GAROTINHO vs. CARTA CAPITAL
"Quem tem medo do bebê de Rosemary?", copyright Jornal do Brasil, 20/05/02
"Quando Jânio Quadros deixou o governo de São
Paulo, no fim de seu mandato, em 1958, elegendo-se deputado federal
pelo PTB do Paraná, de olho nas eleições presidenciais
de 1960, alguém no partido de Getúlio ? creio que
já era o Brizola ? propôs que ele fosse interpelado,
na executiva nacional, devido às dúvidas quanto a
suas convicções trabalhistas.
Parece que foi ontem. No dia em que a sessão legislativa se instalava na Câmara de Deputados, cruzei sem querer com o bigodudo num dos corredores do Palácio Tiradentes. Ao vê-lo a meu alcance, não tive dúvida:
? Deputado Jânio Quadros, a executiva nacional…
? Essa &eacueacute; uma pergunta ? ele não me deixou terminar a frase ? de rara insolência.
Lembrei-me desse incidente do passado, quando Anthony Garotinho renunciou ao governo do Rio de Janeiro, um mês atrás, para candidatar-se a presidente da República pelo Partido Socialista Brasileiro ? partido, diga-se de passagem, fundado por dois homens sérios, Francisco Mangabeira e Domingos Velasco. Houve uma época em que havia homens sérios. Mas, continuando a história, o referido Garotinho, ao ser interpelado, nessa ocasião, por uma jovem repórter (elas são admiráveis) deu-lhe as costas, dizendo: “Você é uma idiota!”
Se ponho no mesmo balaio, por associação de idéias, a demagogia de Anthony Garotinho e o populismo de Jânio Quadros, receio cometer uma injustiça a Jânio, cuja renúncia, no entanto, está na gênese de tudo quanto o país e eu sofremos de pior nos anos de chumbo. Jânio era uma fraude, mas não era burro e falava português.
Peço desculpas por ter enveredado ? é a primeira vez ? pelo perigoso terreno do editorial. Em longos anos de jornalismo, já fiz de tudo, em jornais, revistas, rádios, televisões e sites da internet ? desde foto de miss, em concurso de beleza, a conversa tête-à-tête com De Gaulle, no Elysée. Redigia, aos 19 anos, notas de aniversário no vespertino O Nordeste com o mesmo prazer com que, hoje, mando textos para o weblog do iG. Tanto cobri corridas de cavalo no Jockey Clube do Ceará como o cerco de Khe Sanh na Guerra do Vietnã. Dei plantão sozinho no 14? Distrito Policial de Copacabana e, ao lado de Carlos Leonam, na praça de São Pedro, em Roma, à espera da fumaça branca de Paulo VI. Não me recusei a fazer coluna social, no Correio do Ceará, nem reportagem na revista Exame, durante a ditadura, sobre comercialização de produtos agrícolas. Deus e Paulo Henrique Amorim ? Deus no geral e Paulo Henrique na revista Exame ? são testemunhas de que, nesta profissão, só não fiz editorial.
Nada contra os editorialistas. Ao contrário. De 1922 a 1963, meu pai, Manuel Antônio de Andrade Furtado, escreveu, todas as manhãs, os editoriais do diário católico O Nordeste, em Fortaleza. Durante 41 anos, tirando os domingos, em que o jornal não circulava, foram 12.833 editoriais, contados na máquina de calcular ? e todos terminavam com um ponto de exclamação!
Pois bem. Os 12.833 pontos de exclamação batidos na velha Remington de meu pai são insuficientes para exprimir a minha indignação de jornalista ao saber que Anthony Garotinho proibiu, por via judicial, que a revista Carta Capital publicasse, esta semana, uma reportagem a seu respeito. É grave, muito grave, gravíssimo. A liberdade de imprensa está ameaçada, no Brasil, por um Mussolini mirim.
Nada nele é próprio, a começar pelo nome. Quando o vejo, dizendo besteira na televisão, como um bebê de tarlatana rosa, que mais parece o de Rosemary, tenho ganas de pegar o microfone que não tenho para gritar como Cícero no Senado: Quousque tandem abutere patientia nostra!
Eis porque, data venia, dirijo-me por meio desta, aliás deste,
à Associação Brasileira de Imprensa e à
Federação Nacional dos Jornalistas, pedindo que se
reúnam para discutir e votar a seguinte proposição:
1) Que nenhum repórter, a partir de agora, entreviste Anthony
Garotinho; 2) Que, em obediência ao princípio de que
é necessário ouvir o outro lado, os jornais, revistas,
rádios, televisões e sites da internet se limitem
a divulgar as notas por ventura enviadas pelo mencionado candidato.
Nestes termos, peço deferimento."
"As artes de Garotinho", copyright DCI, 21/05/02
"O pré-candidato do Partido Socialista Brasileiro à presidência da República, Anthony Garotinho, é um homem surpreendente. Questionado ontem sobre a sua decisão de recorrer à Justiça para impedir a publicação de uma reportagem na revista ?Carta Capital?, o ex-governador do Rio de Janeiro nem titubeou: ?A revista foi arrendada por um grupo de empresários ligados a José Serra?.
A resposta do presidenciável é estarrecedora. Garotinho mente despudoradamente. Ele sabe que Mino Carta não ?arrendou? a revista a grupo serrista algum. Ao usar mentiras como respostas a perguntas que o incomodam, Garotinho mostra a que veio. Para ele, se os fatos não ajudam, às favas com os fatos.
Na verdade, entre os atuais pré-candidatos à presidência, o ex-governador é o que melhor se encaixa em um perfil de político que muitos analistas apostavam morto e enterrado: o populista.
A promessa de aumentar o salário mínimo do Brasil para R$ 400 e suas principais obras como governador fluminense – Piscinão de Ramos à frente – são apenas provas adicionais do estilo Garotinho de fazer política.
Mas não é sequer preciso chegar às realizações do ex-governador para entender o tipo de homem público que é o cidadão Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira. Basta acompanhar com alguma atenção os discursos e as entrevistas neste período pré-eleitoral para obter um diagóstico preciso do caráter de Garotinho. Senão vejamos.
Na semana passada, o ex-governador visitou a Paraíba. Durante um comício em João Pessoa, Garotinho estarreceu os presentes: ?Vejam, eu adotei um paraibano. Agora, espero que a Paraíba adote o Garotinho?, conclamou. Em outras palavras, para pedir votos, o presidenciável não teve escrúpulos em usar o seu filho adotivo caçula David, de 3 anos, que é filho natural de um casal de paraibanos.
O episódio da censura à revista ?Carta Capital? também merece exame mais detido. Em primeiro lugar, o fato não é propriamente novo: Garotinho já conseguiu do mesmíssimo magistrado que censurou ?Carta Capital? outras 18 liminares vetando diversos órgãos de imprensa a divulgar a transcrição das fitas.
Para tanto, os advogados do ex-governador argumentam que a legislação proibe a divulgação de transcrições de fitas gravadas ilegalmente, o que é verdade. Porém, como lembrou o jornalista Alberto Dines na época da primeira censura (ao ?Jornal do Brasil? e ?O Globo?), Garotinho ?auto-incriminou-se ao tentar impedir a circulação de informações desfavoráveis?. No mesmo artigo, Dines lembrava que ?nem Jader Barbalho, em pior situação, tentou impedir a publicação de qualquer denúncia, nem ousou censurar a divulgação de grampos. Legais e ilegais?.
Se tudo isso não bastasse, desta vez os advogados do ex-governador foram mais longe e pediram à Justiça que simplesmente impedisse ?a publicação de toda e qualquer informação? sobre Garotinho na revista ?Carta Capital?. É claro que esta solicitação foi indeferida pelo juiz – o mesmíssimo magistrado, é bom lembrar, que concedeu as outras 18 liminares sobre tão misteriosas fitas.
A audácia em propor tamanho despautério, porém, revela que, além da vocação populista, Garotinho domina as práticas de um outro sistema comumente estudado por cientistas políticos e de triste memória: o fascismo."
"O crime não pode compensar",
copyright Jornal do Brasil, 21/05/02
"Sempre fui e serei um ardoroso defensor da liberdade de imprensa. Porém sou mais ainda defensor das garantias individuais do cidadão, violentadas, por exemplo, pelas mais repugnantes formas de invasão de privacidade, como o grampo de telefone. Tal atitude, muito comum no regime militar, para vigiar e punir os defensores da democracia e opositores do regime, atualmente é usada nas mais variadas negociações, chantagens, extorsões e finalidades políticas baixas, sempre perto de eleições.
Sofro várias pressões em todas as minhas eleições devido às tentativas de tirarem proveito de grampos clandestinos e criminosos, cujo único objetivo é prejudicar-me pessoal e politicamente.
Como agora sou candidato a presidente, não poderia ser diferente.
Aparece mais uma tentativa de exploração das fitas criminosas. Agora, sob a versão de uma entrevista grotesca, de um réu confesso de crime de interceptação telefônica.
Como cidadão que acredita na Constituição do meu país, busquei o caminho da Justiça para que esse crime fosse punido, por tratar-se de divulgação ilegal, dando publicidade a um crime e ao criminoso.
Segundo o eminente advogado Sérgio Mazzillo, ?é intolerável o abuso e a ilegalidade que se procura legitimar à custa de um ?direito? (referindo-se à liberdade de expressão e de pensamento) que não é exclusivo da imprensa. A Constituição não outorgou irrestritos direitos a um veiculo para, invadindo a privacidade do cidadão, receptando o produto de um crime, sair propagando o que ela mesma – imprensa – rotula de ?improbidade?.? (artigo Imprensa Responsável, publicado no JB, em 19.07.01).
Tal artigo mereceu o seguinte comentário da jornalista Dora Kramer, que em sua coluna, no dia 21.07.01, destaca a ?instigante abordagem sobre imprensa, liberdade de expressão como prerrogativa de todos e não privilégio de alguns, responsabilidade no trato da informação e observância aos preceitos do Estado de Direito?.
Ainda segundo o eminente advogado, a manifestação do Poder Judiciário …?terá por objeto, sempre, dirimir o confronto entre o direito do cidadão… que lhe assegura o Artigo 5o, inciso 10, da Constituição Federal, extirpando da prática jornalística a receptação do produto do crime (Artigo 5o, inciso 11) – também da Constituição?.
Meu patrimônio, depois de 20 anos de vida política, é constituído de uma casa que herdei de meus pais na cidade em que nasci. Quando renunciei ao governo do Estado do Rio de Janeiro entreguei uma autorização ao Ministério Público para que as contas bancárias e o sigilo fiscal, meu e de minha esposa, fossem inteiramente abertos pela Justiça.
As contas de meu governo foram aprovadas por unanimidade pelo Tribunal de Contas. Não tenho o que temer. Mas acima de tudo quero a verdade pura e cristalina. Não abdico de pautar-me pela nossa Constituição, que nos assegura a liberdade de imprensa mas a condiciona a não violação das garantias individuais."
"Justiça ajuda Anthony Garotinho a censurar a revista ?Carta Capital?", copyright DCI, 20/05/02
"A revista ?Carta Capital? acusa o pré-candidato Anthony Garotinho (PSB) de censurar uma reportagem com denúncias de Guilherme Freire, ex-tesoureiro do ex-governador do Rio.
O juiz da 21? vara cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Marcelo Oliveira da Silva, concedeu a Garotinho liminar impedindo a revista de ?veicular publicamente quaisquer gravações ou fitas relativas à interceptação de ligações telefônicas? do presidenciável, sob pena de multa diária de R$ 500 mil.
A decisão é um extensão de liminar concedida contra os jornais do grupo Globo em julho passado. Além de ?O Globo? e ?Carta Capital?, outros 19 veículos já tentaram expor o conteúdo das fitas, sem sucesso.
A história teve origem em denúncias de Guilherme Freire, que declarou à revista ter sido ?freqüente doador de campanhas políticas e intermediário de negócios do agora presidenciável?. A revista diz ter ouvido ?19 testemunhas? que confirmam as acusações de Freire. O presidenciável foi então procurado e declarou que não falaria sobre ?bandidos?. O semanário ainda insistiu por intermédio de Paulo Fona, assessor de Garotinho, que reiterou que o candidato não falaria sobre o assunto.
Na quarta-feira, chegou à redação da revista a primeira liminar, fixando uma multa de R$ 100 mil. A revista insistiu com Paulo Fona, pedindo uma entrevista. O assessor pediu que um questionário fosse enviado por escrito. ?Quando nós recebemos as perguntas vimos que se tratava de assuntos relacionados às fitas?, diz Paulo Fona. Então os advogados do ex-governador pediram nova liminar, aumentando a multa para R$ 500 mil. ?Carta Capital? foi notificada por fax da decisão, e nesta edição publica reportagem que conta o caso.
O juiz Marcelo Oliveira da Silva rebate as acusações de censura feitas pela revista. ?É proibida a divulgação de gravações telefônicas clandestinas?, justifica. O presidente em exercício, Marco Aurélio Mello, criticou a decisão. ?É proibido proibir?. Oliveira Silva rebateu as acusações: ?ele não sabe o teor da liminar?."