Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Luís Leiria

ASPAS

REALITY SHOWS

"A guerra das TVs em Portugal", copyright Coleguinhas, uni-vos (www.coleguinhas.jor.br), 4/06/01

"A guerra das audiências entre os dois canais de televisão privados existentes em Portugal (os outros dois – de sinal aberto – são públicos) chegou ao rubro nas duas últimas semanas, com uma tão grande quantidade de peripécias que faz pensar não numa atividade bélica mas numa comédia. Daquelas de humor inglês. Houve de tudo – demissões inesperadas, acusações de espionagem a serviço do canal rival, cenas de choro entre pais e filha, à mistura com cenas de sexo, striptease e tudo mais.

Já se tornou um lugar comum dizer que os reality shows conseguiram a proeza de mudar completamente o panorama televisivo lusitano. O que não se esperava é que esse tipo de telelixo conseguisse episódios tão cômico-dramáticos e resultados tão inesperados. Mas vamos por partes.

Já tinha relatado nesta coluna (certo, ninguém deve se lembrar porque já faz tempo que não escrevo nada para o amigo Ivson, né?) como o famoso concurso Big Brother mudou o ranking das audiências dos canais. Por conta dele, a TVI, uma emissora que – ironia das ironias – começou por ser propriedade da Igreja católica, ultrapassou a RTP 1 (estatal) e começou a morder os calcanhares da líder SIC (que tem uma participação minoritária da Rede Globo). Para quem nunca viu (teve essa sorte), o Big Brother é um concurso em que um grupo de pessoas fica completamente isolado dentro de uma casa, sendo vigiado por câmaras de televisão 24 horas por dia; uma vez por semana, os concorrentes têm de indicar um entre eles para sair. Os dois mais indicados são (supostamente) votados pelo público e, finalmente, um deles sai. Ganha o último ?sobrevivente?.

A fórmula deste concurso é de propriedade da Endemol, uma multinacional holandesa que a tem vendido um pouco por todo mundo. Concursos como este têm sido o ovo de Colombo para canais de segunda linha ganharem pontos de audiência e galgarem posições no ranking. Foi o que aconteceu com a TVI. O detalhe é que a produtora havia proposto o mesmo concurso antes à SIC, que o rejeitou, dizendo, pela boca do seu todo-poderoso diretor de programação, Emídio Rangel, que concursos como aquele lhe davam nojo. E – digo eu – dão mesmo.

Só que essa rejeição, para a SIC, em termos de audiências, foi um erro. A TVI não só ultrapassou a RTP 1 (que resistiu à mania dos reality shows provavelmente mais por falta de estratégia da sua direção que por outro motivo) como começou a ameaçar a líder SIC. As receitas de publicidade desta última começaram a cair, ainda por cima devido a um outro fator: a TVI apostou na realização de novelas portuguesas que, pela primeira vez (pelo pouco que vi) têm ritmo; até agora, era a RTP que produzia telenovelas portuguesas, mas eram tão chatas que nunca chegavam a ameaçar o domínio das novelas da Globo, exibidas aqui na terrinha pela SIC. Acontece que a novela lusitana da TVI, ?Jardins Proibidos?, pulou para o primeiro lugar das audiências, superando com facilidade a novela de turno da Globo (normalmente, a novela das 8 passa aqui com cerca de um mês de defasagem).

Foi demais para a SIC, que decidiu contra-atacar em força. Primeiro, contratando uma brasileira, Lúcia Abreu, para produzir uma novela portuguesa, ?Ganância?, estrelando a mulher dos sonhos da maioria dos portugueses, Catarina Furtado, e o brasileiro Leonardo Vieira. Segundo, lançando o seu próprio reality show, ?O Bar da TV?. Neste, também idéia da Endemol, a fórmula é semelhante ao Big Brother, só que os concorrentes, que também estão encerrados numa casa durante o dia, saem à noite para administrar um bar. E vivem da gestão desse bar. O bar fica nas docas, um ponto importante da noite lisboeta (apesar de ser considerado muito ?beto? – isto é, ?mauricinho?) e suas noites são abastecidas por uma boa quantidade de shows de streap-tease, para manter altas as audiências noturnas.

Todos esperavam que a reação da SIC seria fulminante. Mas não foi.

Primeiro, a novela foi um desastre total. Tão grave, tão grave, que a tal Lúcia Abreu foi mandada embora, e a novela teve que ser praticamente interrompida até que o novo encarregado de a escrever (um português) pudesse recuperar o tempo perdido. Resultado, inédito: a ??Ganância? agora só passa aos fins-de-semana. Eu diria que parece coisa de português, se estes tristes episódios não envolvessem tantos brasileiros. É que o produtor do ?Bar da TV? é também um brasileiro, Ediberto Lima, dono de uma produtora que foi fundamental para ajudar a SIC a conquistar o topo das audiências, com programas como o ?Big Show SIC?, uma espécie de Faustão mas que consegue ser ainda pior (na minha opinião, claro). Bom, o dito Ediberto, na semana passada, abandonou o concurso alegando discordâncias com o diretor de programas da SIC. Ao mesmo tempo, Emído Rangel fazia uma plenária entre os funcionários do concurso, em que apelava à união contra as atividades de espionagem feita pelos adversários. Mais tarde soube-se que Rangel acusava Ediberto de ser agente infiltrado da TVI.

Seria cômico se não fosse trágico. A tragédia foi mesmo ?O Bar da TV?, que apelou para tudo o que de mais baixo (e fabricado) havia para combater a TVI. A fórmula parecia ser: ?se o outro põe no ar um caminhão de lixo, vamos pôr nós no ar um aterro sanitário inteiro?. O problema foi o cheiro…

?O Bar da TV? teve um começo pífio. Até que começaram a ocorrer os episódios menos dignificantes. Depois de verem os dois primeiros dias do concurso, em que houve cenas de nu no banho e brincadeiras com um vibrador, os pais de uma das concorrentes, gente simples de uma vila do interior do país, Borba, resolveram ir a Lisboa tentar convencer a filha a abandonar o programa. Foram recebidos pela produção do programa, que os deixou esperando durante quatro horas até que chegasse o horário nobre para levarem tudo ao ar: a conversa dos pais com a moça, que resistiu a sair, misturada com litros de lágrimas. Tudo ao vivo. A produção afivelava uma cara compungida e dizia estar passando por momentos difíceis. Pura mentira: estavam era felizes da vida porque as audiências saltavam para cima a cada minuto. O pior foi quando a moça pediu para falar com a psicóloga do programa (cada reality show costuma ter um psicólogo), perguntando se a conversa não poderia ser privada. Disseram-lhe que sim, mas as câmaras continuaram ligadas e ao vivo.

No dia seguinte, o côro de condenação subiu às alturas. A SIC tinha violado as leis da TV que garantem a privacidade às pessoas que a peçam, e além do mais violara ainda o sigilo obrigatório entre psicóloga e paciente. Pior, ainda não se sabe ao certo se a tal psicóloga (espanhola) o é de fato. Se não for, ainda por cima mentiram.

Bom, poderia gastar muito mais linhas a continuar o relato das peripécias da história, mas temo que os coleguinhas dessas terras, preocupados com coisas muito mais sérias como apagão e ACM, não tenham paciência para ler. Só vou dizer que o Ediberto pediu demissão supostamente porque alguém da SIC autorizou que o namorado de uma concorrente entrasse na casa durante a noite para fazer com ela aquilo que é costume fazer debaixo dos lençóis – principalmente se há uma câmera de infra-vermelhos a gravar tudo. Foi isso? Duvido, o homem demonstrou ter muito poucos escrúpulos, não seria um episódio tão insignificante que o levaria a uma decisão dessas.

Seja como for, o episódio já teve pelo menos uma consequência boa: as pessoas se deram conta do que significaria ter privatizado a RTP, como muitos defendiam. Três ou quatro reality shows, a baixaria a atingir níveis insuspeitos (sempre se pode ir mais baixo), o telelixo a tomar conta de toda a TV aberta. Resultado: já ninguém fala em privatizar a RTP. O que se discute agora é como se pode regular as TVs da baixaria privada, sem cair na censura. Um debate, aliás bem interessante. O outro: como se pode fazer televisão de qualidade e de serviço público (e por isso estatal), uma televisão que tenha audiência porque está formando e não deformando as pessoas. Esta é a verdadeira briga que emerge da guerra das audiências.

Esqueci dele – Falha minha: esqueci de creditar o fotojornalista Custódio Coimbra, autor de todas as fotos do caderno. Como bem lembrou o coleguinha que me deu o toque, as fotos estava perfeitamente casadas com as matérias, demonstrando o cuidado do trabalho de Custódio. Ah! o Coleguinha que me deu o toque sobre o autor das fotos é de texto o que desemente alguns fotojornalistas mais paranóicos que acham que todos os que não são fotojornalistas desprezam quem é…

Muda, Globo.com! (III) – As mudanças na cúpula da Globo.com devem continuar.

?Ora, direis…? – Darth Vader já não está no zênite na Estrela da Morte.

DirecTV x Império – A DirecTV espera para quarta, dia 6, o parecer da relatora Hebe Romano, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), sobre o direito de poder usar o sinal da Rede Globo em seu sistema de canais via satélite. O Cade vai julgar a questão, mas o veredicto pode não ter valor algum, segundo a revista ?Meio & Mensagem?: o governo federal já declarou de que a decisão do Cade ?não será terminativa?. Ou seja, se a DirectTV, do grupo Galaxy Latin America, ganhar, é quase certo que não leve. A Globo tem o apoio de deputados da região da Amazônia sobre a questão. Eles entendem que a disponibilização do sinal à concorrente poderá contribuir para a internacionalização da Amazônia. Sei não, mas isso ainda vai acabarna OMC…

Censura no Paraná – Uma carga de 100 mil jornais com críticas ao governador do Paraná, Jaime Lerner (PFL) foi apreendida, na quarta, dia 30, pela Receita Federal sob alegação de falta de nota fiscal. Produzido pelo Fórum de Luta por Trabalho, Terra, Cidadania e Soberania, o jornal, de quatro páginas, defendia na primeira página o impeachment de Lerner. O material contém textos que ligam o governador a atos de corrupção no Paraná e o relacionam ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).

A apreensão ocorreu quando um caminhão descarregava a encomenda em frente à sede de Curitiba da Central Única dos Trabalhadores (CUT), integrante do fórum que produziu o jornal. O secretário-geral da CUT, Florisvaldo Raimundo de Souza, disse que a documentação para o transporte dos jornais estava em dia. A nota fiscal, segundo ele, estava em poder da CUT e o transportador tinha uma declaração de origem para garantia fiscal."

PUBLICIDADE ENGANOSA

"O resfriado e a verdade", Folha de S. Paulo, 3/06/01

"Fiquei surpreso outro dia ao dar de cara com um daqueles comerciais de vitamina C na TV. Acho que era do Cebion. Em minha ingenuidade, acreditava que esse tipo de publicidade, associando a vitamina C à prevenção do resfriado, havia morrido com o bom Linus Pauling. Não morreu.

Até agora não sei o que me admira mais, a impropriedade científica (a vitamina C não previne o resfriado) ou a legal (o Código de Defesa do Consumidor veda a propaganda enganosa).

Nos anos 70 talvez ainda fosse razoável achar que a vitamina C evitava resfriados. De lá para cá, pelo menos 30 estudos controlados demonstraram que a administração do ácido ascórbico oral (vitamina C) não tem nenhum efeito sobre a incidência do resfriado. Talvez haja uma modesta ação terapêutica, isto é, verificou-se que o ácido ascórbico pode em alguns casos reduzir o tempo de permanência dos sintomas de um resfriado em pouco menos de meio dia, o que representa 8% ou 9%. Para não agir como alguns anunciantes inescrupulosos, entrego minhas fontes. Uso aqui a revisão de 2000 de Douglas, Chalker e Treacy, da Universidade Nacional da Austrália.

No plano legal, a questão deveria ser ainda mais simples. O Código de Defesa do Consumidor é bastante claro . O artigo 37 proíbe a publicidade enganosa ou abusiva, e o parágrafo 1? define como enganosa ?qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços ?.

Juntando A com B, seríamos forçados a concluir que a propaganda não poderia estar sendo exibida. É claro que um bom advogado é capaz de levantar sutilezas que não ocorrem ao senso comum. O artigo 36 do código determina que o anunciante conserve a documentação científica em que baseia sua publicidade. Mas não exige que os estudos estejam atualizados. No limite, com um bom advogado e tratados médicos medievais, alguém poderia anunciar as virtudes das sanguessugas como panacéia.

É claro que essa não é uma questão apenas para advogados. Há também uma dimensão filosófica e é ela que me interessa. O problema é que o conceito de verdade -e por conseguinte o de engano- é algo precário.

O senso comum costuma imaginar a ?verdade? como ?conformidade com o real?. É uma boa definição, mas ela pressupõe a existência de um mundo externo cognoscível, o que está longe de ser um consenso filosófico.

Platão tinha seu mundo das idéias e só eram ?verdadeiras? as formas perfeitas que o habitavam. Para Kant, o real, entendido como universo das coisas em si, até existe, mas nós, pobres seres humanos, não podemos conhecê-lo como ele de fato é, tendo de nos contentar com o fenômeno, ou seja, com as coisas como são percebidas pelo sujeito. Já David Hume postulava a impossibilidade de afirmar, com toda a certeza, que o sol vai nascer amanhã, pois esse é um raciocínio indutivo e, de uma indução, não podemos jamais extrair uma certeza. Aqui, a própria ciência fica revestida de uma desconfortável precariedade.

Mas podemos ir mais longe e, com Kurt Gödel (1906-78), afirmar a inconsistência dos sistemas lógico-matemáticos. Gödel demonstrou que todo sistema enseja proposições que não podem ser provadas ou refutadas com base em seus axiomas, de modo que é possível que a aritmética -e com ela as ciências que se utilizam do 2 + 2 = 4- dê margem a contradições. Assim, quando o Código de Defesa do Consumidor determina no artigo 37 a proibição da propaganda enganosa, pretende resolver, com um golpe de caneta, o que a filosofia não foi capaz de fazer nem com 2.500 anos de extensos tratados.

Mesmo sem recorrer a embaraços filosóficos, permanecendo no sólido terreno do senso comum, é impossível dizer tudo a respeito de não importa o quê. Facas podem fazer mal à saúde se quem estiver a manipulá-las for um louco homicida. Parece pouco sensato, porém, exigir que a propaganda de cutelos, como a de cigarros, traga uma advertência quanto aos riscos de permitir que o instrumento caia em mãos de um lunático, ainda que essa seja uma informação verdadeira e que deixar de fornecê-la configure omissão.

Anunciar, um produto, um fato ou até uma ?verdade? matemática, é, na melhor das hipóteses, afirmar uma meia verdade ou uma verdade provisória. Pretender que a propaganda, de não importa qual tipo, não seja em algum sentido enganosa é um engano maior do que o que se pretendia evitar.

Talvez a única forma de banir o engano seja renunciando à própria linguagem, isto é, calando-nos definitiva mente. Mas esse é um preço pouco razoável. Num certo sentido, são os enganos -e as tentativas de superá-los – que nos fazem avançar, até o ponto, por exemplo, de descobrir que a vitamina C não previne o resfriado."

    
    
              

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