Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Manifesto cobra projeto de comunicação

RESTINGA, PORTO ALEGRE

Maria Fernanda Fagondes Miguel (*)

A Restinga é um bairro da periferia de Porto Alegre que luta para mostrar sua realidade, fugindo do estigma criado e sustentado pela mídia. São mais de 100 mil habitantes, quase uma cidade ? é hora de dar visibilidade para a maioria boa no lugar da minoria violenta. Violência esta que é tão presente na Restinga quanto nos bairros nobres de Porto Alegre, onde costuma se apresentar de formas mais sutis, com as quais a população se acostuma ou finge não ver.

Além das críticas à violência, o que mais a Restinga recebe são projetos. Iniciativas públicas, privadas, individuais ou de grupos, movidas pelos mais diversos interesses e que, se funcionassem na prática e tivessem o mínimo de continuidade, poderiam fazer alguma diferença. Um desses projetos é o Estúdio Multimeios ? iniciativa da prefeitura de Tarso Genro que gerou grande mobilização e expectativa, prometendo estúdio, equipamentos de gravação para áudio e vídeo e uma sala de exibição.

O estúdio não existe até hoje, apesar de ter sido inaugurado com muita pompa pelo secretário do Desenvolvimento Econômico e Social, ex-prefeito. Em vez disso e apesar de todo o discurso, a produção cultural continua centralizada, e o discurso popular se contradiz.

Nem concessão nem consolo

Como se vê, os projetos não funcionam na prática e são usados para promover seus proponentes explorando a imagem de miserável do bairro. Estamos cansados de nossa cidadania ser resgatada a todo instante com projetos que não passam de esmolas (governamentais ou não), colaborando com a baixa auto-estima da população, gerando uma estagnação e desmobilização de todos que respiram cultura no bairro. Cansamos de ser chamados de coitadinhos. Queremos exercitar a nossa própria cultura; não importar.

O estúdio de multimeios serve como um centro de equipamentos de mídia para o bairro, que se mobilizou e formou grupos, os mais diversos, inclusive de mídia na comunidade. A Restinga conta com uma rádio comunitária há 5 anos, e essa rádio está promovendo e organizando manifestação local para cobrança do centro. Somente com a disponibilização deste material uma produção mais eficiente de meios de comunicação comunitária será possível na Restinga, bairro que já promove a comunicação comunitária e tem interesse em ampliá-la.

A Restinga quer cinema, mas não é qualquer cinema. Não foi o povo da Tinga que transformou o cinema em mercadoria enlatada vendida em shopping por dez reais e não é esse cinema que ele quer. Não basta e não funciona adaptar o cinema do shopping para a periferia. A exibição e a produção de cinema na Restinga deve respeitar as particularidades de seus moradores, que construirão uma maneira de ver e filmar própria fundamentada em sua realidade. Inclusão não significa importar os valores e costumes vigentes para a Restinga, mas permitir que os membros da comunidade possam construir e expressar os seus, e que estes sejam reconhecidos como valores e costumes de fato.

Política cultural na Restinga não deve ser concessão ou consolo, muito menos promoção pessoal ou partidária. Chega de projetos pontuais que vão até a Restinga para cumprir tabela ou aliviar o peso da consciência. Chega de projetos-fantasma que fazem propaganda de graça com o nome do bairro e só existem na teoria. Projetos desse tipo só fazem desmobilizar os artistas, que têm de esperar a próxima boa ação de terceiros para pôr seu trabalho em prática.

(*) Comitê de Resistência Popular

Informações

Ação Periférica na Comunicação: <http://www.acaoperiferica.com.br>

E-mail: <estudiorestinga@pop.com.br>