Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Manobra de dissimulação

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JADER & FOLHA

José Antonio Palhano

Jader Barbalho, presidente do Senado da República, protagoniza hoje a raríssima circunstância de unanimidade nacional: não há criatura desse mundo capaz de sair em sua defesa. O fato é especialmente importante não apenas porque tal unanimidade se dá em razão da sua extensa folha corrida, ou seja, é gerado a partir de um contexto que lhe é total e inapelavelmente negativo. (Unanimidades positivas, em contrapartida, estão mais sujeitas a incidir a partir da predisposição geral em exaltar qualidades e virtudes em alguém.)

Mas também, e principalmente, por se tratar de um senador. A verdadeira democracia pressupõe exatamente a contradição e o embate das idéias e valores. Se jamais restou qualquer dúvida a respeito da reputação de Barbalho ? e o silêncio dos seus pares é mortalmente revelador e emblemático ?, resta-lhe protagonizar a condição de morto-vivo da República, malgrado a grotesca tentativa de vivificá-lo a partir da exposição e da liturgia que emanam da cadeira que ocupa, afronta sem par à decência e à honradez.

Pois coube exatamente ao maior jornal do país a iniciativa de tentar uma patética ressuscitação. Conseqüentemente, de emprestar a Jader Barbalho a dignidade que ele jamais fará por merecer. Ao lhe ceder seu espaço mais nobre ? sua sacrossanta página de opinião ? a Folha de S.Paulo [16/3/01, pág. 3] acabou por protagonizar um enorme, patético e surpreendente embuste jornalístico. Como não passa pela cabeça de ninguém supor que o jornal (entendidos aí seus proprietários, sua diretoria e seu conselho editorial) tenha de alguma forma avalizado a conduta, a moral e o prontuário do senador com tal gesto, resta concluir que a narcisística e politicamente correta Folha sucumbiu a um autêntico desastre, capaz de desmoralizar pelo resto dos tempos o melhor dos manuais de redação: deixou-se seduzir, passiva e ingenuamente, pela força do poder.

Frouxidão cívica

A mensagem que a Folha emite, com perdão do ridículo, é a de que o presidente de um dos três poderes constituídos tem plena e total precedência, tem livre e ilimitado acesso às suas páginas, tem todo o direito do mundo em se defender e expor duas idéias. É mesmo? A quem o jornal quer enganar? Então por que diabos não entra em um dos seus recorrentes surtos de pesquisite e sai por aí indagando se a reputação do homem o faz honrar a cadeira em que se senta? A ser assim, não demora e aquela página, livre de critérios, haverá de hospedar as garatujas do comandante do PCC ou do Escadinha. Sem que absolutamente seja necessário comparar Jader Barbalho a esses elementos, o que seria uma tremenda injustiça. Se os dois primeiros sempre operaram no submundo do crime, não se tem notícia de que este último tenha sequer sido visto um dia sem gravata. Cada coisa em seu lugar.

Na sofreguidão de se mostrar à frente dos concorrentes, mais evoluída em permitir amplo, total e irrestrito direito de defesa, a Folha cometeu um erro primário. Poderia ter ao menos esperado passar a fase unânime de (ou contra) Barbalho. Resultou que pagou um mico monumental, que bem poderia lhe conceder o troféu do amadorismo jornalístico do ano. O senador aproveitou a deixa e, ghost writer à mão, discorreu sobre segurança pública!

Traduzindo, uma detestável manobra de dissimulação, um achincalhe sem conta ao que resta de respeito à nação que, fosse levado a cabo sob a responsabilidade única do seu autor apenas lhe reforçaria a unanimidade que cultiva com tanto ineditismo. Ao entrar de parceira nessa sordidez, a Folha passou aos seus leitores a seguinte mensagem: é possível sim, além de legítimo, que um homem sob as evidências de improbidade que ora lhe sufocam, aproveitando-se da importância do cargo que ocupa graças à frouxidão cívica dos seus omissos e covardes pares, venha a público, pelas suas páginas, se dizer preocupado com a violência e que trabalha duro na direção de combatê-la. Como se mais nada estivesse acontecendo, como se ele próprio não encarnasse a pior forma de violência possível ? aquela que desmoraliza, enfraquece e humilha as instituições. E que obriga a nós, leitores, passarmos por idiotas.

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