Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Marcos Dvoskin e Paulo Moreira Leite

SEQÜESTRO DE OLIVETTO

"A imprensa ajudou", copyright Época, 11/02/02

"Não cabe cultivar ilusões sobre a melhoria da segurança no país depois que o publicitário Washington Olivetto deixou o cativeiro e boa parte de seus seqüestradores foi presa. Apenas 15 dias antes, o prefeito de Santo André, Celso Daniel, fora assassinado. Vinte e quatro horas depois da libertação do publicitário, um ex-deputado paulista foi morto em casa, diante da família.

A libertação de Olivetto não é um episódio sem significado, porém. Diante da indignação provocada pela execução de Celso Daniel ocorreu uma mudança geral de atitude, na sociedade, no governo de Geraldo Alckmin e no Estado. A polícia passou a dar combate ativo aos seqüestradores, que até então só eram incomodados depois que haviam recolhido o resgate. A imprensa abriu espaço para falar do assunto. Com os exemplos de cima, a sociedade mudou: vizinhos e testemunhas passaram a acionar o Disque-Denúncia para apontar movimentos estranhos e personagens suspeitos. Policiais que pareciam acomodados se revelaram atentos e perspicazes. Embora a situação esteja longe de ter sido resolvida, já se respira outro oxigênio.

O fim do cativeiro de Olivetto também é uma boa oportunidade para avaliar o papel da imprensa. Ao contrário de ÉPOCA, que noticia seqüestros evitando divulgar informações que possam ser úteis aos criminosos, inclusive valores de eventuais resgates, boa parte dos jornais e revistas do país embarga o noticiário até o final. Alega-se que a divulgação pode prejudicar as negociações. Com freqüência, é sugerido que a vida da vítima pode ser colocada em risco. Também se acusa a imprensa de estimular novos seqüestros quando publica reportagens a respeito.

É fácil compreender o absurdo dessas considerações. Em primeiro lugar, as informações básicas para os seqüestradores – que envolvem patrimônio e hábito das vítimas – estão disponíveis cotidianamente em publicações de economia e negócios, sem falar nas colunas sociais. Em segundo lugar, sabe-se de diversos seqüestros terminados em tragédia, com freqüência porque a vítima foi capaz de identificar seus algozes. Não se conhece um exemplo em que a imprensa possa ser acusada de ter cumprido, por infelicidade, um papel decisivo para um desfecho fatal.

Esse comportamento de parte da imprensa chega a ser curioso quando se recordam as dores da censura prévia, que servia para esconder crimes clandestinos do porão militar. A História ensina que sob circunstâncias muito peculiares – em geral, em cenários de guerra – se justificam embargos parciais ou mesmo totais. Mas ainda aí existe uma lista de arrependimentos tristes. O mais famoso envolve a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, um dos grandes vexames americanos durante a Guerra Fria. Tanto o New York Times, que tinha a notícia em primeira mão e decidiu não divulgá-la com o destaque devido, como o presidente John Kennedy, que pressionou para que nada fosse publicado, se arrependeram. As duas partes concluíram que uma reportagem completa teria minimizado os prejuízos.

Costuma-se alegar que o noticiário sobre seqüestros é suprimido para atender a um pedido das famílias, quando, na verdade, é uma submissão a uma exigência dos seqüestradores – o que torna essa postura ainda mais extravagante. Esse orgulho de quem renuncia à própria razão de viver lembra os generais que gritavam ?Viva a morte!?- tão bem retratados no surrealismo de Luis Buñuel. É doloroso constatar que, na entrada do século XXI, existem órgãos assombrados pelo fantasma da liberdade, com medo da própria independência, que acham mais seguro calar e não denunciar.

Nenhuma reportagem prejudicou a solução de inúmeros casos recentes de seqüestro, incluído aí o de Washington Olivetto. Pelo contrário. O trabalho da imprensa contribuiu para uma mudança na postura das autoridades, além de auxiliar diretamente na libertação de algumas vítimas.

Ao berrar por socorro num cativeiro onde poderia ficar sufocado, Washington Olivetto disse seu nome a uma estudante de medicina, que o escutava através de um estetoscópio. A vizinha não conhecia o publicitário nem fazia idéia do que estava acontecendo. Já sua mãe sabia de tudo – inclusive que o ?homem chamado Washington Olivetto? havia sido seqüestrado. Isso teria sido impossível sem o trabalho da imprensa."

"Sequestro sem metáforas", copyright Folha de S. Paulo, 8/02/02

"Já que a jornalista Marilene Felinto resolveu copiar o artigo de sua colega Maria Rita Kehl (?O Publicitário como Metáfora?, ?Jornal do Brasil?, 15/ 1/2002), reproduzindo o mesmo raciocínio maniqueísta em seu artigo do dia 5 último na Folha (?Sequestro segue lógica do mercado?, pág. C2), insinuando que o cidadão sequestrado é o maior responsável pelo crime do qual foi vítima, sou obrigado a enviar-lhe meu comentário.

Acredito que os dois artigos, o original e o de Marilene Felinto, refletem os mais profundos e sinceros sentimentos das senhoras (e é isso que assusta). Sim, pois só quem busca a culpa de sua mais íntima infelicidade nos outros sempre comete esse erro: tomado pela raiva inconfessável contra a humanidade, escreve com sofreguidão um texto que começa desequilibrado e termina visivelmente trôpego.

Se a senhora Marilene discorda, permita-me uma analogia: o bêbado contumaz não reconhece sua embriaguez nem quando está caído no chão.

Nota-se -mais no seu texto do que naquele de sua colega Maria Rita- a busca por apresentar um estilo literário refinado, por parecer erudito.

Mas, senhora Felinto, o problema maior de seu texto não está na falta de lógica, na tentativa de encadear estilisticamente fatos que não se relacionam logicamente. Nem no uso indevido e desastrado das palavras de Ramonet. Nem no excesso de frases de efeito que tentam mascarar a ausência de qualquer reflexão filosófica. O ódio mal destilado impregnou o estilo.

O grave no seu texto não são as falhas de estilo, é a falha de raciocínio. O seu pensar é que foi lamentável; expor esses pensamentos foi tenebroso e publicá-los beirou a criminalidade (essa mesma com a qual comungou). Com seu artigo, a senhora pretendia apresentar uma inédita peça de acusação contra a vítima. Lamento informar que:

1) Sendo cópia de outro texto, não é inédito e;

2) É apenas a confissão da senhora Marilene Felinto.

As senhoras resolveram transformar a vítima no único responsável pelo crime que a vitimou.

Um homem sequestrado, agredido, trancado e maltratado durante mais de 1.250 horas de terror é, na concepção das senhoras, o único e verdadeiro criminoso. Deus as proteja.

Sequestradores profissionais, assassinos, torturadores e covardes são, na concepção das senhoras, as verdadeiras vítimas do crime social. E a senhora resolveu condenar ?a sociedade? pela qual se sente maltratada (quem lhe terá causado tão profundas dores?). E elegeu como chefe e Estado-Maior da malévola ?sociedade do hambúrguer McDonald?s? o sequestrado. Transformou-o em Hitler, KKK, Baby Doc.

Esqueceu-se apenas de condenar também as esposas, filhos e amigos dos sequestrados. Deus os proteja.

Sequestradores, assassinos, torturadores e covardes seriam, em certa concepção, as verdadeiras vítimas do crime social

A sua colega e, agora, a senhora estão forjando julgamentos sumários à maneira fascista. Primeiro arrastam a vítima de um crime hediondo para dentro do torpe fórum de suas mentes. Um jazigo mental, um tribunal com júri vitalício: a metáfora, o rancor, a dialética, a mágoa, a tristeza e a solidão.

A vítima, hoje um sequestrado, foi, obviamente, condenada.

Como as senhoras pertencem ao, conforme suas palavras, ?segundo maior poder, instrumento de influência, ação e decisão incontestável, a mídia?, têm o poder para publicar essa condenação.

Nessa linha de raciocínio deturpado, as senhoras terminarão por concluir que o anti-semitismo foi consequência da não-aceitação pelos judeus do Novo Testamento, que o estupro é consequência da provocante beleza da estuprada, que o preconceito racial é consequência da exuberância física dos afro-americanos e o assassinato de milhares de pessoas nas torres gêmeas foi consequência do imperialismo norte-americano (tese já defendida enviesadamente por sua supracitada colega em artigo anterior).

A indústria produz. O comércio vende o que a indústria produz. Ambos, para vender, anunciam (através de agências de publicidade).

Anúncios são veiculados em jornais, revistas, TV. Pessoas comuns, dos mais diversos matizes socioculturais, socioeconômicos, raciais, religiosos, sexuais e etários, lêem jornais e revistas, ouvem rádio e assistem à TV. Todas essas pessoas trabalham -na indústria, no comércio, em publicidade, nos jornais, nas revistas, na TV. Trabalham por dinheiro (e, se possível, com amor às suas profissões). Com o dinheiro que recebem -em forma de salários, pró-labores, bônus, comissões- compram produtos. Compram os mais diversos produtos: de comida, assistência médica e ensino até casa, carro e barco.

Segundo seu raciocínio, vamos começar eliminando a publicidade e os publicitários e, como a mídia vive da publicidade, eliminaremos automaticamente a mídia e os jornalistas (inevitável, pois os jornais são pagos pela publicidade e os jornalistas são pagos pelos jornais).

Fico imaginando qual elo do ciclo produtivo a senhora escolherá para ser eliminado amanhã, através do seu novo emprego no ?quarto poder, o crime?.

Digo novo emprego porque a senhora não tem acesso ao ?primeiro poder, a economia?, eliminou o ?segundo poder, a mídia?, não parece ter pendor para o ?terceiro poder, a política? e já se declarou filosoficamente identificada com o ?quarto poder, o crime?.

De modo canhestro, a senhora ainda aproveita a viagem para cunhar como dois lados de uma mesma moeda o perverso ?alto salário de um jovem publicitário? e o baixo salário de um professor. Posso lhe garantir que não é com esse tipo de raciocínio barato que vamos conseguir melhorar os salários dos professores brasileiros.

Até hoje, todos os publicitários que conheci lutam pela valorização do ensino -por saberem que a melhoria das condições sociais e da economia de nosso país exige, obrigatoriamente, a valorização do professor. A tentativa de esconder a má intenção de seu raciocínio, achincalhando estupidamente a Polícia Militar, a Polícia Civil de São Paulo e a Polícia Federal do Brasil, é lamentável e não merece mais do que uma breve observação.

Seja coerente: achincalhe todas as forças policiais norte-americanas pelos atentados de 11 de setembro. Achincalhe também todas as forças policiais israelenses pelos atentados palestinos e as forças militares palestinas pelas retaliações israelenses, as forças policiais argentinas pelas mortes de centenas de judeus em sinagogas e escolas. A lista é extensa, divirta-se.

Quanto às frases do sr. Nizan Guanaes (?O PT é Taleban total. Nós temos de bombardear Cabul?), todo o país, todos os publicitários que conheço e eu mesmo ficamos tão chocados quanto a senhora com aquela estupidez. Assim, do mesmo modo que eu nunca julgaria sumariamente ?os jornalistas? por esse seu texto, sugiro que ninguém julgue ?os publicitários? por aquelas frases daquele indivíduo.

E se a senhora copiou a ?metáfora? de mau gosto de sua colega apenas para gerar polêmica, utilizando para isso tão pavoroso incidente criminoso e tão graves questões socioculturais e econômicas, sua atitude foi infeliz, oportunista e superficial. (Gabriel Zellmeister, 51, publicitário, é vice-presidente da agência W/Brasil.)"