Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Álvaro Bufarah Jr.

ASSESSORIA DA PRESIDÊNCIA

“Um repórter na assessoria do Planalto”, copyright Comunique-se <www.comunique-se.com.br>, 15/1/2003

“?Estou metido em comunicação desde que me conheço por gente?. Assim define sua relação com o jornalismo o atual Secretário de Imprensa do Governo Lula, Ricardo Kotscho. A influência vem do avô, que não conheceu e cujas histórias inspiraram o aluno do Colégio Santa Cruz a escrever no jornal da instituição. Depois de passar por alguns jornais de bairro, ele estreou na grande imprensa no jornal O Estado de São Paulo, passando pela Folha de São Paulo, Canal 21, entre outros veículos. Além dele, o irmão, a cunhada, um sobrinho e a filha mais velha seguiram os caminhos do jornalismo.

Após voltar da Alemanha nos anos 70, onde era correspondente do Jornal do Brasil, Kotscho foi trabalhar para a revista Isto É, sob o comando de Mino Carta. Foi o editor que o designou para cobrir a movimentação sindical no ABC paulista com um aviso: ?Fique atento a este tal de Lula. Ele vai ser uma figura importante na história do Brasil?. A proximidade com o líder dos metalúrgicos acabou por se transformar em uma amizade familiar, antes mesmo da criação do Partido dos Trabalhadores. O então repórter não quis se filiar e preferiu continuar na profissão inspirada pelo avô.

A situação se alterou anos mais tarde, quando, na primeira campanha a Presidência em 1989, o atual presidente convidou Kotscho para ser o seu assessor de imprensa. Ele disse ao então candidato que ?nunca tinha sido assessor em sua carreira?. O petista respondeu: ?Eu também nunca fui candidato a Presidência. Vamos trabalhar juntos?. O jornalista foi o idealizador das Caravanas da Cidadania, onde Lula viajou por todos os Estados brasileiros, acompanhado por assessores e especialistas.

Nesta entrevista ele fala sobre a profissão, a competitividade do mercado e os novos rumos de sua carreira como assessor da Presidência.

Álvaro Bufarah – Por que você escolheu o jornalismo?

Ricardo Kotscho – ?Quando uma pessoa não dá certo em nada na vida acaba virando jornalista?. Esta é uma brincadeira que faço, mas na verdade eu tive uma grande influência de um avô, que não conheci, que foi jornalista e morreu durante a Segunda Guerra. Quando era garoto ouvi muitas histórias dele que me inspiraram. É uma profissão que tem muitos sacrifícios, mas tem muitas compensações também. Você imagina que pelo tipo de vida que se leva seus filhos não vão querer seguir a profissão. Mas hoje virou moda. Há muitos jornalistas que têm filhos que também são jornalistas. Nós, de modo geral, temos o mau hábito de falar mal da profissão. Então eu costumo dizer a estes colegas: por que você não vai fazer outra coisa na vida? Você não é obrigado a ser jornalista.

AB – Em todos os veículos em que você trabalhou os colegas reconheciam seu texto e sua vocação de repórter. Até hoje você ainda faz questão de ser um repórter?

RK – É verdade. Eu sempre gostei de ir para a rua, de ter contato direto com a realidade, com a população, com lugares. Eu acho isto o mais fascinante da profissão. O pouco tempo que trabalhei interno em redações eu não era tão feliz como no período que estive como repórter na rua.

No Brasil, infelizmente, para se ter um salário melhor você precisa deixar de ser repórter. Embora este quadro esteja mudando, você já tem bons salários também para repórteres. Mas muitos acabam virando chefes, editores, diretores por mera questão salarial. Faço uma comparação desta mudança com o que aconteceu comigo na campanha para o trabalho que faço agora. A campanha é uma atividade de rua, de reportagem. Este trabalho na Secretaria de Imprensa é como um trabalho de redação. Fico a maior parte do tempo fechado no gabinete. Para mim, o verdadeiro jornalismo, que eu gosto, é feito na rua. A redação é só para escrever o que você viu lá fora.

AB – Eu me recordo de uma conversa que tivemos quando você estava na direção do Canal 21 e você dizia da sua indignação com os ?filhos da pauta?. Isto ainda continua?

RK – Quando eu comecei, o primeiro grande jornal em que trabalhei foi o Estadão na década de 60, praticamente não havia pauta. Você chegava na redação e o chefe de reportagem te dava uma retranca: ?Vai a tal lugar cobrir tal coisa?. Com o tempo criou-se a editoria de pauta, que veio crescendo e criando pautas cada vez mais detalhadas. Acredito que isto acostumou mal o repórter. Principalmente na televisão onde tudo é marcado. Muitas vezes o repórter só vai ao local fazer uma passagem ou uma entrevista rápida. No Canal 21 alguns reclamavam: ?Só faço pauta chata ou difícil?! Eu respondia: ?Ok. Se você tiver uma matéria melhor me apresenta que eu autorizo. Você não é obrigado a fazer esta pauta?. Enfim as pessoas não procuram mais levantar assuntos. Embora ainda temos algumas exceções. Em suma: ?Você deve trazer as informações da rua para a redação e não ficar esperando que redação decida o que você vai fazer?.

AB – No seu livro de reportagem você dá uma série de dicas para os jovens repórteres, já que explica como foram feitas algumas das suas matérias, incluindo uma bela história em um feriado. Como você avalia um bom repórter para cobrir o dia-a-dia?

RK – Você tem de partir do princípio que tudo dá matéria. Minha mulher e minhas filhas brincam comigo nas férias, porque se passo em um lugar e vejo algo, ouço uma história, ou conheço alguém interessante, logo penso que isso pode dar matéria. Então você tem de estar atento, olhando e ouvindo tudo. O que é uma matéria senão uma novidade, uma notícia que você vai contar para alguém. Não tem hora, não tem dia. Em uma passagem do meu livro ?Prática da Reportagem?, conto que, em uma véspera de Natal, estava de plantão com o fotógrafo Gil Passareli, quando uma pessoa ligou denunciando que os médicos e as enfermeiras de um posto do INSS estavam fazendo uma festinha e não estavam atendendo ninguém, e que uma pessoa havia morrido na fila. Eu achei a história meio maluca, mas fui checar. A denúncia era verdadeira. Em função da minha matéria os responsáveis foram punidos e caiu toda a direção do INSS na época. Isto é a essência da profissão da gente. É você denunciar o que está errado e ao mesmo tempo procurar as situações boas para que sirvam de exemplo para as pessoas.

AB – Você, que trabalhou em várias redações e acabou de reafirmar a importância de procurar bons exemplos para o público, como avalia a necessidade do jornalismo atual de ter uma manchete, mesmo não tendo um assunto?

RK – Acredito que este é o grande vício da imprensa brasileira atualmente. Esta busca desesperada por manchetes, mesmo quando os fatos não justificam a notícia. Você pode ver grande quantidade de manchetes que não batem nem com o próprio texto, e repórteres que esquentam, turbinam a matéria. É uma situação que depõem contra o jornalismo. Você tem que contar o que está acontecendo sem forçar a barra, nem de um lado, nem de outro. Eu não sou desses assessores que criticam a imprensa porque criticou o governo. Eu acho que este é o papel da imprensa. Mas eu vejo muita bobagem escrita por aí. Agora que estou dentro do governo leio o que sai e vejo que não condiz com a realidade. Acredito que esta situação acontece por causa da pressão das chefias, que exigem dos repórteres, e também da falta de personalidade dos profissionais em aceitarem este jogo. Eu nunca aceitei isto e nunca fiquei sem emprego um dia sequer.

AB – Com o seu trabalho você consegui vários prêmios, incluindo dois Prêmios Esso, o que a maioria dos jornalistas gostariam de ter. Porém, alguns colegas atualmente fazem matérias já pensando nos possíveis prêmios. Isso não atrapalha o resultado do processo de reportagem?

RK – Não sou saudosista. Você ainda encontra jovens profissionais que pensam como eu. Mas, de maneira geral, o jornalista hoje se sente mais importante que a notícia. Você constata isto principalmente em programas de TV, onde o entrevistador quer aparecer mais que o entrevistado. É uma vaidade terrível! Uma competição sem sentido, onde se acredita que o prêmio vai melhorar alguém. Um prêmio é conseqüência de um bom trabalho. Você faz o dia-a-dia e no fim do ano escolhe duas ou três matérias que ficaram melhores e as inscreve. Isto não pode ser o objetivo da vida de um profissional. Eu sempre digo aos jovens jornalistas e estudantes: ?Você precisa saber porque é jornalista. Não é só uma opção profissional. É uma opção de vida?.

AB – O mercado ficou muito competitivo ao longo dos últimos anos. E muitos profissionais acabaram aceitando o jogo sujo como uma ferramenta para o sucesso ou a promoção. Qual sua análise deste processo?

RK – O caráter da profissão vem se alterando com os anos. Jornalismo virou um produto de mercado como qualquer outro. Perdeu o idealismo o compromisso social. Hoje é cada um por si e Deus por todos. Antigamente, você era amigo até de profissionais de jornais concorrentes. Saíamos para jantar, viajávamos juntos. Éramos todos amigos e cada um fazia seu trabalho da melhor forma possível. Atualmente tem esta competição, esta concorrência dentro dos veículos. Muitas vezes entre dois colegas que sentam lado a lado. Não é bom para a profissão nem para a sociedade. Porque o nosso objetivo final é informar bem as pessoas. Não ver quem é melhor, ou quem ganhou mais prêmios. Cada dia o conjunto dos jornalistas deve informar da melhor forma possível o que está acontecendo no país e no mundo.

AB – Como é o processo de valorização profissional que você colocou em prática no Canal 21, onde os jornalistas mais velhos tinham boas oportunidades de demonstrar suas experiências?

RK – Hoje se dá mais importância à forma do que ao conteúdo. Não importa a idade da pessoa, se é bonita ou feia, se alta ou baixa. O que importa é o que ela tem a dizer. Principalmente a disposição para um bom trabalho. Este é o fator fundamental, mais que o talento. A própria vitória do Lula é uma demonstração disto. A determinação dele em fazer quatro campanhas para chegar à Presidência. Quantas pessoas teriam a coragem, disposição e a determinação de fazer isto? E a mesma coisa vale para a reportagem. É você pegar cada dia um assunto e tratá-lo como o mais importante da sua vida. Não desanimar, não desistir nunca. Um bom exemplo disto foi a Fátima Souza, na época repórter do Canal 21, que apesar de alguns preconceitos conseguiu fazer sempre um bom trabalho.

Política

AB – Como você conheceu o Lula e acabou entrando neste projeto que resultou na Presidência da República?

RK – Fui correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha nos anos 70 e, quando eu viajei para lá ainda não conhecia o Lula, nem PT. A primeira vez que o vi foi na capa da Revista IstoÉ. A matéria falava de uma nova liderança sindical. Por coincidência, quando voltei da Europa fui trabalhar na mesma revista e o Mino me encarregou de fazer as coberturas do ABC e pediu para ter atenção a um tal de Lula que iria ser um personagem importante na história do Brasil.

Em pouco tempo, nós ficamos amigos e nossas famílias também. Eu passei a freqüentar a casa dele e ele a minha. Tudo antes da criação do PT. Vi toda a criação do partido, mas nunca me filiei. Na campanha de 1989 ele me chamou para ser o assessor de imprensa. Atividade que nunca tinha feito antes, nem pretendia. Disse a ele: ?Eu nunca fui assessor!!!? E ele respondeu: ?Eu também nunca fui candidato à presidência da República! Vamos trabalhar juntos?. E fui, voltando em 1994.

Um fato curioso: as pessoas saem das redações para ganharem fortunas nas campanhas. No meu caso sempre fui ganhando menos porque eu acreditava no projeto e ainda acredito no Lula. Acho que os jornalistas podem fazer um bom trabalho dentro e fora das redações como, por exemplo, as Caravanas da Cidadania, em 1994, que foi uma sugestão minha. No fundo era uma grande reportagem onde se colocava o candidato com o povo e a realidade brasileira. O resto foi conseqüência.

AB – No decorrer deste processo como foi trabalhar com o Lula nas campanhas? Como foi estar do outro lado do balcão com este processo competitivo onde todos querem exclusivas e boas manchetes?

RK – Foi um trabalho muito difícil. A cada campanha havia mais profissionais cobrindo. Você fica no sanduíche entre o candidato e os jornalistas. Mas tudo é experiência de vida. Na primeira eu apanhei muito. Na segunda melhorei um pouco e na última já não sofri tanto. Eu acho que eu consegui fazer um bom trabalho. No dia da posse havia 1500 jornalistas credenciados e não houve nenhum incidente. Todo mundo saiu satisfeito com o trabalho que fez. Esta é a minha função hoje.

AB – Sua atuação mudou? Você ainda faz o trabalho de um bom repórter na busca por informações para levá-las aos jornalistas?

RK – É um caminho de duas vias. Procuro levar informações de dentro do governo para a sociedade através dos jornalistas. Mas procuro me informar sobre o que está acontecendo na sociedade e com os próprios colegas para poder informar ao governo. Acredito que minha função é ser a ponte entre o governo e a sociedade.

AB – Um dos fatores fundamentais para a eleição de Lula foi uma alteração na forma da população encará-lo. O próprio empresariado mudou sua forma de agir em relação à candidatura do PT. Isto também ocorreu com a imprensa?

RK – A cada campanha a situação foi mudando. Nós ampliamos as relações tanto na imprensa, como no empresariado, e nos demais setores da sociedade. Também houve um cansaço de oito anos do governo anterior. Resumo isto afirmando que ?era a vez do Lula?. O povo estava querendo esta mudança representada por ele. Acredito que foi o momento certo de ganhar a eleição. Todos nós que participamos deste trabalho, inclusive o próprio presidente, estamos mais experientes, mais preparados do que foi nosso trabalho em 89. Nós teríamos muito mais dificuldades do que se tem hoje.

AB – Qual a sua expectativa para os próximos quatro anos deste governo em relação à imprensa?

RK – Estamos aí para isto. Não para melhorar só o setor de comunicação, mas todos os setores da vida brasileira. Este é o nosso objetivo. Nós lutamos a vida inteira por isto. Cada dia é um dia. Não dá para sabermos como será o Brasil daqui a quatro anos. É mais fácil afirmar que nós vamos trabalhar muito. Estamos trabalhando 16, 18 horas por dia para fazer um bom governo. Para melhorar a vida do país. Este é nosso sonho, que ?cada um na sua área possa ao final de quatro anos deixar um país melhor?.

AB – Eu li no jornal uma nota que dizia que você irá trabalhar também com as assessorias dos ministérios para alinhar os discursos em uma unidade. Como você pretende equacionar esta situação?

RK – Esta uma característica do governo Lula, e na área de comunicação não seria diferente. Existe a Secretaria de Imprensa, a Secretaria de Comunicação, a Radiobrás, as emissoras de TV educativas, as assessorias dos ministérios e também das empresas estatais. Nosso objetivo é que todos trabalhem juntos. Todo dia converso com ministros e com seus assessores para afinar este discurso. No começo é difícil, demos algumas trombadas, o que é natural, mas vamos trabalhar sempre juntos para construir um país melhor. (* Apresentador do programa ?Comunique-se? na allTV)”

 

CLONAGEM & CHANTAGEM

“As notícias clonadas são um perigo”, copyright Público, Lisboa, 19 de Janeiro de 2003.

[Veja outras seis matérias relacionadas na mesma edição do Público, de <http://jornal.publico.pt/2003/01/19/Destaque/X01.html> em diante]

“A francesa Brigitte Boisselier, bioquímica e bispo da seita raelita, cuja fé religiosa se baseia na crença de que extraterrestres baixinhos e verdes criaram os humanos através da clonagem, há 25 mil anos, anunciou a 27 de Dezembro que tinha nascido o primeiro clone humano. Sem mostrar imagens, nem análises de sangue, sem revelar a identidade dos pais ou o local do parto. As credenciais do grupo não eram as mais recomendáveis, mas qual foi a reacção dos meios de comunicação social? Numa época parca em notícias, o anúncio fez capa de jornais e foi repetido inúmeras vezes nos canais de televisão globais, como a CNN. Apesar de absurda, a notícia foi clonada inúmeras vezes nos meios de comunicação.

Como é que uma seita cuja credibilidade ronda o zero conseguiu ter tempo de antena, durante vários dias, em todo o mundo? Não ofereceu mais do que uns porta-vozes de aspecto exótico – o profeta Rael, com o seu chinó, e a bispo Brigitte, com um certo ar de bruxa da Branca de Neve – e uma história que fazia despertar um dos fantasmas colectivos que mais têm assombrado a imaginação da humanidade nos últimos anos: o nascimento de um clone.

A escolha da época de Natal e Ano Novo foi um golpe de mestre, em termos publicitários: é uma altura em que praticamente não há notícias, as famílias juntam-se e, como sempre acontece quando os humanos se agrupam em torno de uma fogueira – que na versão moderna pode ser a televisão -, gostam de ouvir histórias aterrorizantes.

A história foi sendo reforçada com o anúncio do nascimento de outros clones e a promessa de muitos mais a caminho – o anúncio mais recente foi ontem e o vice-presidente da Clonaid, a empresa dirigida por Boisselier, disse já que há duas dezenas prestes a nascer.

Mas se o susto pregado pelos raelitas – tudo indica que não seja mais do que isso, uma espécie de terrorismo psicológico que lhes permite ganhar tempo de antena gratuito nos Media internacionais – foi um grande golpe, não é inédito.

Em 2001, uma empresa norte-americana fez também um anúncio bombástico, numa altura escolhida a dedo. Cientistas da Advanced Cell Technology publicaram numa revista on-line, propriedade de um empresário da biotecnologia, um artigo em que relatavam ter clonado embriões humanos, que apenas se desenvolveram até terem seis células. O anúncio foi feito durante a ponte do Dia de Acção de Graças nos Estados Unidos – dias em que tudo pára, como no Natal.

Antes de cientistas e jornalistas perceberem bem o que estavam a noticiar, o nome da empresa foi falado em todo o mundo. Os meios de comunicação social citaram-se uns aos outros, recusando-se a ficar para trás, se os seus concorrentes também davam a notícia. Mas a comunidade científica foi unânime em dizer que isto não foi mais que uma experiência fracassada, que nem merecia publicação.

O motivo da divulgação foi compreendido na segunda-feira após o feriado, quando a revista ?U.S. News & World Report? publicou uma reportagem exclusiva sobre a investigação da empresa no campo da clonagem terapêutica e apresentava a história de um homem que poderia voltar a andar se as experiências da empresa fossem autorizadas nos Estados Unidos.

O mais interessante nestes momentos em que a clonagem se torna uma notícia avassaladora internacionalmente é que não resultam da publicação de artigos científicos, ou da avaliação das experiências por outros cientistas. São anúncios bombásticos feitos em conferências ou comunicados de imprensa, publicados pelos Media antes de outros cientistas os puderem analisar. Assim a notícia corre mundo antes que ouros investigadores expliquem, por exemplo, que o que a Advanced Cell Technology anunciava como um feito era na verdade um fracasso, ou que as aparições de Brigitte Boisselier têm todas as marcas da charlatanice.

O pior de tudo é que, pelo menos nos EUA, estes anúncios estão a tornar-se numa actividade lucrativa. O jornalista Tim Rutten, do ?Los Angeles Times?, relatava recentemente que o ginecologista italiano Severino Antinori, que diz ter mulheres com clones no útero, está a cobrar 100.000 dólares (praticamente o mesmo valor em euros) por entrevistas de viva-voz. Se for por escrito, o preço é mais ameno: apenas 500 dólares.

Panos Zavos, um andrologista dos EUA que inicialmente se juntou a Antinori mas agora está a trabalhar sozinho para transformar a clonagem num tratamento da infertilidade vendeu o exclusivo da sua história a uma produtora britânica. Mas um jornalista que queira falar com ele pode fazê-lo – se pagar 2000 dólares, claro.

O biólogo Robert Weinberg afirmava, num artigo publicado em Junho na revista norte-americana ?The Atlantic Monthly? , que apenas os não-cientistas estão interessados na clonagem reprodutiva – isto é, em fazer bebés que são a fotocópia genética de alguém. Os cientistas não vêem a utilidade de prosseguir uma tecnologia que actualmente tem tantos perigos para o embrião e até para a mãe, e com uma taxa de sucesso de apenas um por cento.

Dando uma vista de olhos pelos candidatos a clonadores, Weinberg parece estar coberto de razão: os raelitas querem clonar por motivos religiosos e o gosto de Antinori pelas luzes da ribalta é tão óbvio que até encadeia.

Como se escreve nestas páginas, os verdadeiros cientistas preocupam-se antes com o facto da investigação sobre células estaminais – que podem envolver a clonagem dita terapêutica, ou seja, a criação de embriões com seis dias, que não são mais do que uma bola que cabe na cabeça de um alfinete – ser confundida com as declarações entusiásticas e pouco fiáveis destas personalidades ansiosas por terem acesso a mais do que os 15 minutos de fama postulados pelo artista pop Andy Warhol.”