Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Luiz Garcia

SEQÜESTROS & MÍDIA

"Diferentes, Graças A Deus", copyright O Globo, 21/03/02

"Está tropeçando no Congresso um projeto que proíbe os meios de comunicação de noticiarem seqüestros em andamento sem aprovação da família da vítima. Foi iniciativa da deputada Laura Carneiro, que a justificou com um argumento que pode funcionar com pessoas distraídas: ?Entre a liberdade de imprensa e a vida de uma vítima, optei pela vítima?, disse ela, cometendo o primeiro de três equívocos.

O primeiro, e mais desalentador, é considerar que esse tema tem lugar na comissão do Congresso criada para dar ordem e urgência a um pacote de medidas sobre segurança pública. Era a grande prioridade nacional, lembram-se? É desalentador ver o que os parlamentares começaram a discutir, assim que a gente voltou as costas.

Mas, se é o que eles acham vital para a segurança pública, vamos em frente, expondo o segundo equívoco da deputada. A crônica dos seqüestros no Brasil, principalmente em São Paulo e Rio, não mostra a notícia como fator de risco para o seqüestrado. Pelo contrário: o fato de que a comunidade está informada complica a vida do seqüestrador e atrapalha consideravelmente a segurança do cárcere.

É exemplar o caso de Washington Olivetto: tanto o caseiro que denunciou a quadrilha como a jovem que libertou o refém (trancado num cubículo sem ventilação) possivelmente poderiam ter agido de forma diferente se ignorassem que ocorrera o seqüestro.

Pode-se argumentar, por outro lado, que a notícia do seqüestro do prefeito de Santo André por um jornal local, com grande estardalhaço, convencera os seqüestradores de que era mais prudente eliminar o refém. Essa tese aparentemente reforçaria a posição inicial da deputada. Mas não o bastante: era inevitável que os seqüestradores, ao começarem a negociar o resgate, identificassem a vítima – e a matariam de qualquer maneira.

O retrospecto de anos e anos de seqüestros tem peso considerável. Notícias responsáveis ajudam as vítimas, não os bandidos. É claro que notícias irresponsáveis têm efeito oposto. Mas os meios de comunicação que repelem leviandade e sensacionalismo não ajudam os bandidos a saber, por exemplo, o tamanho da fortuna da vítima, ou os caminhos da investigação policial. Não fazem isso porque uma lei os obriga – mas porque precisam (por razões de foro íntimo ou interesse empresarial, isso a gente discute depois) do aplauso e da confiança da comunidade.

Em resumo, eles há muito tempo fizeram a opção pela vítima, que agora ocorreu à deputada.

O terceiro equívoco de Laura Carneiro foi propor desistir da proibição em troca de um código de ética aprovado pelos próprios veículos. Acontece que a Associação Nacional dos Jornais já tem o seu decálogo, e a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais tem as suas normas. Os dois documentos enunciam princípios indiscutíveis, rufando os tambores da honestidade e da devoção ao leitor. E ambos têm escassa serventia.

É a velha história: ou se faz uma relação curta de princípios gerais ou uma detalhada lista de regras de conduta. A primeira não funciona porque é complicado decidir como e se o princípio geral se aplica a cada uma das situações específicas que surgem a todo momento, diferenciadas por nuances exasperantes. A segunda não dá certo por ser impossível cobrir toda a gama de dúvidas e encruzilhadas éticas que surgem ao longo do processo de produção jornalística. O melhor caminho é esquecer listas de mandamentos e construir o comportamento ético com base em dois esforços: primeiro, partir do princípio de que cada assunto e cada fato pode ter implicações éticas, às vezes invisíveis a olho nu; segundo, depois de descobri-las, discutir intensamente as opções e os riscos.

É fácil dizer, por exemplo, que o interesse público tem prioridade sobre o interesse pessoal. Mas quantas vezes o sofrimento pessoal que uma notícia pode provocar não será maior do que as vantagens para a coletividade? Quantas vezes o que parece ser interesse público não passa de interesse do público – ou seja, pura e desavergonhada curiosidade sobre a vida alheia?

Tem mais: os meios de comunicação prestam melhores serviços à sociedade na medida em que cada um segue sua própria cabeça. Decisões éticas são tão subjetivas quanto a escolha de uma manchete ou do espaço que um assunto merece. Todos os veículos terem a mesma orientação ética (fora aquilo que é universal por ser elementar) é tão ruim quanto todos terem iguais primeiras páginas ou assuntos de capa. O interesse público é alimentado pela variedade e pelas diferenças, inclusive entre as decisões éticas.

Isso permite ao cidadão escolher a imprensa, o rádio e a TV que melhor servem aos seus interesses legítimos; ou seja, aqueles que ajudam a sociedade a sobreviver e a prosperar. Nenhuma lei substitui essa forma simples e direta de nos manter honestos.

Agora, se todos estiverem de acordo, que tal começarem a discutir temas importantes de segurança pública?"

 

ÁLCOOL NA TV

"Nunca se bebeu tanto na TV", copyright Folha de S. Paulo, 24/03/02

a tv brasileira tem contado com um protagonista cada vez mais presente em suas produções: a bebida alcoólica, mostrada como sinônimo de relaxamento e diversão. Com as restrições impostas à propaganda do álcool (ver texto ao lado), é nas novelas e ?reality shows? que ele encontra um espaço precioso para aparecer. Não é preciso muito esforço para lembrar de algumas cenas recentes que comprovam isso nas novelas. Nos ?reality shows?, principalmente o ?Big Brother Brasil?, patrocinado pela Kaiser, a bebida tem sido um eficaz antídoto contra a monotonia do confinamento. Mas o bombardeio de cenas de consumo de álcool especialmente nas novelas da Globo tem preocupado especialistas, pois, segundo dados do Ibope de fevereiro, 22,9% dos telespectadores de ?História de Amor?, 29,6% de ?Coração de Estudante?, 24,9% de ?Desejos de Mulher? e 24,2% de ?O Clone? têm idades entre quatro e 17 anos. ?Pior do que a glamourização é a banalização da bebida alcoólica na TV, que mostra o tempo todo que é normal que todos bebam todo dia, como se isso fosse verdade?, diz o psicanalista João Carlos Dias, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas). Para o psiquiatra Werner Zimermann, especializado em dependência química, ?a TV ensina que se afogar no álcool é uma maneira mais rápida e fácil de resolver problemas?, e a exposição de crianças e adolescentes à ?cultura apológica da bebida? é um elemento de estímulo ao consumo abusivo do álcool. ?As pessoas tendem a imitar o que vêem na TV. Se um ator charmoso bebe, o espectador também quer beber para parecer charmoso?, diz Zimermann. Segundo o Ministério da Saúde, 84.467 brasileiros foram internados em 2001 por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso do álcool, demandando um gasto de R$ 60.145.522,53. O álcool é a droga mais usada pelos jovens no Brasil. O consumo começa cedo: em média, aos 13 anos e quatro meses, segundo pesquisa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) realizada em 14 capitais brasileiras em 2001. A influência da TV e do cinema nos hábitos de crianças e adolescentes foi recentemente comprovada por pesquisadores da Escola de Medicina de Dartmouth, nos EUA. Eles publicaram um trabalho mostrando que adolescentes que são livres para assistir a filmes e programas televisivos próprios para maiores de 17 anos têm uma propensão três vezes maior a fumar e a tomar bebidas alcoólicas em comparação com aqueles que não assistem a esses programas. A dependência química não é o único risco do estímulo ao consumo de álcool. ?Não quero dizer que alguém vai virar alcoólatra só porque viu um personagem bebendo na TV. Mas esse estímulo pode levar uma pessoa qualquer a beber, dirigir e provocar um acidente?, diz o presidente da Abead. O deputado federal Lincoln Portela (PSL), autor de projeto de lei que proíbe a veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas na TV em qualquer horário- incluindo merchandising-, vai ainda mais longe nas críticas. ?Na minha avaliação, a TV ganha dinheiro para veicular uma imagem positiva da bebida dentro dos programas; é um merchandising do produto não necessariamente ligado a uma marca?, diz. O superintendente comercial da TV Globo, Octávio Florisbal, nega a acusação do deputado e afirma que a emissora não veicula merchandising de bebidas de alto teor alcoólico -o que exclui cervejas e vinhos. O diretor de planejamento da Globo, Albert Alcoulumbre, não acha que a TV glamourize ou banalize a bebida alcoólica. ?A teledramaturgia apenas reflete a realidade, e o álcool faz parte dos hábitos de consumo de parte da população.? Para o deputado Lincoln Portella, ?a novela não espelha a realidade, mas dita uma realidade; a TV reproduz o consumo de bebida alcoólica como comportamento correto e natural?.

Alcoolismo

A TV morde, mas também assopra. A autora Glória Perez encaixou na novela ?O Clone? um debate sobre a dependência química, incluindo o alcoolismo, vivido pelo personagem Lobato (Osmar Prado). ?O mundo dos espetáculos, teatro, cinema e TV, não só no Brasil, mas no mundo, glamourizou de certa forma a bebida e o cigarro. Hoje em dia, eu vejo um posicionamento diferente, exatamente porque a questão da dependência química passou a ser mais compreendida e discutida?, diz Glória. ?Acho bom que uma emissora poderosa como a Globo esteja interessada em promover uma campanha dentro de uma novela, mas isso não garante a eficácia?, diz o psicanalista João Carlos Dias. ?Essa forma de abordar o problema é muito perigosa, porque a novela massifica a informação e os telespectadores tendem a achar que todo caso de alcoolismo é igual àquele.? Procurados pelo TV Folha, os autores de ?Coração de Estudante? e ?Desejos de Mulher?, Emanoel Jacobina e Euclydes Marinho, não responderam.

Reality shows

O álcool tem sido um poderoso aliado da produção do ?Big Brother Brasil?, da Globo, que cria festas temáticas -italiana, mexicana, a rigor, entre outras- convidativas aos porres. Embriagados, os participantes aparecem mais soltos frente às câmeras e expõem suas fraquezas e loucuras.

Na quinta-feira retrasada, Alessandra exagerou na bebida e passou mal a ponto de ser atendida por um médico dentro da casa, pois não tinha condições de andar. Antes de tomar glicose na veia, ela falou besteira, dançou, vomitou e circulou nua. Seu colega André também deu vexame na mesma noite.

A participante Cristiana, já eliminada, exagerou na festa mexicana: tomou cerca de cinco doses de tequila, dançou, mostrou os seios dentro da piscina e terminou a noite chorando. ?É lógico que, para a produção, é melhor que a gente beba bastante?, diz Cristiana.

?Eles são adultos e responsáveis, mas isso não quer dizer que um deles não possa abusar. Sempre procuramos disponibilizar uma quantidade pequena de bebida, mas, uma vez dentro do ?Big Brother Brasil?, o controle é dos participantes?, diz o diretor, J.B. de Oliveira.

Segundo dados do Ibope de fevereiro, 21,8% da audiência de ?Big Brother Brasil? têm entre quatro e 17 anos de idade.

Em ?Casa dos Artistas 2?, do SBT, a bebida alcoólica tem sido consumida de forma moderada -nas festas, geralmente uma garrafa de champanhe é dividida entre os 12 participantes.

Nas primeiras semanas de programa, não entrou uma gota de álcool dentro da ?Casa?. Comenta-se que a produção preferiu não arriscar: o participante Lulo, já eliminado, toma anti-depressivos.

O racionamento tem sido bom para André Gonçalves, que vem mantendo sua pose de bom moço. No ano passado, bêbado, ele provocou confusão em um vôo que ia para os EUA.

?Casa dos Artistas 2? tem 29,2% de sua audiência durante a semana e 27,2% aos domingos formada por crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos, segundo dados do Ibope de fevereiro.

Também deve ter pesado na decisão do SBT de racionar o álcool, a confusão protagonizada por Bárbara Paz e Nana Gouveia na primeira edição do programa. ?Ela tomou um porre e quis me enfiar uma faca?, lembra Nana. Bárbara diz que não chegou a tanto.

O SBT afirma que não incentiva o consumo em suas produções. Em relação a ?Casa?, a emissora diz que a preocupação se justifica por ser um programa ?que provoca mudanças de comportamento em seus participantes?."

 

BONI, SBT & BAND

"SBT e Band voltam a disputar passe de Boni", copyright Folha de S. Paulo, 21/03/02

"José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, voltou a ser assediado pelo SBT e pela TV Bandeirantes -como ocorreu no ano passado. Após algumas conversas preliminares, o ex-vice-presidente de operações e atual consultor da TV Globo articula uma reunião nos próximos dias com João Carlos Saad, presidente da Band.

Boni, que é contratado da Globo até o início de janeiro de 2003, ainda não recebeu nenhuma proposta formal da Band. Mas, segundo pessoas próximas ao executivo, ele só aceitaria negociar com a emissora se ela, com a abertura da mídia ao capital estrangeiro, conseguir um bom sócio, que a capitalize e dê condições de investir em programação.

Percebendo a movimentação da concorrente, Silvio Santos voltou a conversar com Boni -com quem só negociaria de novo em julho. O SBT oferece participação societária a Boni e o total controle da programação de segunda a sábado. O retorno de Guilherme Stoliar ao SBT -que defende telejornais ?ensanduichados? por telenovelas- já indicaria uma preparação de terreno para Boni, avalia o mercado.

Mas Boni, que já decidiu que não irá se aposentar, teme criar uma ?TV paralela? no SBT."