TV DIGITAL
“O caminho da TV digital”, copyright Folha de S. Paulo, 6/03/03
“O Brasil tem que anunciar a intenção de fazer o seu padrão de TV digital, capacitar técnicos para isso, mas não cometer a imprudência de sair da intenção para os atos. A proposta de montar o padrão brasileiro de TV digital deve ser um meio para alcançar um objetivo de longo prazo muito mais relevante: tornar o país parceiro no desenvolvimento de propriedade intelectual e softwares para o próximo padrão de TV digital escolhido, seja ele o norte-americano, o europeu ou o japonês.
Em um país que jamais pensou em estratégias de desenvolvimento de longo prazo, é conveniente que o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, preste atenção na proposta. Sua implementação exigirá uma estratégia concertada dentro do governo Lula e poderá se constituir na primeira tentativa bem-sucedida de colocar o país em linha com o estado da arte da tecnologia mundial.
Essa proposta de definição da estratégia de implantação da TV digital foi desenvolvida por especialistas do Cesar (Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife), uma ONG sem fins lucrativos que se transformou na mais bem-sucedida experiência de integração das pesquisas acadêmicas em informática ao mercado, tornando a Universidade Federal de Pernambuco um dos pólos de excelência na área de computação. Para eles, o processo é mais importante do que o resultado imediato. Seja qual for o padrão, a proposta é absorver agora o conhecimento para embarcar na próxima geração de TV digital.
O Brasil não possui nenhuma condição, nem técnica nem financeira, de desenvolver um padrão de TV digital capaz de concorrer com os três existentes. O país não dispõe sequer de pessoal para integrar os comitês de padronização tecnológica na área de telecomunicações ou de software.
No entanto, com seus 60 milhões de televisores, o Brasil é um mercado relevante. Se eventualmente vier a se associar à China e à Índia na definição de um padrão, tornar-se-á mais relevante ainda.
O primeiro passo será anunciar a intenção de criar um padrão próprio e investir na capacitação dos técnicos brasileiros. Não se perde nada. Essa capacitação será fundamental para nossos técnicos estarem aptos a dominar o padrão a ser adotado, seja qual for ele.
Com a ameaça de criação de um padrão próprio, mais a capacitação de técnicos resultante desse desenvolvimento, o país teria condições de entrar na mesa de negociações com os três padrões existentes, apresentando uma proposta de largo espectro. Seria adotado o padrão capaz de permitir ao Brasil tornar-se parceiro no desenvolvimento de software da próxima geração de TV digital daquele padrão.
Nas negociações, se exigiria do padrão vencedor a instalação de centros de desenvolvimento no país, com a formação de engenheiros brasileiros, a inclusão de empresas e da universidade no desenvolvimento do próximo padrão.
Os técnicos do Cesar consideraram perigosa qualquer tentativa do país de colocar o interesse no hardware (o aparelho de TV) à frente do software (os programas que serão desenvolvidos). Seria reeditar os erros da reserva de mercado da informática, que privilegiou as máquinas e jogou para segundo plano a vocação brasileira de software.”
“Vale a pena ver de novo”, copyright Folha de S. Paulo, 11/3/03
“Instituto criado pela Gradiente, que apoiou Lula, deverá desenvolver sistema nacional de TV digital.
Miro Teixeira, ministro das Comunicações, pretende apresentar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cerca de 20 dias, sua proposta para o desenvolvimento da TV digital nacional, no mais inédito capítulo dessa novela que já dura mais de cinco anos no país.
O projeto, que envolverá R$ 100 milhões em verbas públicas, deverá ser encabeçado por dois institutos de pesquisa, o CPqD (fundação antes pública, ligada à Telebrás, privada desde 1998) e o Genius. Este último foi criado em 1999 pela Gradiente, de Eugênio Staub (primeiro empresário de peso a declarar apoio a Lula na campanha do ano passado), que doou, por meio da empresa, R$ 250 mil à candidatura do petista.
O Genius é hoje uma fundação sem fins lucrativos, desvinculada formalmente da Gradiente, apesar de tê-la como principal cliente e de o presidente de seu conselho deliberativo, Moris Arditti, ser vice-presidente da companhia.
O ministério deverá apontar essas instituições a Lula para coordenar as pesquisas de criação de um sistema brasileiro de TV digital. A escolha será feita sem licitação, de acordo com Miro.
O ministro pretende formar um consórcio entre o CPqD, o Genius e universidades. Segundo ele, outros institutos interessados, que se manifestarem até sua apresentação a Lula, serão avaliados.
Para Paulo Boselli, consultor em licitações e professor da Unesp, a licitação seria indispensável. ?A escolha não pode se dar como numa empresa privada. Há inúmeros institutos de pesquisa no país e com certeza o ministro não examinou o potencial de todos eles.?
Miro disse ter sido procurado pelo presidente da Gradiente dias após assumir o cargo, quando falou publicamente sobre seus planos. ?A primeira manifestação veio por telefone do CPqD. Em seguida, me ligou o Staub dizendo que o Genius tinha a possibilidade de avançar nessa pesquisa e me cumprimentando pela idéia.?
Os institutos, que já tinham estudos sobre o assunto, foram convidados a realizar uma apresentação no ministério.
Miro nega que o apoio do presidente da Gradiente à eleição de Lula tenha influenciado sua escolha.
O presidente do conselho do Genius e vice-presidente da Gradiente, Moris Arditti, disse que o ministro levou em conta trabalhos desenvolvidos pelo instituto na área e foi ?coerente?.
Segundo o ministro, 12 meses após o aval de Lula ao projeto, deverá ser realizada a primeira demonstração com o sistema nacional, e a implantação comercial começaria em cerca de três anos.
Sua proposta e a escolha de Genius e CPqD para tocar o projeto têm gerado polêmica. Parte do setor crê que o Brasil não será capaz de desenvolver a transmissão digital e concorrer com quem hoje detém essa tecnologia (Japão, EUA e Europa). A fatia brasileira ficaria mais restrita à produção de softwares (programas que permitem usar TV como computador).
Miro confirma que, na transmissão, deverão ser usados recursos dos três padrões existentes. Assim, o governo federal agradaria a gregos e troianos, dando oportunidade às indústrias brasileiras e ainda barganhando contrapartidas com os estrangeiros.
Um método híbrido deixa ainda mais agitado o lobby internacional. Nesta semana, norte-americanos chegam ao Brasil para reuniões com governo e TVs.
As emissoras, que investiram em testes para os padrões internacionais, começam a criticar a proposta do ministro.
Fabricantes de aparelhos de TV temem que a iniciativa isole o país e encareça o custo final para o consumidor. Estão preocupados em repetir a história do Pal-M (sistema de televisão em cores que o Brasil criou e adotou nos anos 70), que isolou o país da tecnologia usada na maior parte do mundo. Miro diz que as situações são completamente diferentes e assegura que o país não ficará isolado.
Tanta controvérsia é conseqüência do potencial do mercado brasileiro de televisão que, além de ser um dos maiores do mundo, pode centralizar os caminhos do Mercosul na digitalização e formar parceria com a China, que também desenvolve um padrão.”
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“Miro Teixeira diz que licitação não será necessária”, copyright Folha de S. Paulo, 11/3/03
“O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, deu duas entrevistas à Folha sobre seus planos para a TV digital.
Na primeira, em 19 de fevereiro, afirmou que faria licitação para definir quem faria a pesquisa de TV digital. Mas no dia 25, disse que o procedimento seria desnecessário, já que constituiria um consórcio, formado pelos institutos de pesquisa CPqD, Genius, universidades e outros interessados. ?E o projeto deixará claro que os direitos autorais são da União.?
O ministro negou que a escolha do Genius tivesse relação com o fato de Eugênio Staub (presidente da Gradiente, que criou o instituto) ter apoiado Lula. ?Para mim [isso não gera mal-estar] nenhum, porque eu e o senhor Staub sabemos que nunca havíamos nos falado antes de eu anunciar a idéia.?
Miro também falou sobre a independência do Genius em relação à Gradiente. ?O Genius, ao que me consta, surgiu de associação da Nokia e Gradiente e, depois, a Gradiente saiu e hoje é auto-sustentado. Mas, ainda que fosse [vinculado], não teria embaraço. Adoraria que empresas brasileiras tivessem institutos de pesquisa.?
O ministro afirmou também ser importante o fato de o instituto já ter desenvolvido pesquisas na área. De acordo com ele, outros interessados poderão participar do projeto. ?A Abert [associação de TV] quer participar e acompanhar. Vai participar e acompanhar. Li [artigo de] um professor de Campina Grande que acha caro o orçamento do CPqD. Mandei chamá-lo.?”
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“Redes e indústria fazem críticas”, copyright Folha de S. Paulo, 11/3/03
“Fabricantes de televisores e emissoras de TV vêem com preocupação a iniciativa do governo federal de desenvolver um sistema nacional de TV digital. Seus argumentos são de que isso pode isolar tecnologicamente o país e encarecer os aparelhos.
?Desenvolver um padrão nacional não é economicamente viável?, diz Walter Duran, diretor de marketing da Philips (defensora da tecnologia européia).
A TV digital é composta por quatro elementos: o compressor e o modulador do sinal, o middleware (algo como o Windows para os microcomputadores) e os softwares (aplicativos que permitem, por exemplo, a interatividade).
?A proposta [de governo, Genius e CPqD] é tentar fazer um middleware. Isso é caro e não dá retorno, porque não será exportado. Além disso, teremos que pagar royalties de qualquer jeito, para os estrangeiros ou, nesse caso, para os brasileiros?, diz Duran.Coordenador do grupo Abert/ SET (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão/ Sociedade de Engenharia de Televisão), que liderou a realização de testes dos padrões norte-americano, europeu e japonês, Fernando Bittencourt também faz críticas. Ele diz que o Brasil só deve seguir o caminho de um padrão próprio ?caso não consiga nos já existentes todas as características técnicas que julgue imprescindíveis? se não conseguir negociar contrapartidas comerciais justas.
Bittencourt, que é diretor da Central Globo de Engenharia e defensor do padrão japonês, também é cético quanto à economia que um sistema nacional traria em pagamento de royalties. Para ele, os aparelhos e seus componentes podem se tornar mais caros no Brasil se forem fabricados exclusivamente para o país.”
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“Gradiente nega que tenha havido favorecimento”, copyright Folha de S. Paulo, 11/3/03
“Vice-presidente da Gradiente e presidente do conselho deliberativo do Genius Instituto de Tecnologia, Moris Arditti nega que Eugênio Staub, presidente da empresa, tenha influência sobre o governo e sobre a decisão de desenvolver um sistema nacional de TV digital.
?O sr. Staub não considera que tem influência no atual governo, e mesmo que o tivesse, o instituto Genius possui seus próprios méritos e chegaria aos mesmos resultados sem a presença do sr. Staub?, afirma.
Arditti também não vê problemas no fato de o instituto ter sido criado pela Gradiente e possuir na presidência de seu conselho deliberativo um executivo da empresa. ?O Genius foi concebido, fundado e no início financiado por verbas da Gradiente. É natural portanto que no seu conselho se encontrem executivos da Gradiente. Mas há uma separação rígida entre essas duas entidades. O Genius desenvolve hoje tecnologias para clientes que são concorrentes da Gradiente, como é o caso da Siemens.?
Para Arditti, o desenvolvimento de um padrão nacional baratearia o custo final para o consumidor: ?Escolhido o padrão, os detentores das respectivas propriedades intelectuais irão cobrar o valor das licenças para cada aparelho produzido no Brasil. Quando o país declara que terá um sistema próprio ou negociará previamente as licenças dos subsistemas, a concorrência entre os três sistemas torna seus detentores mais flexíveis e inclinados a negociar?.”