ESTRANGEIRISMOS
Henrique O. Pires Alves (*)
Parece-me que a questão do estrangeirismo na língua sempre é mal colocada em discussão. Em vez de uma peleja infindável entre nacionalistas e internacionalistas, sempre uns acusando outros de agentes estrangeiros ou de censores, caberia saber quando o uso de termos estranhos ao português ameaçam ? e se ameaçam ? nossa cultura e sociedade.
Citaria aqui alguns exemplos de questões a examinar:
1. O problema central diz respeito a uma pretensa invasão do inglês. Qualquer enfoque superficial mostra que francês, alemão, japonês etc. não incomodam tanto. E por que não? Parece que a sensação de invasão depende do grau ou quantidade em que esse contato se dá. Portanto, talvez não seja o caso de fechar a porta, mas de apenas não deixá-la se escancarar.
2. Falando no japonês: a recente presença acentuada de arte marcial combinada a animações enlatadas japonesas nos meios de comunicação começa, sim, a incomodar certa sensibilidade nacionalista. Mas o problema não passa prioritariamente pela língua (inclusive pelas incompatibilidades de escrita). Talvez devamos colocar esses problemas num plano que envolva qualquer manifestação cultural, não somente a da escrita.
3. Painéis de comando de máquinas e equipamentos, com termos em inglês, desde o trivial Gradiente do adolescente até o avançado equipo de eletrossonografia: dificultam o aprendizado de operação (aumentam o custo desse aprendizado e aprofundam o apartheid entre os que detêm e os que não detêm saber); reduzem a eficiência da operação (o que, conforme o caso, pode significar prejuízo em cifras, atrasos, manutenção e mesmo em vidas); desestimulam e desvalorizam o produto concorrente local e estimulam a simulação (a cópia do modelo estrangeiro vira estratégia de sobrevivência da produção local, o que ao fim e ao cabo é ótima escola para essa pirataria que anda assolando).
4. Terminologia inglesa ou "inglesada" de marcas, letreiros e slogans no comércio, sobretudo o de moda: faz parte de um círculo vicioso que mina a confiança numa evolução autônoma que se pode ter numa área de produção onde já se controlam todas as demais variáveis, a saber: matéria-prima, indústrias, mão-de-obra habilitada e mercado. Onde só se copia, pouco se ousa; onde não se ousa, não se assume controle; renunciando-se ao controle, segue-se na fragilidade.
5. A invasão do inglês é um sintoma. Outro é a mimetização de um internacionalismo urbano, que na verdade é uma versão "paroara" do americanismo que deforma e pasteuriza as cidades, afetando arquitetura, decoração e agora já o modo de ser de certos grupos: essa pasteurização atinge a singularidade, ou personalidade nacional, ou local, e será que não compromete nosso destino? Com certeza prejudica o turismo ? por que ninguém viaja só pra ver praia, se o resto que observa lembrar vagamente o pior do que deixou em sua terra…?
6. Precisamos de carinho: de demonstrar carinho com o que temos, com nossa cultura, com nossa história, com nosso ambiente, com nossas cidades, com nossos monumentos, com o que somos. Cabe ao governo ? e à lei, e à sua aplicação e fiscalização ? disparar essa reação em cadeia. Quando demonstro que tenho apreço pelo modo como minha nação se exprime, no último elo dessa corrente estou eu mesmo, como parte dela. Se não for assim, cada vez mais veremos, lá na feira de Garanhuns, mais e mais gente vestindo camisetas "Air Force". E não se pode acusá-las de nada: apenas querem se sentir valorizadas.
Enfim, gostaria que essa questão da internacionalização do Brasil como ente sociocultural, questão essa que pressinto afetar o cerne de todas as demais questões do universo político e econômico que hoje nos afligem, fosse apresentada sob outras luzes além dessa de "caçar" termos estrangeiros.
(*) Rio de Janeiro