MONIQUE EVANS
“A apresentadora certa na hora certa”, copyright O Estado de S. Paulo, 13/10/02
“Nos anos 60, Leila Diniz consolidou seu mito de mulher libertária ao dar uma histórica entrevista no Pasquim. O jornal praticava, então, uma política de resistência ao regime militar. Leila falou livremente sobre sexo, expondo o ponto de vista da mulher liberada. A entrevista, recheada de palavrões, foi censurada, claro. E saiu cheia de asteriscos, de três pontinhos, que eram as formas que o Pasquim usava para escancarar o fato de que havia sido censurado. (O Estado, que levou uma árdua batalha contra a censura, usava Os Lusíadas, de Camões, para denunciar o fato.) Por que lembrar essas coisas? Por causa do programa de Monique Evans na madrugada da RedeTV!
Leila, Dercy Gonçalves. O público brasileiro adora essas mulheres desbocadas. E adora porque há nelas uma qualidade peculiar: não são vulgares. Quer dizer, vulgares são, no sentido de que não poderiam ser consideradas finas, mas são fundamentalmente autênticas. Não ofendem o decoro familiar. Monique Evans tem um pouco dessa qualidade. O programa dela é inacreditável. Poderia ser Na Cama com Monique Evans, como era no canal Shoptime, mas o nome é Noite Afora. Até por ser de madrugada, para público adulto, promove discussões que beiram o nonsense. O tema é, quase sempre, o sexo, até porque o patrocinador (ou um dos patrocinadores…) é uma dessas empresas que ajudam as pessoas, leia-se os homens, a resolverem seus problemas de sexo.
Monique é uma figura. Criou sua persona à base de uma elefantíase do sexo.
Converteu-se, virou crente, mas não carola, daquelas que tentam apagar o passado. Monique continua convencida de que sexo é bom, faz parte da natureza humana e ajuda as pessoas a serem mais felizes. Seus temas são a ejaculação precoce, a prótese peniana e por aí afora. Pode parecer o fim, mas é divertido e isso por causa de Monique, que é capaz de dizer as maiores barbaridades com uma inocência digna de freirinha em convento.
E o assunto de que ela trata atinge a humanidade inteira. É sério, por mais gracinhas que se façam sobre essa parte tão íntima da anatomia masculina.
Monique talvez ainda não tenha sacado, mas há um grande gancho para as suas conversas informais na madrugada. É o livro Uma Mente Própria, do jornalista americano David M. Friedman, que acaba de ser lançado no País pela Objetiva.
Um crítico já disse, e acertadamente, que Friedman escreveu uma história cultural da genitália masculina, tratando da relação dos homens com essa parte deles que, às vezes, parece ter identidade própria (uma mente própria, como diz o livro, capaz de agir e pensar sozinha). O livro não é para crianças, o programa muito menos, mas seria fácil descartá-lo como ofensivo.
Além de a apresentadora ser boa, ele passa na madrugada, num horário que mantém a inocência das crianças a salvo. Há coisas muito mais escabrosas sendo veiculadas nas Hebes, nas Adrianes, nos Gugus e nos Lucianos, em horários mais amenos. E, depois, no País em que o Big Brother 2 teve ótima audiência sugerindo (ou mostrando) o que rolava entre Jefferson e Tarciana sob o cobertor – na Globo, a número um! -, seria cinismo bancar o moralista com Monique. Como disse Jesus, em defesa de Madalena, quem estiver isento de pecado que atire a primeira pedra.”
ENTREVISTA / DÊNIS MUNHOZ
“?A Record não faz apologia a religiões?”, copyright O Estado de S. Paulo, 13/10/02
“Até onde vai a influência ideológica da Igreja Universal, proprietária da Rede Record, na programação? A saída de Amaury Jr. do ar foi a gota d?água para reacender essa discussão.
Em entrevista ao Estado, o vice-presidente da Record e integrante da cúpula da Universal, Dênis Munhoz, argumenta que a emissora não faz censura interna. Apesar da freqüente presença do bispo Marcelo Crivella na programação comercial da emissora, Munhoz diz que a Record não faz apologia a religião alguma – ?nem à evangélica? – para justificar o veto a certas músicas na programação.
Estado – Desde a saída de Amaury Jr., a Record tem sido acusada de censura interna, ditada pelos bispos da Igreja Universal. Isso existe?
Dênis Munhoz – Não existe censura. O que existe é que a Igreja Universal é um cliente muito importante da Record, que usa uma boa parte da programação e paga por isso. Há também um acionista, o dono, que é um bispo da Universal. A gente deve dividir bem: uma coisa é censura, outra é o que nós proibimos, que é a apologia a qualquer tipo de religião. Isso realmente não toleramos.
Estado – O fato de músicas do Roberto Carlos estarem proibidas na Record tem a ver com o veto a temas religiosos ?
Munhoz – Nesse caso, não. Recebemos um comunicado da Sony, que toda execução das músicas do Roberto deveria ser comunicada antecipadamente à gravadora. Como é uma burocracia grande, optamos por não executar as músicas dele. Não houve censura.
Estado – E no caso da Ivete Sangalo, que veio ao programa de Adriane Galisteu e foi impedida de se apresentar porque a letra cita termos do candomblé?
Munhoz – Se nessa música realmente tem esse tipo de apologia à religião, provavelmente deve ter ocorrido (o veto).
Estado – Afinal, por que o programa do Amaury Júnior foi tirado do ar?
Munhoz – Não posso falar sobre isso, pois o caso está sub júdice.
Estado – Artistas foram proibidos de usar medalhinhas de santos na Record?
Munhoz – Claro que não. Em um almoço que fizemos com os artistas, há um mês, a Claudete Troiano nos revelou que apresentou o programa aqui na Record, durante dois anos, com uma medalhinha de uma santa no braço, e nunca reparamos. Ela pensava que teria problemas com isso. Não podamos nada.
Estado – Nem convidados? Por que o padre Marcelo nunca veio à Record?
Munhoz – Não há restrições desse tipo, muito pelo contrário. Quando convidamos o d. Claúdio Hummes, da Igreja Católica, para participar do programa do Boris, quem demorou a responder foi ele. Depois, quando aceitou, pediu que as perguntas fossem enviadas com antecedência. Aí, houve uma restrição, mas por parte da Igreja Católica, não nossa. Quanto ao padre Marcelo, não existe censura prévia a ninguém, o que existe é censura prévia à apologia de religião.
Estado – Isso vale também para a religião evangélica?
Munhoz – Até para a evangélica. Se o próprio acionista da Record, que é bispo da Universal, não pede para ser feita apologia à Universal, não tem lógica fazer apologia a outras religiões.
Estado – A Record tem um manual que regulamente a conduta da programação?
Munhoz – Não existe nenhum documento oficial, existe o bom senso entre a direção da casa, os diretores e os apresentadores. Nunca impusemos nada, gostamos de examinar as pré-pautas do programas, simplesmente, para saber o que estamos colocando no ar. Isso acontece em qualquer canal.
Estado – Mas existe um comprometimento de vocês com o seu público, grande parte, fiéis da igreja Universal?
Munhoz – Nosso compromisso é com a família, independentemente da religião. Você pode ser até ateu, mas isso não quer dizer que vai gostar que seu filho de 4 anos veja uma mulher sem roupa à tarde na TV.
Estado – É daí que vem aquele comunicado que a Record colocou no ar, cobrando qualidade das concorrentes?
Munhoz – Essa foi uma decisão da direção. Exigimos esse posicionamento, pois fomos chamados em Brasília por causa de filme que exibimos às 20 horas, que teoricamente deveria ter sido exibido às 21 horas. Um filme que não tinha nada, nem sexo nem drogas, ao passo que outras emissoras colocam ensaios fotográficos de mulheres nuas todos os dias, sem que nenhuma providência seja tomada.
Estado – Você acha que a Record conseguirá livrar-se do estigma de ser a TV do Bispo?
Munhoz – Eu não consigo ver esse estigma. O pessoal fala que isso existe porque é um bispo que é presidente da rede. Mas, se analisarmos a programação, veremos que não existe nenhuma associação com a Igreja. Nossa programação comercial vai das 7h30 e até a 1h da madrugada. De madrugada, várias emissoras estão locadas pela Igreja evangélica, não é só a Record. A Band, a Rede TV!, a Gazeta têm programação evangélica até durante o dia. É engraçado como se referem à Record, como a emissora do Bispo Macedo, mas ninguém fala que a Globo é a emissora do católico Roberto Marinho. Mas, tudo bem, a gente já está acostumado a apanhar.”