CIRCO DE ATROCIDADES
Antônio Ribeiro de Almeida Júnior
Na terça-feira, 11 de setembro, assistimos assombrados aos ataques às torres do World Trade Center, em Nova York. Quero acreditar que os seres humanos decentes e conscientes deste planeta, de qualquer etnia ou religião, condenam tais atrocidades. O assassinato em massa de pessoas inocentes não deve ser tolerado, mas ativamente condenado.
Na noite da mesma terça-feira, assistimos talvez ainda mais aterrorizados ao discurso do presidente dos EUA, George W. Bush, prometendo vingança contra os autores do ataque e aqueles que os abrigarem. Baby Bush afirmou que haverá uma longa luta do Bem (EUA e aliados) contra o Mal (inimigos dos EUA). Esqueceu-se de dizer que os EUA e seus aliados, particularmente a Inglaterra, só podem ser classificados como Bem em exercícios fantásticos de distorção da realidade.
O currículo dos EUA durante a segunda metade do século 20 não é nada recomendável. Os EUA e seus agentes são de longe os maiores patrocinadores de atos terroristas ao redor do mundo. Alguns exemplos: Coréia, Vietnam, Camboja, Laos, Iraque, Guatemala, Indonésia, Timor Leste, El Salvador, Chile, Nicarágua, Somália, Afeganistão etc. (a lista é longa). Nesses países, os EUA realizaram ações militares diretamente ou forneceram armas, financiamento, treinamento, apoio internacional para que massacres contra populações civis fossem cometidos.
Recentemente assistimos à guerra do Kosovo. Nela, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos EUA, bombardeou a ex-Iugoslávia sob o pretexto de que as forças sérvias estavam realizando uma limpeza étnica. Tudo moralmente justificável não fosse o fato de que, no mesmo período e com mais ou menos o mesmo nível de atrocidades, um membro da Otan ? a Turquia ? realizava limpeza étnica contra os curdos com armamentos e financiamento dos EUA. Seria o caso de perguntar seriamente por que a grande mídia internacional e brasileira não noticiou e não noticia fatos gravíssimos quando eles ferem a imagem dos EUA. Tal mídia desinforma mais do que informa. Ela promove um apoio que não seria obtido se as pessoas soubessem de todos os fatos relevantes para tomar posição. Por meio de seus filmes e noticiários, essa mídia nos acostumou a pensar em todo opositor dos EUA como terrorista frio e louco. O mundo não é tão simples assim.
O que Baby Bush não explicou em seu discurso é por que os EUA têm se aliado sistematicamente e em toda parte com elites radicalmente conservadoras e sanguinárias. Elites que apóiam localmente insanidades neoliberais sob o título de globalização (termo menos desgastado que imperialismo), que têm gerado desespero e agravado a situação da esmagadora maioria da população mundial. Bush também não explicou por que os EUA têm desrespeitado as leis internacionais, por que deixaram de contribuir com a ONU, por que se recusaram a assinar tratados que beneficiam a todos (como o tratado de biodiversidade, Rio 92; e o tratado sobre a emissão de gases do efeito estufa, Kyoto 2001), por que se retiraram da Conferência de Durban contra o racismo, ou por que os EUA têm dado apoio às políticas genocidas que Israel mantém contra os palestinos.
Caso se confirmem as suspeitas imediata e irresponsavelmente lançadas pela mídia de que os autores dos ataques não eram norte-americanos, a horrenda luta que assistiremos não será a luta do Bem contra o Mal, com quer Baby Bush, mas a luta do Mal (EUA e aliados) contra o mal (inimigos dos EUA). As letras minúsculas significam apenas que este "mal" tem menos recursos materiais e humanos para cometer atrocidades do que o Mal.
Bush está perdendo uma oportunidade única de rever a política externa dos EUA e assim permitir a criação de um mundo mais justo e menos insano. Um mundo com menos atos terroristas, com menos militares e armas, com menos mortes sem sentido ? um mundo no qual a esperança não seja apenas um ato de irresponsabilidade e fantasia inconseqüente. Aos cidadãos(ãs) comuns, as principais vítimas de todo terror, cabe a tarefa de se opor às atrocidades que serão propostas nas próximas semanas e meses sob o pretexto de combater o terrorismo.