TV BRITÂNICA
Os pedidos a favor de uma mudança radical no financiamento da BBC podem ser rejeitados pelo governo britânico quando este começar a discutir o futuro da rede em 2004, dois anos antes da expiração do contrato. Atualmente, a BBC é financiada por uma taxa anual de 109 libras (US$ 161) sobre todas as residências com aparelho de TV, o que levanta 2,3 bilhões por ano para a organização. Os críticos do modelo atual pedem que sejam consideradas formas alternativas de pagar a rede pública, como privatização ou cobrança de assinaturas.
A ministra da Cultura, Tessa Jowell, no entanto, revelou a James Harding e Cathy Newman [The Financial Times, 4/6/02] que, apesar de não querer julgar o processo, que envolverá consultas à indústria midiática, descarta a opção de privatização da emissora. Na prática, seus comentários sugerem que o governo, se continuar no poder, provavelmente vai querer renovar o contrato, como está, para os próximos 10 anos. "A possibilidade de um Reino Unido sem a BBC financiada por imposto está entre o improvável e o impossível, porque a rede é uma das amadas e respeitadas instituições britânicas", declarou.
Taxa milionária
Mas a BBC, ao lado do Channel 4, está na mira do governo, que planeja cobrar imposto sobre o uso do espectro. Ministros britânicos alegam que isso pode encorajar um uso mais eficiente do meio de transmissão de sinais de TV, como já acontece com ITV e Channel 5; as outras duas emissoras são isentas devido à responsabilidade de prestar serviço público. Matt Wells [The Guardian, 3/6/02] revela que o espectro do Channel 4 é calculado em 40 milhões de libras (US$ 59 milhões) ?, o que abriria um rombo no orçamento da rede, que perdeu 28 milhões de libras (US$ 41 milhões) no ano passado ? e o da BBC, 200 milhões (US$ 295 milhões). As emissoras protestam, argumentando que a taxa milionária comprometeria a qualidade da programação e repassaria ao Tesouro dinheiro que deveria ser usado para financiar a prestação de serviço público.
The Century of the Self, elogiada série produzida pela BBC2, concentrou-se no segundo episódio nas "maquinações" do guru de relações públicas Edward Bernays que, nas palavras de Tim Adams no Observer, "derrubou sozinho o governo popular guatemalteco com um ou dois golpes publicitários, aproveitando-se dos medos da Guerra Fria e agindo em nome da United Fruit, conglomerado americano da banana".
Dave Edwards, analista de mídia e editor do sítio Media Lens, critica [Znet,15/6/02] a "ingenuidade impressionante" de Adams, evidenciada após um breve olhar sobre a história da Guatemala. Eleito em 1950 nas primeiras eleições democráticas do país, o governo de Jacobo Arbenz procurava modernizar o Estado e fazer a reforma agrária; para isso, expropriou terras da poderosa United Fruit. Descontente com a indenização (calculada sobre os impostos que pagava), a companhia acionou a CIA.
Com a agência de espionagem e a empresa bananeira, o Departamento de Estado americano derrubou Arbenz ? o que mostra o absurdo da noção de que Bernays foi um gênio do mal operando sozinho. A idéia de Adams, também explorada pela série, de que ele se aproveitou do medo da Guerra Fria para organizar o golpe (transformando Arbenz numa "ameaça comunista à América"), é rejeitada por Edwards; o autor argumenta que as elites americanas não "se aproveitaram" do medo, mas o criaram e o exploraram para com isto lucrar.
O autor critica a BBC por terminar a narrativa justamente "quando começa a responsabilidade ocidental pelos assassinatos em massa": não menciona as atrocidades cometidas pelo regime instalado pelos EUA na Guatemala nem as centenas de milhares de pessoas torturadas e mortas. Em sua opinião, tais omissões não são um fato isolado, mas ? citando John Pilger ? parte de uma "regra não falada de mostrar sociedades inteiras segundo sua utilidade aos olhos dos interesses ocidentais e de minimizar a culpa de nossos crimes".
Para Edwards, tais omissões poderiam passar em branco se tantos jornalistas ditos liberais não tivessem aclamado a série, dizendo-se estarrecidos com as revelações. "Num mundo diferente, estes jornalistas poderiam ter refletido sobre o fato de que eles são empregados pelo mesmo sistema corporativo mentiroso que lutou arduamente para controlar a opinião pública." Ele lembra que James Reston, ex-editor do NYT, já revelou que deixou de publicar muito do que sabia sobre a intervenção americana na Guatemala por razões políticas e a pedido do governo. "O governo mentiu, mas o Times publicou suas declarações embora soubesse que elas eram falsas."