Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Luiz Antonio Magalhães

ELEIÇÕES 2002

"De vaias e aplausos", copyright Correio da Cidadania, 05/05/02

"A Força Sindical organizou na semana passada uma espécie de sabatina com os presidenciáveis que superam 5% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais. Ciro Gomes (PPS), Anthony Garotinho (PSB), José Serra (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram o tempo de uma hora para falar sobre seus projetos para o Brasil e responder às questões formuladas por jornalistas, sindicalistas e populares reunidos em uma praça pública de São Paulo.

O evento reuniu cerca de 1500 pessoas e performance dos quatro candidatos foi filmada para posterior edição de um vídeo de 3 minutos, que foi aprentada no showmício organizado pela mesma central sindical para comemorar o Dia do Trabalho na capital paulista. A festa de 1o de Maio da Força reuniu, segundo os organizadores, 1,5 milhão de pessoas.

Tudo isso saiu nos jornais. O que nenhum periódico destacou, porém, foi a reação causada pelos presidenciáveis cnas pessoas que acompanharam os dois eventos. Durante a sabatina, Serra foi vaiado ao afirmar que há remédios gratuitos no Brasil. O tucano reagiu e lembrou que os medicamentos existem, mas ?há problemas na distribuição?, o que torna difícil encontrá-los. Não convenceu e tomou nova vaia. A reação do público durantes as explanações de Ciro e Garotinho foi morna – ambos foram aplaudidos, mas não ovacionados. Lula roubou a cena, falou durante todo o tempo que teve à disposição em pé. Terminou o evento muito aplaudido: foi a vez do público ficar de pé.

Na festa do Dia do Trabalho da Força, central que apóia ostensivamente a candidatura de Ciro Gomes e cujo presidente – Paulo Pereira da Silva, o Paulinho – é cotado para a vaga de vice na chapa do ex-governador do Ceará, os vídeos foram exibidos e novamente a performance de Lula foi a mais aplaudida. Em outras palavras, para usar uma analogia futebolística, o candidato petista está abafando até quando joga na casa do adversário.

Quase toda a grande imprensa, porém, preferiu destacar outros fatos na cobertura do 1o de Maio. O helicóptero alugado pela CUT para transportar Lula nas várias manifestações organizadas pela central em São Paulo foi tema de várias reportagens, quase todas elas antipáticas ou irônicas.

Via de regra, a mídia procurou mostrar a ?moleza? que Lula teve no Dia do Trabalho. Quem se deu ao trabalho de ler essas matéiras percebeu facilmente o uso de truques antigos – mas que até hoje fazem sucesso – com o intuito de manipular os leitores. Assim, os líderes da CUT não ?responderam ou afirmaram? sobre as razões da contratação do helicóptero: eles sempre ?alegaram?, ?justificaram?, ?explicaram? o aluguel do aparelho.

Ora, Lula (ainda) não tem o dom da ubiqüidade e jamais poderia participar de eventos em locais tão distantes como Itaquera, Campo Limpo e Santo André em uma mesma tarde, a menos que utilizasse a aeronave, meio de transporte, aliás, comumente utilizado pela prefeita da capital e pelo governador do Estado em seus deslocamentos.

Para a grande imprensa, porém, esta óbvia constatação não vale: é preciso mostrar que Lula ?abusou? e os sindicalistas, também. Mesmo que todos – Lula, que vôou de helicóptero, e as lideranças, que pagaram o aluguel da aeronave – tenham tranquilamente respondido às provocações dos repórteres (devidamente pautados por seus editores), o que saiu no dia seguinte foram as ?explicações?, ?justificativas? e ?alegações? dos ?envolvidos?. Enquanto isso, José Serra apenas ?provocou polêmicas? ou ?foi contestado?. Essa campanha promete."

 

"Serrando aos pouquinhos", copyright Comunique-se, 5/5/02

"Ainda que não levando fé na elite brasileira, fiquei besta com o comportamento dos meios de comunicação do Bananão diante dos relatórios dos bancos estrangeiros que recomendavam aos investidores para não botar o rico dinheirinho aqui porque o Lula estava crescendo nas pesquisas de intenção de votos. Esses relatórios são emitidos pelos bancos de mês em mês ou bimestralmente. Normalmente, são guias razoáveis quando se trata de questões econômicas, embora estejam longe de serem infalíveis, como se viu no caso nas crises da Ásia e no golpe da Enron. Quando o assunto é política brasileira, porém, os analistas gringos não entendem nada de nada e mostraram isso novamente desta vez: Lula cresceu nas pesquisas, mas estamos há cinco meses da eleição e a campanha só vai começar mesmo após a Copa, lá pra início de julho, com a fase aguda só em agosto, após o início da campanha para a TV.

Que os gringos se enrolem e não vejam estas obviedades, tudo bem. Mas o que explica os jornais e TVs terem dedicado tanto espaço a uma bobagem dessas?

Bom, não creio que seja para bombardear a candidatura Lula. Afinal, este tipo de terror tem efeito pouco duradouro e por isso só é usado normalmente lá por meados de setembro, como aconteceu em 98 (você lembra: se o Lula fosse eleito, o Plano Real iria abaixo, pois ele desvalorizaria a moeda, mandando a inflação para o espaço. No fim, FHC se reelegeu, desvalorizou a moeda, a inflação não explodiu a custa de recessão e o Real acabou mesmo). Por então teria sido usado agora?

Como o problema não é o Lula, só pode ser o Serra. Turrão, sem carisma e paranóico (o que, como você sabe, considero uma qualidade), o pré-candidato tucano à Presidência está encontrando dificuldades para decolar na campanha à Presidência. Ao botar aquelas bobagens dos bancos estrangeiros em cartaz a idéia dos barões da mídia, em minha algo psicótica avaliação, foi dar um ? dá ou desce? no candidato, no governo e, principalmente, em alguns setores do empresariado que já andam admitindo que o Lula não é um cão hidrófobo que se deve abater a qualquer custo. Está na hora de empurrar o Serra pra cima ou então chutá-lo de vez para escanteio, pois não dá pra perder para aquele barbudo agora, na última vez em que ele poderá concorrer com chances de vencer. Com ele derrotado pela quarta vez, o PT terá que arranjar outro candidato que só se tornaria competitivo (se um dia o fosse) lá para 2010.

? Você está querendo dizer que os donos dos meios de comunicação estão com essa bola toda??, perguntará você. Estou, respondo eu. E não é de agora, mas de uns 10, 12 anos para cá. Antes desta época, os barões midiáticos faziam parte da elite oligárquica brasileira, mas não eram os quadros dirigentes principais. Esta realidade mudou após a ditadura que manteve as oligarquias regionais mais atrasadas, mas tratou de unificar o país reforçando as oligarquias urbanas e industriais para contrabalançar o poder daquelas. Dentre estas oligarquias, a que ganhou maior força foi a dos barões da mídia, e entre elas o clã dos Marinho. A família pôde construir o Império de comunicação em troca da sustentação – afinal, era preciso afinar o discurso em um país ainda não muito interligado – por parte dele do projeto de modernização-conservadora que se desencadeou após 64

Com o projeto executado, a ditadura já não valia de nada e uma democracia formal, dirigida politicamente pelas velhas oligarquias (que afinal já estavam mesmo no aparelho de Estado), mas como a direção hegemônica das novas, era o que mais convinha à continuação do quase (na época) cinco vezes centenário negócio de ?mineirar? o Bananão. Mas eis que o Tancredo Neves comete a suprema indelicadeza de morrer naquele momento, deixando a gerência nas mãos incompetentes de José Sarney. Este fez com que o sistema fosse para o buraco de tal forma que as oligarquias tiveram que apelar para um representante de segunda divisão como Collor de Mello. Deu no que deu.

Com a deposição do primeiro Fernando, as velhas oligarquias viram-se de repente sem quadros de peso e tiveram que ceder até a gerência do Bananão para as oligarquias urbanas, comandadas pelos barões da mídia. Foi essa fração da oligarquia que, sob a liderança de Roberto Marinho, pôs para andar um novo projeto de modernização, desta vez de cunho completamente internacionalizante, baseado no Consenso de Washington (aquele que, grosso modo, diz que fora do regime capitalista da produção de bens só existe fogo e enxofre), e destinado da detonar as velhas oligarquias regionais.

Para gerenciar a primeira – e essencial – parte do projeto foi cooptado um quadro da esquerda também chamado Fernando (a ironia certamente não passou despercebida), que foi bem até o momento em que realmente teve que tomar decisões de gerência. Neste momento, meteu os pés pelas mãos e acabou por botar o patriciado brasileiro mais ou menos na mesma posição que estava em 89 e 94: no mato, sem cachorro, ao anoitecer.

A solução foi cooptar um sujeito menos confiável que o FHC, mas, ainda assim, pelo menos com ?afeições eletivas? com o lado paulista do patriciado (que o diga Ricardo Sérgio). O raio é que o sujeito está se mostrando mais pesado que a encomenda e bateu a paúra de que não dê para ser carregado até o fim. Assim, decidiu-se que era hora de usar a arma do terrorismo econômico para ver se pelo menos o pré-candidato ganha um gás. Se não inflar agora, ainda haveria tempo de tentar-se, mesmo meio desesperadamente, um Tasso Jereissati ou mesmo um Aécio Neves (embora esse fosse um quadro para ser guardado por mais uns quatro ou oito anos).

Qualquer que seja o resultado desta operação que ainda está em curso, já está sendo ensaiado até um novo tipo de terrorismo, o político, para reforçar o outro. Ele pôde ser visto nas matérias publicadas na quinta da semana passada, tanto no Valor quanto na Gazeta, com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen. O Alemão afirma que Lula poderia iniciar uma auditoria no governo FHC e por isso há até a idéia de criar o cargo de senador vitalício para os ex-presidentes, a fim de que ele ganhasse imunidade. O recado, pois, é claro ao distinto público leitor dos dois diários econômicos: FHC e seu grupo político estaria a salvo dos resultados das auditorias, mas as empresas deles não. Mas isso é história para mais adiante.

Picadinho

E agora? – O Big Brother Brasil 2 deve começar em 14 de maio, mas até agora só foi vendida uma cota de patrocínio; o Hipertensão acabou e só vendeu uma; o Fama já entrou no ar e até agora nada de alguém se coçar para veicular anúncios. Quero ver como Dona Marluce explicar aos acionistas…

Sorvedouro – Já escrevi no blog, mas vale a pena repetir aqui. Desde o dia 16 de abril, quando entrou no Novo Mercado da Bovespa, a Globo Cabo (que mudou o nome para NET) perdeu R$ 393 milhões em valor de mercado. Se você só lê, vê ou ouve veículos do Império não soube disso.

A esperança…- é a penúltima que morre, porque irá antes do Roberto Marinho. Só que tem gente que não enxerga a verdade (a de que ele vai nos assombrar até os 150 anos no mínimo) e agora botou para circular na Rede um emeio hilário dando conta que o Imperador morreu em outubro e teria sido enterrado no São João Batista sob o nome de Ricardo de Oliveira Malta no mausoléu da ABL. A informação é atribuída a um incerto diretor da Globo recém-demitido. Nem duvido de que exista mesmo um decujus enterrado no São João Batista com aquele nome, mas o que desmascara mesmo o emeio é aquele final característico de corrente – ?Repasse este e-mail para quantos você achar que devem tomar conhecimento deste fato? – como se alguém precisasse de incentivo para espalhar a fofoca. De qualquer maneira, seria de bom alvitre o pessoal do RP do Império arranjar uma daquelas visitas de cônsul ao Globo para tirar uma fotinho do velho e mostrar que ele ainda está por aqui…

?Sentimental eu sou…? – Jornalista reclama de tudo, como você sabe. Primeiro, reclamava da burocracia do Comunique-se para se inscrever e ler a Coleguinhas, que, ainda por cima, estaria muito boazinha com Deus e o mundo. Eu botei o blog no ar e acabei com a Coleguinhas Por Mail, que estava me dando um trabalhão. Aí malandro/a começou a reclamar que não dava pra lembrar de acessar o blog todo dia, que não a vida está um inferno com esta falta de tempo, que a CPM faz falta, blábláblá…Tudo bem! Tá bom! A CPM vai voltar! Usarei o yahoogrupos – que tem uma burocracia bem pequena pra inscrição, reclame com eles -, mas só vou mandar a primeira edição depois que o número mínimo de 61 inscrições for atingido. Por que 61? Porque é exatamente 10% do número de assinantes que a CPM tinha quando desencarnou. Para quem quiser se inscrever (é, mesmo quem estava inscrito antes vai ter que se recadastrar), é só mandar emeio para cpm@coleguinhas.jor.br. Ah! E só pra não deixar você triste, já dou um novo motivo de reclamação: quando a CPM começar a circular, este Picadinho aqui toma o caminho da roça, ok?"

"Serra e as pesquisas", copyright Folha de S. Paulo, 3/05/02

"Em geral, a compartimentalização da cobertura cria dois problemas para o jornalismo econômico e para o político. Para o econômico, o fato de muitas vezes não avaliar adequadamente as implicações da política na economia. Para o político, o fato de não pesar as consequências da economia sobre a política.

Tome-se o caso da candidatura José Serra. Atribui-se sua estagnação nas últimas semanas à crise com o PFL, à presumível falta de carisma de Serra -como se FHC fosse carismático-, ao episódio Lunus etc., à sua falta de simpatia, que era a mesma quando estava mais bem colocado nas pesquisas.

Se se incluíssem fatores econômicos recentes, o quadro ficaria um pouco mais compreensível, porque é nesse campo que ocorreram mudanças significativas, com reflexos inevitáveis sobre o quadro político.

Primeiro, uma deterioração das expectativas econômicas, fato que começou a ocorrer há um mês. A economia não reagiu da forma como se previra no início do ano. Pensava-se então que, com as condições macroeconômicas favoráveis, as exportações estimulariam a atividade econômica. Esse processo começa a ocorrer, mas de forma muito lenta e só será perceptível a partir de meados do ano ou até um pouco depois, a julgar pelas últimas pesquisas da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

As razões são variadas. A crise argentina tirou US$ 2,4 bilhões da economia no primeiro trimestre -US$ 1,5 bilhão pelo não-pagamento e US$ 900 milhões pela redução de exportações.

Apesar do enorme otimismo em relação à recuperação das economias norte-americana e européia, houve queda geral das exportações, mesmo descontando o fator argentino, tanto na quantidade exportada como nos preços obtidos. De outro lado, houve retenção das vendas de soja, com os agricultores aguardando melhoria das cotações ou do câmbio.

Houve também o movimento de apreciação do real, que reduziu as vantagens comparativas das exportações brasileiras. Além da manutenção de juros elevados pelo Banco Central e do aumento dos ?spreads? bancários.

Mesmo em um cenário mais otimista, não se esperava o aumento do emprego ainda no primeiro semestre. Com tudo correndo bem, a recuperação se daria a partir de meados do ano.

O que vem ocorrendo até agora é o aumento da inadimplência e do desemprego, com reflexos inevitáveis na imagem do governo como um todo. Tanto assim, que as últimas pesquisas revelaram não apenas queda de Serra, mas da popularidade de FHC que, um mês atrás, estava em alta.

Por isso mesmo, não se podem analisar as pesquisas de hoje como definitivas. Todo movimento de opinião pública, tanto nos mercados como na política, são pendulares. Nos momentos de pessimismo, tende-se a potencializar todos os fatores negativos. Depois, ocorre um movimento qualquer, que deflagra a volta do pêndulo.

Nos últimos tempos, o episódio que deflagrou a reavaliação positiva do governo FHC foi a morte política dos coronéis. Aí o movimento tende a extrapolar no sentido inverso, exagerando nos feitos do governo, até levar a uma nova reversão.

A reversão atual foi fruto dos problemas da economia, às quais se somaram dois episódios politicamente desastrosos: um desastre real -a solução da crise energética, punindo os consumidores que economizaram- e uma crise superdimensionada do setor de telecomunicações, a partir de uma interferência desastrosa do Banco Central.

São esses os fatos que conspiram não só contra Serra mas contra qualquer candidatura oficial. E que podem ser revertidos, se a economia se recuperar no segundo semestre."