Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Maravilhas da educação no século 21

ENSINO & CONHECIMENTO

Antonio Fernando Beraldo (*)

O jornalista Gilberto Dimenstein me surpreende a cada dia. De suas conclusões sobre as estatísticas de qualquer coisa, dada a sua vasta desinformação na chamada "ciência triste", já me forneceu pelo menos três piadas ótimas que utilizo para animar as aulas (a da "polícia tem preferência por matar negros e pardos" é a melhor delas).

Na sua coluna de domingo (6/4), na Folha de S.Paulo, o livre-pensador diz que perguntou ao ministro Cristovam Buarque (Educação), se S. Excia. passaria no vestibular. S. Excia., obviamente, respondeu que não, apesar de ter sido professor e reitor da UnB. Daí para frente é exposta a revolucionária idéia do ministro, a de um vestibular em três etapas, apenas com provas de Português e Matemática, com pesos variados e "adequados" para a profissão que o candidato escolhesse ? se fosse Jornalismo, com mais peso em Português que em Matemática; se fosse Engenharia, mais peso, é claro, em Matemática. Mas, se fosse Medicina, o articulista não esclarece. E como ninguém lembra mais do que havia na Tabela Periódica (um método anticoncepcional?), e nem sabe bulhufas sobre protozoários (seita grega da Grécia que adorava os animais do zoológico?) ou sobre análise sintática, e já que, segundo o jornalista-educador, "aprender não é reter informações, é gerenciar permanentemente o conhecimento", para quê ficar entupindo as cabecinhas de nosso jovens de coisas tão inúteis como Química ou Biologia?

Ao final do artigo, o ilustre pedagogo pede: "Tirem a literatura do vestibular" ? já que aqueles "resumões" dos cursinhos são um grande desestímulo à leitura dos clássicos da língua. Apoiado! Têm toda a razão, tanto o ministro quanto o jornalista. Já passa da hora de nos adaptarmos às necessidades do veloz mundo globalizado, e, além do mais, todo mundo só estuda na escola com vistas ao vestibular. Se não há condições de interessar os meninos e meninas na leitura de Camões, ou a saberem o mínimo que seja das Ciências, não se deve gastar energia em ensinar tantas coisas supérfluas ? como literatura, por exemplo.

Em não se ensinando, para que insistir em cobrar isso no vestibular? Mas, colocando-me à sombra de tão grandes expoentes, permito-me uma singela contribuição a este debate. Afinal, ninguém ainda descobriu para que servem os logaritmos, ou a resolução da equação de segundo grau, ou as matrizes e determinantes, por que não reduzir o conteúdo de Matemática às quatro operações: contas de mais, de menos, de "vêiz" e "divede"? E Português, para que aprender acentuação ou ortografia se ninguém mais escreve nada a mão, só nos Word da vida, que têm uma tecla que corrige todas as palavras erradas? Num tem erro! Os alunu pobri num tem pobrema, eles num pricisa iscreve nada mesmo … Então, tá combinado. Vamu ficar só nisso.

Nota preta

História do Brasil, cara, nem pensar. A tal da decoreba de datas fica reduzida a sete de setembro, dia da incofidêçia do brasil, e a vinte e um de abril de 2000, dia dos quinhentos anos de um treco que aconteceu há 500 anos, foi o Tiradentes que descobriu a América do Norte, capital Nova York.

Grandes personagens? Tem aqueles gaúchos da TV, num sei muito bem, eles começaram dando tiro nos outros, deve ser briga por causa de boca de fumo, sei lá, e depois ficaram namorando as muié. Tinha também aquele rei, mas é outra novela, que passava o tempo todo comendo galinha. História Geral, hã? Tinha um cara chamado Napoleão, que acabou ficando doido e internado no ospíciu. E tá rolando uma guerra que os americano inventaro, é um game mó barato, tem um amigo meu que tem, mas num chegou no final, num sei. Geografia, pra quê? Os cara só deve saber onde mora e que o mundo é uma bola grande, sacô? Os carinhas mais abonados podem ter aula sobre as terras do Senhor do Anéis.

Biologia, não gosto, quer dizer, gosto só de ecologia, daquela parte que a professora falou que é prá jente não jogar licho nos rios e que tem um monte de bixo que não está existindo mais, são os animais de extensão. Física, o professor é um carinha legal, fica cantando umas musguinhas, negócio de lei da gravidade, que é a lei que obriga todas as coisas a cair no chão. As letras eu decorei tudo, então a decoreba é legal em Física, deixa ficar. Química, guardei que ácido com sal dá base que é prá sair com menos água. Tem mais alguma coisa?

Aí, eu entro na Universidade, digo que sou preto, véio, e tô dentro. Como não aprendi lá muita coisa, fica mais fácil gerenciar o conhecimento, segundo a metodologia dimensteiniana. Se der sorte, posso até ganhar uma nota preta no Show do Milhão, pois comprei a revista e decorei o que tem no CD. Saio da escola com um canudo que vai me dar acesso a todas as maravilhas do mundo globalizado, que já vêm prontinhas e acabadas lá do primeiro mundo, não precisa nem pensar. Aliás, pensar pra quê?

(*) Engenheiro, professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora