Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mailson da Nóbrega

JUROS EM DEBATE

“A manutenção dos juros baixou os juros”, copyright O Estado de S. Paulo, 25/05/03

“O título acima – que não está errado – refere-se a dois tipos de taxas de juros. O primeiro é a Selic, que o Banco Central decidiu manter em 26,5% ao ano quarta-feira passada. O outro é a taxa pré-fixada de um ano nos mercados futuros, que caiu de 27,1% em março para 24% em abril e continuou em queda diante da percepção de que a Selic seria mantida. Na manhã de sexta-feira, quando este texto foi concluído, caíra para 23%.

Duas razões explicam o uso das duas taxas. Primeira, a taxa futura é a que determina o custo dos empréstimos. Os bancos não emprestam olhando para a Selic, mas para o custo futuro da captação de recursos. Segunda, a taxa futura depende da credibilidade do Banco Central e, portanto, da taxa Selic.

Na quarta-feira, o BC reforçou sua credibilidade ao não baixar os juros, apesar da pressão ?brutal?, como a denominou apropriadamente o Estado no título da primeira página de terça-feira.

A maioria expressiva dos analistas familiarizados com a teoria e a prática do processo decisório da taxa de juros havia concluído – corretamente como se viu – que as condições não estavam dadas para uma redução da Selic, apesar de os preços no atacado terem começado a cair com a queda do dólar e com o fraco ritmo de atividade econômica. O IGP-M sinalizou até uma deflação na prévia da semana passada. Acontece que esses preços explicam mais de 60% do índice, enquanto os preços ao consumidor – os que importam para a meta de inflação – respondem por 30% e estão caindo a um ritmo inferior ao necessário para a convergência com a meta.

O senso comum era o de que a Selic deveria cair. Como diz o Aurélio, senso comum é o conjunto de opiniões e modos de sentir, geralmente ?aceitos de modo acrítico como verdades?. Como a unanimidade nunca existirá em matérias complexas, havia também economistas do maior respeito defendendo a mesma idéia, baseados em seus conhecimentos da teoria econômica e do mercado financeiro e não no senso comum.

Esses economistas conhecem o suficiente para evitar argumentos como o de que os juros não caem porque a equipe econômica tem visão ?financista? (seja lá o que isso signifique). Além dessa impropriedade, apareceu de tudo antes da reunião do Copom, incluindo editorial de primeira página pregando o fim de um suposto medo de crescer. Alguém falou que o BC deveria prestar atenção às promessas de campanha de Lula. Um membro do governo acusou pateticamente os diretores do BC de incompetentes, afirmando que apenas os políticos eleitos sabem o que é bom para o povo. Insinuou que a Selic deveria ser fixada por eles. Já pensou? Os sinais de queda da inflação são fáceis de entender, o que reforçou a idéia de que a Selic deveria diminuir, mas somente as mentes treinadas na matéria podem fazer a melhor leitura dos indicadores. Como seres humanos, os que decidem sobre a taxa Selic erram, mas o importante é que acertem muitíssimo mais, o que é fato. Erra feio quem, turbinado apenas pelo tato, pede ?ousadia? ao Banco Central, como se fosse possível fazer apostas em área tão complexa e sensível.

Os bancos centrais sérios não põem em risco sua credibilidade, que é ingrediente essencial para o sucesso de sua missão. Dificilmente se submetem a pressões organizadas. Essas duas condições fazem o prestígio do Federal Reserve americano. A seu presidente, Alan Greenspan, se credita uma das causas do maior período de prosperidade do país. Ele não ligou para pressões e aumentou os juros antes da eleição de 1992, em que o presidente Bush (pai) buscava a reeleição (e perdeu). Dizia-se que o filho presidente se vingaria, mas este já decidiu propor a recondução de Greenspan a um quinto mandato.

Mesmo que houvesse razões técnicas, a redução da Selic agora poderia ser vista como uma demonstração de fraqueza institucional do BC. Assim, voltaria o clima de incertezas do final do ano passado. Lula desperdiçaria a credibilidade e o prestígio interno e externo que acumulou em virtude de sua corajosa política econômica. Os fluxos de capitais se reverteriam, o dólar dispararia e os juros futuros subiriam pela percepção de volta das pressões inflacionárias e da futura elevação da Selic. Se esta tivesse sido reduzida, haveria alta dos juros futuros e para os tomadores de crédito. A manutenção da Selic abre o espaço para sua queda substancial nos próximos meses. (Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br))”

“Sem viés”, copyright Folha de S. Paulo, 22/05/03

“A nota do Copom veio curta e grossa:

– A política monetária começa a obter resultados… A consolidação da queda depende da manutenção… Decidiu por unanimidade… Sem viés.

O Banco Central afirmou seu poder: ele baixou a inflação, ele manteve os juros -e ainda fechou com um toque próximo da arrogância: ?sem viés?.

Daí o presidente da Câmara ter saído responsabilizando, pela manutenção dos juros, quem pressionou pela redução. Na expressão dele, no Jornal da Record, ?os tagarelas?.

A decisão de manter os juros altos não seria assim fruto de análise fria: seria uma resposta à pressão, uma prova de poder -e de que o BC de Lula está quase lá, autônomo.

Ao menos de imediato, a reação foi menor do que prometia. Dentre os ?megaempresários? -expressão da Globo- que encontraram Lula, Antônio Ermírio de Moraes saiu dizendo que precisava de um remédio para dor-de-cabeça.

Mas Jorge Gerdau disse à Jovem Pan que a decisão não interfere na produção industrial. O presidente da Vale também aceitou sem reclamar.

As centrais sindicais lamentaram, bem como alguns parlamentares governistas e oposicionistas. Mas ficou por aí.

Pela pressão, foi anticlimático.

Lula mandou o ministro do Planejamento defender o BC. E foi para o palanque posar ao lado de Roseana Sarney, entre críticas aos sem-terra.

De resto, só comentou publicamente a paralisação do Campeonato Brasileiro de futebol. Criticou os cartolas, segundo a rádio Bandeirantes.

Enquanto isso, já de manhã a Globo ligava as câmeras para o advogado do Flamengo, para os diretores do Corinthians, do Internacional, do Vasco.

E fazia perguntas ao ministro do Esporte com comentários como ?os clubes colocaram empecilhos que realmente existem?. Ou, sobre o afastamento de cartolas: ?seria intervenção do governo nos clubes??.

Depois de Cacá Diegues e Luiz Carlos Barreto, Eurico Miranda e Antonio Roque Citadini.

A primeira reação da Secretaria de Segurança do Rio, diante do coronel que denunciou tráfico de influência do tráfico na segurança pública, foi acusá-lo de ação político-partidária.

Seria ação de um deputado oposicionista, supostamente relacionado ao coronel.

Desta vez, a tentativa de jogar o problema para os outros não durou nem um dia. Já ontem Garotinho pedia que o coronel não fosse punido.”