OTTO LARA RESENDE / MEMÓRIA
"Acílio lembra em artigo o irmão Otto Lara Resende", copyright Comunique-se, 9/5/02
"O jornalista Acílio Lara Resende, ex-diretor da sucursal mineira do Jornal do Brasil e irmão do falecido escritor e jornalista Otto Lara Resende, afirmou, em artigo publicado hoje no jornal O Tempo, que não foi fácil, para ele, escrever sobre Otto, que faria 80 anos no dia 1 de maio passado, e a falta que faz ?à família, aos amigos, ao jornalismo, à literatura e ao país?. Destaca que sua morte, aos 70 anos, pouco tempo depois de começar a escrever para a Folha de São Paulo, com uma crônica diária, ?não precisava acontecer e foi uma traição… Foi inoportuna e um enorme desperdício, sob todos os aspectos. E doeu fundo no coração dos que com ele conviveram, mesmo em doses menores e de maneira às vezes fugidia?.
Acílio diz ainda que, no sábado passado, assistiu ao programa ?Observatório da Imprensa?, do jornalista ?e mestre? Alberto Dines, dedicado a Otto Lara Resende. ?Fui tomado não apenas de grande saudade, mas de profundo remorso.Por que deixara para depois o que s&oaoacute; agora estou fazendo?? Lembra também que seu amigo Roberto Sherer, que reside em Miami e que àquele dia estava em Belo Horizonte, telefonou-lhe após o programa, ?para me dizer de seu espanto?, revelando que nunca vira, na televisão brasileira, ?um programa contendo depoimentos sobre alguém fundados na mais profunda e desinteressada amizade?. A resposta que Acílio deu a Sherer foi que ele havia visto no vídeo ?o verdadeiro, bem humorado, único e saudoso Otto Lara Resende, irmão, amigo, humano como nenhum outro. Que se foi de uma só vez, sem se despedir, como se embarcasse em uma imperceptível e delicada nuvem. Mas deixou, para sempre, um incomensurável e doloroso vazio?."
PADRÃO GLOBO DE QUALIDADE
"A Globo e a estética da ditadura", copyright Folha de S. Paulo, 11/05/02
"O jornalista e professor Eugênio Bucci, colunista da Folha, tem levantado tema interessante para debate acerca do fim do chamado ?padrão Globo de qualidade?. Sua tese é a de que, longe de representar opção mercadológica, esse padrão teria sido algo imposto pela ditadura militar, a quem interessava uma televisão que refletisse um país em modernização.
O regime teria garantido o espaço para o ?padrão Globo? impedindo a competição. Agora, com a democracia de massas se consolidando e com a competição aumentando, não haveria espaço para um padrão de qualidade.
Não penso dessa forma. No plano dos negócios, o padrão transformou a Globo na maior empresa de mídia do país e conferiu reputação mundial a seus produtos. O fato de o ?padrão Globo? agradar aos militares não significa que foi criado para atender à lógica do regime.
Acho que houve alguma confusão entre a criação do moderno mercado de consumo, que começa no final dos anos 60, como decorrência inevitável do processo de industrialização do país, com o fato de esse processo ter se dado ocasionalmente sob o regime militar. O ?padrão Globo? atendeu à lógica do novo mercado, não à dos militares.
Estudos de modernos industrialistas reforçam essa hipótese. Falta de competição e mercado fechado jamais foram motores de inovação. Pelo contrário, a tendência das empresas é a de se acomodar no espaço conquistado.
Se a Globo não tinha competidores, por que haveria de se esmerar em manter o ?padrão Globo?? Para contentar os militares, bastariam programas como ?Amaral Netto, o Repórter? e a cobertura das paradas de 7 de Setembro.
O ?padrão Globo? não significou apenas apuro técnico, mas o aproveitamento e a organização do que a cultura popular carioca tinha de mais criativo -os humoristas da rádio Nacional, da Atlântida, os músicos, os especialistas em shows, os autores de radionovelas, matéria-prima preciosa, mas que estava esparsa e perdida, depois da decadência da rádio, e à disposição de qualquer emissora.
Não bastavam os artistas, tinha de haver o plano estratégico e a gestão. A Globo lançou a noção da grade de programação, as bases de uma política comercial profissionalizada, o uso intensivo das pesquisas de opinião, a análise cotidiana da concorrência, uma verdadeira indústria de novelas onde se desenvolviam de padrões de cenários a escolas de autores e atores, elementos que só agora começam a ser utilizados eficientemente pelas maiores empresas brasileiras.
E havia competição pesada sim. A Globo se impôs sobre uma TV Tupi bastante poderosa, sobre uma Record que durante bom período dominou a lista dos programas mais assistidos, embalada pelos festivais de música.
A conquista dos diversos horários foi um trabalho de planejamento sem paralelo nas empresas brasileiras da época. Montou-se uma estratégia para cada horário. Revolucionou-se a informação matinal com o programa que lançou Marília Gabriela, investiu-se na programação infantil, tornou-se nobre o horário da tarde, restrito às donas-de-casa, e dominou-se amplamente o horário noturno, com os telejornais e as telenovelas -hoje o produto brasileiro mais conhecido no exterior.
Na era Boni, o planejamento de produção era feito com dois anos de antecedência. O lançamento de cada programação anual era acompanhado por toda a opinião pública. A estratégia para tirar de Flávio Cavalcanti a liderança de domingo à noite constitui-se em ?case? clássico da TV brasileira.
A Globo conquistou o horário ousando um novo modelo de programa, o ?Fantástico?, na época um show de criatividade, ousadia e qualidade técnica.
O próprio ?Jornal Nacional?, apesar do seu oficialismo, foi uma revolução técnica, com sua rede de correspondentes e seu padrão de edição e de reportagem.
Se se tentar entender essa estratégia pela ótica dos interesses militares, não se vai chegar a nada. Toda essa estratégia está subordinada a uma clara lógica de mercado de consumo, na qual a ambição de todo órgão de comunicação é conquistar a fatia mais larga de público, ser popular com qualidade.
O ?padrão Globo? conseguiu o extraordinário feito de conquistar todas as classes com níveis de audiência massacrantes. A Globo derrotava os concorrentes com facilidade sem apelar, porque podia. Por que não consegue hoje? Porque acabou o potencial criativo da era Boni.
Os militares garantiram parte das verbas publicitárias e impuseram limites ao uso da opinião no jornalismo. Não mais que isso. Mesmo porque, na prática, o regime acabou 15 anos antes do fim da era Boni."
DATENA: RÁDIO NA TV
"Os radialistas estão chegando", copyright Folha de S. Paulo, 12/05/02
"Se isso fosse um filme, deveria ser visto ao som de Jorge Benjor entoando ?os alquimistas estão chegando?. Sem esquecer aquele ô-ô-ô-ô ao fim do refrão. Aquele ô-ô-ô-ô reafirma que os alquimistas estão chegando mesmo, indica que tudo o que a gente achava que já tinha acabado não acabou, ô-ô-ô-ô, e não cessa de recomeçar. Se isso fosse um filme poderia muito bem se chamar ?A Volta dos que Não Foram?. Os radialistas, eles que foram o útero dos programas de TV, os radialistas do auditório, os radialistas da radionovela e os radialistas dos programas policiais, eles estão de volta, exatamente porque nunca se foram.
Veja-se o caso de José Luis Datena. Ele acaba de se mudar da Rede Record para a Rede TV (que leva ponto de exclamação, assim: Rede TV!) com um sucesso estupendo. Datena é antes de tudo um radialista. Dos bons. No dia de estréia de seu ?Repórter Cidadão? na Rede TV! (!), na segunda passada, já bateu o seu substituto na Record, Ney Gonçalves Dias, que agora apresenta o ?Cidade Alerta?. No segundo dia, terça-feira, Datena deu à sua nova casa (!) uma audiência média de dez pontos no Ibope em São Paulo (!), com picos de 12 (!), ficando por cerca de uma hora com a segunda maior audiência do horário (!), perdendo apenas para a Globo (!). De onde vem a força de Datena? Não vem das reportagens de rua (!), nem da variedade de pautas (!), nem das tomadas aéreas (!) de helicóptero (!). Claro, tudo isso ajuda, mas o essencial é a capacidade oratória que ele esbanja, o talento de segurar um assunto no ar com a fala fluente, peremptória e enfática de um radialista policial de primeira grandeza. As tomadas de helicóptero, aliás, viraram objeto de uma disputa subterrânea entre a Record e a Rede TV!. Na segunda-feira, o ?Repórter Cidadão?, de Datena, tinha suas câmeras aéreas a cargo do já célebre comandante Hamilton, uma espécie de ?heliboy? do sensacionalismo. Na terça, um susto: o comandante Hamilton surpreendeu a audiência ao se mudar de mala, cuia e helicóptero, abruptamente, para a Rede Record! (Aqui até Record merece ponto de exclamação.) O comandante Hamilton fez o caminho inverso de Datena. Mas não levou o ibope.
Mais do que qualquer outro tipo de programa, esses que começam a virar uma praga nos finais de tarde, como ?Cidade Alerta?, ?Brasil Urgente?, de Roberto Cabrini, na Bandeirantes, e agora o ?Repórter Cidadão?, são programas radiofônicos ilustrados. A propósito, Cabrini não consegue emplacar porque não empolga como orador. Nesse quesito, Ney Gonçalves Dias é muito mais convincente.
É verdade que as novelas, até hoje, podem ser vistas apenas pelos ouvidos, ou seja, você consegue entender toda a trama sem ter de olhar as imagens (a telenovela, em grande medida, jamais se libertou inteiramente da radionovela), mas a maior presença do rádio na alma da TV não se manifesta nas telenovelas: ela pode ser sentida de modo mais marcado nos programas sensacionalistas. Não era à toa que Gil Gomes roubava a cena no velho ?Aqui Agora?. No gênero da histeria policialesca dos fins de tarde, a coisa se resolve mesmo é no gogó.
Pois o telegogó voltou a crescer e se multiplicar. O que Datena apresenta agora na Rede TV! (!!!) não é nada mais que uma réplica do ?Cidade Alerta? (!!!) que ele fazia na Record. A coisa se reproduziu. O que Cabrini tenta fazer na Bandeirantes vibra, ou tenta vibrar, no mesmo diapasão. Só quem falta aderir à nova moda das seis da tarde são a Globo e o SBT. No mais, somos uma delegacia só. A delegacia do berro. Para berrar melhor, os apresentadores ficam o tempo todo de pé. Para projetar a plenos pulmões para dentro dos ouvidos do público a sua radiofonia paranóica e exclamativa! (!) (Alguém sabe explicar por que Rede TV! tem essa exclamação aí?)"