DOSSIÊ PERFÍDIA
(*)
Luiz Antonio Magalhães
No dia 20 de janeiro, João Carlos Teixeira Gomes lançou o livro Memória das Trevas – Uma devassa na vida de Antonio Carlos Magalhães. Quase todos os grandes jornais noticiaram muito discretamente a novidade: alguém finalmente resolvera enfrentar o cacique baiano.
Na verdade, a mídia se esforçou para transformar o livro em um apêndice da luta entre os peso-pesados Jader Barbalho e ACM, corroborando declarações do último, para quem a obra havia sido financiada "com dinheiro dos corruptos do DNER" e tinha a digital do senador paraense.
Alguns jornais foram explícitos, enfocando o livro apenas sob a ótica dessa disputa política. Outros – os mais cínicos – disfarçaram um pouco e apresentaram aos seus leitores pseudo-resenhas sobre a obra. O problema é que mentira tem perna curta: na Folha de S.Paulo, por exemplo, a má-vontade apareceu no título da resenha (?) assinada no dia 20 de janeiro por Fernando Rodrigues – "Desafeto de ACM lança biografia".
O último lance do imbróglio envolvendo Joca Teixeira Gomes aconteceu na semana passada e revela o caráter de certos órgãos de comunicação. Na terça-feira [6 de fevereiro], o Observatório da Imprensa na TV deveria voltar a ser transmitido ao vivo pela TVE, após o período de férias em que foram exibidos especiais gravados.
A idéia de Alberto Dines, editor-responsável do programa, era realizar um debate entre o autor de Memória das Trevas e outros jornalistas, contando ainda com a participação de Florestan Fernandes Jr., que integra a equipe do Observatório na TV. Nove profissionais foram convidados – entre os quais Clóvis Rossi e Fernando Rodrigues, da Folha, Dora Kramer, do Jornal do Brasil, e Tales Faria, da IstoÉ. Oito recusaram o convite, apenas Tales Faria estava disposto a participar.
Fernando Rodrigues desistiu na noite de segunda-feira. Na terça-feira – primeiro dia de trabalho de Fernando Barbosa Lima no cargo de presidente da TVE – circulava a informação de que a afiliada baiana da emissora não iria transmitir o programa caso o entrevistado fosse mesmo João Carlos Teixeira Gomes.
Em função de tantos constrangimentos, Alberto Dines resolveu não realizar o programa e suspender o Observatório da Imprensa na TV por tempo indeterminado, "até que sejam reencontradas as condições de tranqüilidade para manter os mesmos padrões de qualidade imperantes no Observatório da Imprensa online, matriz do projeto", conforme nota oficial publicada na página do OI na internet. Segundo Dines, essas condições implicam uma
entrevista com o autor de Memórias das Trevas na reestréia do programa.
Na quinta-feira, dia 8, o jornal O Globo publicou uma página inteira – a oitava do primeiro caderno – sobre o episódio. Na matéria principal, o título, em seis colunas, era o seguinte: "Autor de livro diz que foi censurado por Dines". Na reportagem, declarações de João Carlos Teixeira Gomes e de Alberto Dines. Outros dois textos complementaram a página: um "explicando" que o livro faz parte da guerra política entre Jader e ACM; e o segundo lembrando "outras confusões" em que Dines teria se envolvido .
De novo, mentira tem perna curta. João Carlos Teixeira Gomes não afirmou ao jornal carioca que "foi censurado" por Dines. "Eu disse que o fato de o programa não ter ido ao ar poderia ser interpretado por uma parte da opinião pública como censura. Não falei que era censura", contou Joca a esta coluna.
Para o autor de Memória das Trevas, a decisão de Alberto Dines de não levar o programa ao ar foi fruto "de uma grande preocupação ética de preservar um amigo e defensor da liberdade de imprensa, que estava no seu primeiro dia de trabalho. Só tenho motivos para agradecer ao Dines. A mais completa entrevista que concedi saiu no Observatório, junto com um texto dele sobre o silêncio da grande imprensa em torno do meu livro".
Durante a conversa com a jornalista do Globo, Dines sentiu que a pauta já tinha enfoque. Segundo o editor-responsável do Observatório da Imprensa, a repórter não foi apurar os fatos, mas tentar obter declarações condizentes com a linha mestra da matéria, previamente traçada. "O título já estava pronto. Em nenhum momento a repórter me disse que havia uma ‘acusação’ do Joca sobre censura", afirma o jornalista.
Tudo somado, é possível levantar hipóteses sobre a grotesca manipulação da reportagem do Globo: no ano passado, o Observatório da Imprensa elogiou a atitude do juiz Siro Darlan de enfrentar a Rede Globo, modificando o horário da novela Laços de Família e fazendo cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E criticou incisivamente a tentativa da emissora de caracterizar a mudança de horário da novela como censura. Talvez uma pequena vingança.
(*) Copyright Correio da Cidadania nº 231 <www.correiodacidadania.com.br>
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