Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luiz Garcia

ROBERTO MARINHO (1904-2003)

"O jornal como grande agente da educação nacional", copyright O Globo, 8/08/03

"Roberto Marinho era amigo de meus pais e devo a ele um emprego indispensável em hora de grande aperto. Eu o admirava por isso. Ele editava um jornal que, dizia-se na minha turma, parecia amigo de todos os ricos, principalmente dos americanos ricos. Eu o olhava atravessado por isso.

E mais: Roberto Marinho fora criado num ambiente ítalo-brasileiro de rígida moral. O que não o impedira de praticamente salvar a vida do mais maldito dos dramaturgos brasileiros, o tísico Nelson Rodrigues.

Aos poucos o leitor, o intelectual e o jornalista foram descobrindo que a abundância de paradoxos não denunciava contradições; antes, como o tempo aos poucos foi provando, revelava lucidez e imaginação em graus pouco encontradiços na primeira metade do século passado. E uma forte paixão pelo trabalho: ?…Jornalista por escolha e por destino, vedes em mim o título de que mais me orgulho… toda uma vida dedicada à imprensa… Compreendo… que o jornal é o grande agente da educação nacional?.

É provável que Marinho tenha sido o primeiro grande jornalista a descobrir a vocação do veículo para o serviço ao cidadão e para a educação da sociedade.

Outros, antes e depois dele, enfatizaram uma suposta missão da imprensa de produzir a transformação social. Em meados do século passado, ele deve ter sido dos primeiros, e não apenas no Brasil, a procurar mostrar a variedade de caminhos, em vez de apontar uma única opção.

Nada foi tão simples como parece ser aqui descrito: profundas e bruscas transformações políticas e sociais, em todo o mundo, freqüentemente levavam os meios de comunicação a se entregarem mais ao proselitismo do que à educação. De qualquer forma, com avanços e recuos – tornados mais dramáticos e perigosos quando a mídia se tornou, além de impressa, eletrônica.

Na travessia das décadas de profundas transformações sociais e de uma maré de guerras, localizadas e generalizadas, a mídia total mantinha, aos olhos de Roberto Marinho, a meta de simultaneamente seduzir o leitor (porque sempre será uma atividade industrial e comercial, comprometida com o lucro) e prestar-lhe serviços indispensáveis – porque também sempre será uma obra pública.

Passaram-se mais de 40 anos. Ao vê-lo morto, velado com serena tristeza por d. Lily, carinhosamente visitado pela secretária e pelo motorista há muito aposentados, assim como pelos presidentes da República, do Senado e da Câmara, o espectador é forçado a reconhecer como era peculiar esse poderoso ator que detestava a boca de cena.

Mas não é possível negar ao leitor dados de sua vida fora do palco.

Roberto Pisani Marinho nasceu em 3 de dezembro de 1904, no Rio de Janeiro. Foi o primeiro dos cinco filhos de Irineu Marinho Coelho de Barros e de Francisca Pisani Barros Marinho. Seu pai, jornalista renomado, fundou os jornais ?A Noite?, em 1911, e O GLOBO, em 1925.

Fez seus estudos nos colégios Paula Freitas, Anglo Brasileiro e Aldridge, no Rio de Janeiro. É doutor honoris causa pelas universidades de Brasília, Federal de Uberlândia, Federal do Rio Grande do Norte e Gama Filho. Em 1993, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 3 (cujo patrono é o historiador Francisco Varnhagen). Foi uma eleição relâmpago; em 15 minutos seu nome foi escolhido para substituir o companheiro de TV GLOBO Otto Lara Resende. Recebeu incontáveis prêmios, condecorações, títulos nacionais e internacionais pela sua atuação como jornalista e empresário.

Em dezembro de 1945, Roberto Marinho se casou com Stella Goulart Marinho, com quem teve quatro filhos: Roberto Irineu, Paulo Roberto (falecido em 1970), João Roberto e José Roberto. Tem 11 netos (Maria Antonia Marinho, Roberto Marinho Neto, Stella Marinho, Rafael Marinho, Rodrigo Marinho, Paula Marinho, Luiza Marinho, Flavia Marinho, Paulo Marinho, Isabela Marinho e Ignácio Marinho) e cinco bisnetos (Pedro Marinho, Rodrigo Marinho, Viviane Marinho, Sofia Marinho e Felipe Marinho). Roberto Marinho deixa viúva Lily de Carvalho Marinho."

 

"A morte do dono do poder", copyright Carta Capital, 11/08/03

"O presidente Lula decretou luto oficial por três dias. A Seleção Brasileira de futebol, no Pan-Americano, fez silêncio. O Congresso trancou a pauta para as homenagens e o mundo empresarial mobilizou-se. Sua história ocupou rádios, páginas dos jornais, e telejornais. Na quinta 7, por 95 vezes o Jornal Nacional citou Roberto Marinho nominalmente. O empresário foi tema de Norte a Sul do País, a partir da noite de quarta-feira 6, quando se divulgou a notícia de seu falecimento.

Embora quase sempre de maneira acrítica, o espaço dedicado à morte revela a dimensão de um dos homens mais poderosos da história do Brasil moderno.

Aos 98 anos, uma trombose, segundo as informações oficiais, provocou um edema pulmonar fatal. Por volta das 14 horas, Marinho foi levado ainda com vida para o Hospital Samaritano, em Botafogo. Os médicos tentaram, sem sucesso, uma cirurgia para a retirada do coágulo.

?O Brasil perde um homem que passou a vida acreditando no Brasil. Roberto Marinho veio ao mundo a serviço. Quase um século de vida dedicado à comunicação, à educação e ao futuro do Brasil?, lamentou Lula, em nota oficial, sem adjetivos encomiásticos.

O presidente cancelou os compromissos em Brasília e deslocou-se para o velório de Roberto Marinho, no cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro, acompanhado do vice-presidente, José Alencar, de vários ministros e dos presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara, João Paulo Cunha.

Marinho – e todo o seu império de jornais, rádios e televisões – foi um dos grandes obstáculos na caminhada de Lula em direção ao Planalto. Adversário duro de tudo aquilo que julgasse uma ameaça a seus princípios e interesses, tinha a coragem de não escamotear suas posições. Foi assim, em 1989, quando, com a ajuda da TV Globo, Fernando Collor venceu Lula. Três meses depois da posse do novo presidente, registrou sua posição, com a frase eufórica resgatada pela Folha Online:

?Fiquei tão contente com a vitória do Collor sobre Lula que ainda não tive tempo de ficar descontente com o Collor?.

Era ideologicamente contra as propostas que o candidato do PT propagava naquela eleição. Sua posição não era fruto do preconceito do diploma, que outros manifestavam ou camuflavam. Sobre isso, mandou uma carta aberta ao candidato derrotado, na qual, após narrar parte de sua origem de família modesta, concluía:

?Não tivesse a vida de meu pai florescido com extraordinário êxito, produto de um talento e de uma coragem que se refletiram na criação do vitorioso vespertino A Noite (…) e eu poderia ter tido por destino ser, com muita honra, um colega do operário Lula?.

Marinho, ao contrário, ficou no pólo oposto ao de Lula. Sua fortuna pessoal, calculada em US$ 1 bilhão, o incluiu no ranking dos homens mais ricos do mundo, de acordo com a revista Forbes.

Roberto Marinho nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 3 de dezembro de 1904. Era filho de Irineu Marinho Coelho e de Francisca Pisani Barros. Seus irmãos Rogério e Ricardo também se dedicaram ao jornalismo à sombra do irmão mais velho.

Depois de ter fundado A Noite, em 1911, Irineu Marinho fundou, em 1925, o vespertino O Globo. Morreu apenas 21 dias após o lançamento do novo jornal. Roberto Marinho, então com 21 anos incompletos, recusou-se a dirigir o diário. Entregou o comando a Euricles de Matos e enfiou-se redação adentro para conhecer as entranhas do empreendimento.

Foi repórter e copidesque. Somente em 1931, com a morte de Euricles, assumiu a direção de O Globo e imprimiu a característica definitiva do jornal que o historiador Fernando Latteman-Weltman, da Fundação Getúlio Vargas, identifica como sendo de ?conservadorismo pragmático?, que ora o põe ?a uma certa eqüidistância entre as facções?, ora o engaja abertamente ?ao lado dos pólos mais conservadores do espectro político-ideológico?.

O embrião do império de comunicação que montaria ganhou a primeira ramificação em 1944, quando inaugurou a Rádio Globo. Apoiou a deposição de Getúlio Vargas, em 1945, e a eleição de Eurico Gaspar Dutra, para presidente, naquele mesmo ano. Ficou contra a volta de Vargas ao poder, nas eleições de 1950. Demonstrava grande simpatia pela UDN, a quem dava apoio editorial em O Globo.

Assim, fiel aos udenistas, apoiou a candidatura de Juarez Távora contra Juscelino Kubitschek, em 1955. Ficou com Jânio Quadros, em 1960. Com a renúncia do presidente, aliou-se aos militares mais duros contra a posse do vice-presidente João Goulart. Derrotado, manteve ferrenha oposição ao programa de reformas de base porque via nelas ?a comunização? do Brasil.

Marinho sofreu oposição radical e preconceituosa de Assis Chateaubriand. Dono do império dos Diários Associados, Chatô era uma espécie de Roberto Marinho sem nenhuma elegância, em um país que, dos anos 50 a meados dos 60, tinha regras muito mais frouxas para os donos do poder.

Chateaubriand, ao contrário de Marinho, chutava no baixo-ventre e lançava mão de todas os palavrões do vernáculo contra os adversários. Principalmente, se visualizava neles – como visualizava, por exemplo, em Roberto Marinho – um adversário que pudesse destroná-lo.

Como se pressentisse o fim de uma era, Chatô capitaneou a campanha contra a associação de Marinho com o grupo norte-americano Time-Life, em 1965, que injetou milhões de dólares nas Organizações Globo e consolidou a posição empresarial do grupo. A boa relação com os militares apenas fez confirmar as suspeitas do dono dos Diários Associados, como registra o jornalista Fernando Moraes na biografia Chatô, o Rei do Brasil: ?No começo de 1967, quando faltavam 15 dias para transferir o governo, o ainda presidente Castello Branco baixou o Decreto-Lei 236, que parecia redigido de encomenda. Castello limitou a cinco o número de estações de televisão que poderiam pertencer a um mesmo grupo privado. Naquela data, começava a desmoronar a Rede Associada de Televisão, cujo prestígio e poder seriam ocupados, anos depois, exatamente pela Rede Globo de Televisão?.

Sobre as cinzas do império do rei Chatô nasceu o império de Roberto Marinho.

O dinheiro do Time-Life, o anticomunismo, o apoio aos militares e, sem dúvida, trabalho e competência, firmaram a ascensão de Roberto Marinho. Sua convivência com o autoritarismo militar não foi inteiramente tranqüila, por mais que ele desse apoio ao regime. O Dossiê Geisel, do Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea (CPDoc), da Fundação Getúlio Vargas, mostra um desses momentos.

Em 1975, Marinho quase sentiu os efeitos do remédio usado contra Chateaubriand. O então ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, argumentava com o mesmo Decreto-Lei 236 que Marinho poderia chegar ao ?monopólio da opinião pública?. Por isso, não deveria receber novas concessões.

O empresário buscou a ajuda do general Golbery do Couto e Silva. Segundo relatório oficial do então ministro da Justiça Armando Falcão, Marinho falou ?do constante apoio que vinha dando ao governo? e argumentava que precisava crescer ?sem restrições?, pois o comportamento da Rede Globo o fazia merecedor ?de atenção e favores especiais do governo?. Chegou mesmo a ameaçar vender a Globo caso não fosse atendido.

Nesse sentido, foi atendido e continuou atendendo. O regime gostava dele. Em 1972, o então presidente general Garrastazu Médici regozijava-se: ?Sinto-me feliz todas as noites quando assisto ao noticiário. Porque, no noticiário da Globo, o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz?.

Os meios de comunicação de Roberto Marinho só aderiram à campanha das Diretas Já quando a omissão ameaçava o patrimônio. Foi alertado que já havia reflexos no faturamento do grupo. Só então abandonou o compromisso firmado com o chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu, que o havia convencido de que ?a campanha era nociva ao governo do presidente João Baptista Figueiredo e, portanto, ao bem-estar nacional?, conforme conta o jornalista Mario Sergio Conti, no livro Notícias do Planalto.

A ditadura acabou e Marinho pressentiu, na imagem jornalística das Organizações Globo, o peso dos compromissos políticos que assumiu. Foi preciso, então, buscar um profissional afinado com ele, mas de inegável competência profissional. Evandro Carlos de Andrade, sem tirar o timbre conservador de O Globo, imprimiu qualidade profissional ao jornal e, lentamente, promoveu sua abertura política. Lenta, gradual e segura, como o processo de redemocratização do País.

Na reta final da vitoriosa jornada de vida, Marinho sabia que, da sua biografia jornalística e empresarial, nasceram bons e maus frutos. O trecho de uma entrevista dele, apresentada pela Globo, na noite em que faleceu, faz justiça à sua inteligência e perspicácia.

?Não sei se sou conseqüência de minhas virtudes, que os meus amigos reconhecem, ou dos meus defeitos apontados pelos que me desconhecem?, avaliou.

Marinho, como qualquer mortal – ou mesmo para os ?imortais?, como ele, integrantes da Academia Brasileira de Letras – foi resultado de defeitos e virtudes. Nem todos os defeitos eram provenientes de posições políticas nem todas as virtudes originárias de seu sucesso empresarial.

Afinal, o mercado olha com preocupação o desfecho da crise que abala o império que Marinho deixou para os filhos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto. Uma dívida aproximada de US$ 1,5 bilhão. Os credores inquietos. E pouco sucesso nas ações tomadas para debelar o problema. O banco Blackstone, por exemplo, contratado há seis meses para renegociar parte da dívida da Globo no exterior, não obteve sucesso até agora.

O endividamento, que o mercado atribui ao chamado ?efeito Gustavo Franco? – a artificial paridade do real com o dólar -, quando jorrava empréstimo fácil do exterior, já não deixa muito tempo para adiar soluções. Com as empresas em dificuldades, a sobrevida de algumas está ameaçada. A associação com os americanos na Globo-Cochrane pode acabar com a venda da gráfica.

Já com a saúde abalada, Roberto Marinho não acompanhou de perto a dimensão do problema que, pela gravidade, permite afirmar: se ninguém antes dele reuniu tanto poder no Brasil, ninguém depois dele reunirá poder igual."

 

"A tarefa da terceira geração é a de superar o superpai", copyright Valor Econômico, 8/08/03

"?Como outros RMs, ele construiu um conglomerado de comunicação, mas num país pobre.?As ações que se ligam à sua carreira são muito claras: verticalização, integração, exportação e modernização

Foi-se mais um RM dos três RMs que dominaram a mídia: Robert Maxwell, Roberto Marinho e Rupert Murdoch. Houve um tempo em que, para mandar nas comunicações, era necessário ter R e M nas iniciais.

Com a morte de Roberto Marinho sobra o último RM, Rupert Murdoch, considerado maior do que o Cidadão Kane – e Murdoch, ainda por cima, é sócio da holding de Roberto Marinho no negócio de televisão por satélite no Brasil. O outro RM, Robert Maxwell, morreu num episódio esquisito em 1991, quando caiu de seu barco no Mediterrâneo. Pode ter sido suicídio. Estava quebrado.

Como os outros dois, Roberto Marinho construiu um conglomerado de empresas de comunicação com a diferença de que o fez num país pobre, no chamado terceiro mundo, e depois as fez crescer num país em desenvolvimento, com um mercado radicalmente pequeno se comparado aos mercados europeu e norte-americano dos seus colegas de iniciais.

Se Robert Maxwell, nascido Jan Ludwik Hoch, em 1923, na então Tchecoslováquia, cidadão inglês a partir da Segunda Guerra, perdeu controle de empresas e depois teve de readquiri-las por muito mais dinheiro – sempre emprestado, como aconteceu com a Editora Pergamon – Roberto Marinho comprou bem as suas. Pagou pelo que viria a ser a Rádio Globo (hoje parte do Sistema Globo de Rádio) muito pouco, ?quase nada?, como se gabava.

Se o império de Robert Maxwell se deteriorou sob suas próprias mãos, o de Roberto Marinho só fez crescer. Seus descendentes estão aí para mostrar se superam os desafios que o momento coloca, agora apresentando dificuldades inimagináveis. Mas o fato é que o jovem Roberto Marinho herdou, aos 20 anos, um jornal recém-comprado por seu pai – Irineu Marinho inaugurou O Globo três semanas antes de morrer – e dali em diante só fez expandir o negócio.

As críticas ao jornalista e ao empresário Roberto Marinho são todas bastante conhecidas; umas corretas, outras exageradas. Mas um fato a história da mídia no Brasil jamais poderá ocultar: mais do que ter construído um conglomerado, foi sob sua égide que o Brasil pôde ter sua produção televisiva exportada e consumida em outros países, produção que também unificou o Brasil – para o bem e para o mal – por meio da rede nacional de retransmissão de sinais montada por ele e ainda ter ganho importância continental – pelo tamanho de seu faturamento e pela natureza de seu negócio.

Muito se tem falado do fato de a mídia brasileira ser comandada por poucas famílias: Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha), Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (Zero Hora). E que esta era familiar estaria passando – usa-se como exemplo as crises envolvendo as famílias Mesquita (O Estado), Levy (Gazeta Mercantil), Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e a derrocada das organizações Bloch (Manchete).

A crise pela qual passa a indústria da mídia nacional e a mudança na lei que permitiu a participação de pessoas jurídicas e de empresas estrangeiras no capital das empresas de comunicação podem ajudar a mudar radicalmente esse panorama, mas a presença de um empresário de personalidade marcante à frente de um grupo de comunicação sempre foi mais benéfica do que maléfica. O jornal The New York Times – este também agora envolto em crise ética – teria publicado os papéis do Pentágono em 1971 se fosse comandado apenas por executivos e não tivesse à sua frente Arthur Ochs Sulzberger? A Folha teria denunciado fraude dos maiores empreiteiros do país no caso da ferrovia Norte-Sul, em 1987, se não tivesse no seu comando Octavio Frias de Oliveira?

Então, pode ser muito positiva a participação do chefe da família à frente de uma empresa de comunicação. O proprietário costuma assumir riscos que um executivo profissional jamais assumiria. Ou levaria dias fazendo contas, ouvindo prós e contras, ponderando, atitude às vezes danosa frente à velocidade necessária para algumas decisões numa indústria de mídia.

Roberto Marinho é o melhor exemplo de empreendedor arrojado num país cujo arquétipo de empresário de mídia, até então, era o forte personalismo de Assis Chateaubriand, o centralizador pai dos Diários Associados, incapaz de criar uma instituição que pudesse manter seu império intacto depois de sua morte.

Morto Roberto Marinho, cabe ressaltar o que de bom ele deixou. As ações empresariais que se ligam à sua carreira são muito claras: verticalização, integração, exportação e modernização.

Verticalização é a primeira delas. Poucos empresários de mídia, em todo o mundo, conseguiram diversificar tanto dentro de seu próprio meio. Ele criou jornais, emissoras de radio, canais e emissoras de televisão, editora de livros, revistas, gravadora, empresa de canais a cabo, televisão via satélite e empresa de Internet.

Integração é a segunda palavra. Queiramos ou não, a Rede Globo integrou o país em frente à telinha da televisão a partir dos anos 70, impulsionada pelo milagre econômico cujo ápice se deu em 1973. Falta aparelho de tevê em quantos domicílios brasileiros? E quantos não têm saneamento básico? Pode faltar o banheiro, a tevê jamais.

A integração nacional veio com uma marca que resiste ao tempo, malgrado ela mesma: o Padrão Globo de Qualidade (com o dedo de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni – referência de uma geração e exemplo de outra coisa que Roberto Marinho sabia fazer bem: escolher seus funcionários e aglutinar equipes). Foi este padrão que permitiu ao conglomerado exportar sua produção novelística. Chega-se assim à terceira palavra: exportação.

Em 1987, por exemplo, eu pude ver Lucélia Santos na televisão polonesa, em Varsóvia, no horário nobre. A novela era reproduzida com as falas em português. Os diálogos dos diferentes personagens eram traduzidos para o polonês e lidos por um único locutor. A Polônia parou para ver Lucélia. A Itália idem, mesmo que não tenha sido no prime time. Idem em muitos países, como na Ásia, haja vista o enorme sucesso da Lucélia Santos na China Continental.

Com exceção dos Estados Unidos, que outro país consegue exportar, de forma constante e com sucesso, soap operas como o Brasil? Pode-se criticar à vontade as novelas da Globo, mas não se pode negar que elas criaram um modelo – nacional e internacional – de produção televisiva, um jeito brasileiro de contar histórias, e com eficácia. Qual outra empresa de mídia brasileira conseguiu este feito?

Modernização é a última palavra. Ela está na paginação do jornal O Globo, na impressão do mesmo nas rotativas full color, na criação de um sistema nacional de rádio, nos equipamentos que fizeram da Globo a líder na retransmissão de sinais em todo o país, na implantação do Projac (os famosos estúdios da Globo no Rio de Janeiro), na criação, mesmo que tardia, de um portal de Internet com todo o conteúdo das empresas.

O padrão de qualidade está presente no jornal, na rádio, na televisão, no portal. Nasceu, ganhou corpo e se institucionalizou sob a tutela de Roberto Marinho. Se o proprietário não tem a vontade empresarial, a determinação de embicar suas companhias no caminho que Roberto Marinho deu às suas, nenhum executivo iria conseguir fazê-lo sozinho.

A crise e a dívida das organizações Globo de hoje têm razões sólidas. Em meados dos anos 90 Roberto Marinho acreditou no que prometiam os bancos de investimento e instituições governamentais: o Brasil iria ter por volta de dez milhões de assinantes de televisão paga no começo do ano 2.000. Faça a conta: multiplique o preço de uma assinatura mensal de pay tv, de R$ 70, por dez milhões de assinantes e depois multiplique por doze meses. Quem, em sã consciência, queria ficar de fora de um mercado cujo potencial de faturamento era de R$ 8,4 bilhões, naquela época exatos US$ 8,4 bilhões? Investimentos pesados foram feitos para passar os cabos nas cidades, mas o mercado de pay tv estagnou na base dos três milhões de assinantes e, além disso, a crise na publicidade se instalou. Só recentemente a Net, por exemplo, conseguiu o seu primeiro resultado positivo – mas esta é outra história.

Reza a lenda que Roberto Marinho costumava começar suas determinações dizendo: ?Se eu morrer.? Não usava o ?quando?. Pois se foi. A tarefa da terceira geração dos Marinho, agora, é a de superar o superpai. Enorme desafio. Caio Túlio Costa é jornalista, professor de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero e consultor de empresas."