salões de beleza, aos motoristas de táxi e aos restaurantes. ?Nos dias de vacas gordas, aparecem umas dezessete ou dezoito e chegam a fazer fila?, contou uma cabeleireira à repórter da revista Time. A repórter entrevistou uma das ?meninas?, identificada como Anita, uma carioca de 25 anos. Ela conta que no Rio trabalhava de balconista num shopping center. Viajou para Paris com um grupo de brasileiras, todas com a passagem paga por Manuel Podence, o dono da Top Model. Ele as esperava na capital francesa e as levou para Bragança. Pela passagem, pelo hotel em Paris e pelo transporte para Portugal, Anita ficou devendo 2.700 euros ao dono da boate. Muitas vezes, uma prostituta leva anos para saldar um débito como esse. Anita garante ter pago tudo com o trabalho dos primeiros vinte dias. Na Top Model, tomar um drinque com uma ?menina? custa 30 euros. Por 70 euros, ou 82 dólares, ela dança seminua na mesa do freguês. Para terminar a noite no hotel o preço mínimo é 250 euros. Recentemente, Manuel Podence foi abordado por uma das esposas traídas de Bragança. Ela queria saber o que a amante do marido tinha e ela não. Com senso de humor feroz, que depois foi reproduzido pela imprensa portuguesa, o dono da boate respondeu: ?15 quilos a menos?.

A reportagem da Time irritou o governo português. Não pela situação descrita, mas pelo fato de ter fechado com a revista um contrato de publicidade para a inserção de quatro anúncios sobre Portugal e o Euro 2004, o campeonato europeu de futebol. O primeiro deles foi publicado justamente na edição que trouxe a matéria sobre a prostituição. O anúncio estampava a seguinte mensagem publicitária: ?Em Portugal, a prorrogação é sempre a melhor parte do jogo?. Ainda que não tenha sido proposital, foi impossível evitar a associação de idéias. Como anunciante, o governo português acha que deveria ter sido avisado sobre o teor da reportagem. As meninas brasileiras fazem parte da indústria global do sexo, um negócio estimado em 50 bilhões de dólares que obtém seu lucro com o tráfico de mulheres do Terceiro Mundo para os países ricos. O Instituto Europeu para Prevenção e Controle do Crime estima que cerca de 500 000 mulheres – adultas e crianças – saiam todo ano da América do Sul, África, Sudeste Asiático e Leste Europeu para o mercado da prostituição na Europa Ocidental.”