TV PAGA
"Ibope na TV paga: primeiros efeitos", copyright O Estado de S. Paulo, 8/07/01
"Cautela, dúvidas, reclamação, elogio, mudanças de horário e, em alguns casos, até mais verba publicitária no caixa. Quatro meses após o início de sua operação, a medição de audiência na TV paga provoca os mais variados efeitos e reações.
Se, por um lado, apostava-se que os números do Ibope serviriam de estímulo aos anunciantes, essa expectativa sofre, por enquanto, o baque da crise energética e cambial – canais que tiveram aumento na receita publicitária ainda formam o grupo de exceção.
Se, por outro lado, existia o temor de os números provocarem uma batalha pela audiência, que há muito sacrifica a programação aberta, quatro meses não foram suficientes para tornar a ameaça tão poderosa. Mesmo que já tenha gente reclamando e que alguns canais já se apressem a enviar para a imprensa releases com diagnósticos a seu favor, prática comum dos canais abertos.
?É claro que houve impacto com a chegada desses números?, afirma Letícia Muhana, diretora de Programação do GNT. Em maio, o canal transferiu o Late Show de David Letterman das 23h30 para as 22h30. Dois programas dominicais também passaram a ser exibidos uma hora mais cedo em junho – o Manhattan Connection (22 h) e o Revista Europa (21 h). Tudo amparado nos novos dados do Ibope.
O serviço chega à mesa das chefias dos canais e das agências de publicidade sob a forma de quatro boletins semanais e um mensal, este com 12 variáveis – alcance e audiência por programa, faixa horária, idade e sexo, afinidade, fidelidade e outros itens.
?Agora podemos fazer mudanças num prazo mais curto, embora não estejamos na ditadura das TVs abertas porque somos um serviço que as pessoas compram?, diz Letícia Muhana.
?Ainda é pouco tempo, não mudou nada?, discorda a gerente-geral dos canais da Columbia Tri-Star (Sony e AXN) Cristina Johanson. ?Não é um remédio que você toma e logo vê a diferença.?
Porém, no quesito venda de espaços no intervalo comercial, Cristina concorda com a colega do GNT – mesmo com a crise, o Ibope está trazendo anunciantes que nunca apostaram na TV paga.
Retorno comercial – O Cartoon Network, que já tem a comemorar o primeiro lugar em alcance e audiência média (veja os dados de maio na tabela abaixo), também já logrou saldo positivo no cofre – o número de clientes aumentou 50% do primeiro para o segundo trimestre deste ano. E o interessante é que não foram só marcas destinadas a gente pequena.
?Além de nossos anunciantes tradicionais, os infantis, temos tido muita procura de marcas adultas, como Petrobrás, GM e Gradiente. Abrimos o leque?, constata Gretchen Colón, vice-presidente de vendas publicitárias da Turner, que compreende o Cartoon, o TNT e a CNN. ?O Ibope é uma ferramenta forte, que veio nos ajudar a manter a fatia do bolo e conquistar mais clientes nesse momento complicado.?
Para o diretor de Vendas Publicitárias dos canais HBO e Cinemax, Mário Pestana, a pesquisa evidencia o posicionamento de cada canal perante o gosto público em três níveis – bom, ruim ou intermediário. ?Isso é importante com a fragmentação de hoje em dia, com mais de 60 canais?, reitera Pestana, que também se diz otimista, apesar do revés da crise.
Pestana chama a atenção para o crescimento publicitário que o setor de TV paga já havia alcançado pouco antes de começar a ser aferido pelo Ibope, de 1999 para 2000, que foi de 101%. ?Os clientes são os mesmos, mas a TV aberta já cresceu e atingiu sua maturidade, nós não?, afirma.
O prognóstico fica ainda mais saboroso com o aumento do número de operações. Saltou de aproximadamente 140, há três anos, para atuais 350. E vem aí, em 2002, a desregulamentação do setor de telecomunicações, o que permitirá às empresas de telefonia em banda larga entrarem no negócio. Mais do que nunca, o Ibope será pedra de toque num horizonte próximo.
Decepção – Há, porém, quem puxe o freio em tal cenário promissor. Por exemplo, José Trajano, diretor de programação do ESPN Brasil, e Barry Koch, VP do Cartoon.
?Os primeiros resultados me impressionaram mais desfavoravelmente do que o contrário. Já tive a reprise de um programa de golfe às 3 da manhã como a maior audiência. Se for verdade, eu paro de trabalhar?, polemiza Trajano.
?A pesquisa prova o valor dos canais, mas a Turner não se considera escrava dos dados de audiência, não consultamos todos os dias, não somos a Globo, não queremos ter reações repentinas?, diz Barry Koch.
O gerente artístico dos canais Telecine, Pedro Garcia, engrossa o coro. ?Fechamos a grade de programação com um mês e meio de antecedência, vamos esperar no mínimo seis meses de pesquisa para tomar alguma atitude.?
?O próprio Flávio Ferrari (diretor do Ibope) pediu cautela nos primeiros seis meses para que os dados ficassem mais confiáveis?, cutuca José Trajano.
Koch e Trajano consideram os 350 domicílios da amostra um número pouco representativo. A inclusão de mais 50 domicílios, a partir de julho, permitirá que o formato DTH (Sky, DirecTV e TecSat) entre na contagem.
Platéia qualitativa – ?Os números podem ter assustado alguns profissionais, mas deve-se entender que o público é restrito, porém bem qualificado?, responde Dora Câmara, diretora comercial do Ibope. ?O comportamento no Brasil é muito parecido com o de outros países da América Latina onde já iniciamos a medição.? O Ibope já presta esse serviço no México, Argentina e Chile.
Uma análise nos gráficos do Ibope permite concluir que o horário nobre pago vem mais tarde, com picos de audiência geral na faixa entre 22 e 23 horas. ?Não se muda uma cultura em uma década, mas por que a Globo passou a segurar a novela das 8 até as 10 da noite??, arrisca Mário Pestana.
Em maio, o share (porcentual de audiência em relação ao total de aparelhos ligados) das abertas despencou 9,4 pontos das 19 horas até 1 da manhã. No mesmo intervalo, o share dos canais pagos subiu 8,6 pontos.
Para além do poder de atrair anunciantes e de uma concorrência nociva ao teor dos programas, todos concordam em um ponto. A medição vai ajudar, e muito, os canais a conhecerem o seu público. ?A pesquisa ajuda a saber com quem estou falando?, reconhece o diretor do ESPN Brasil.
?Já sabemos, por exemplo, que segundas e sábados são nossos grandes dias?, diz Garcia, do Telecine.
?Já sabíamos que Tom & Jerry e Luluzinha atraem crianças e adultos?, diz Barry Koch, do Cartoon. ?Mas a forma como se mede mostra, além do ?que?, quantos e por quanto tempo se assiste. Ou seja, a variedade da audiência.?
Cabe aí outro exemplo do GNT. No período de exibição da série Jazz, de Ken Burns, de 21 de maio a 1.? de junho, a audiência do canal cresceu 175%. De março a maio, o GNT ainda registrou crescimento em todas as outras faixas do horário nobre. Cresceu, por exemplo, 53% no horário das 19h30 às 20h30.
O Warner Channel viu seu alcance médio aumentar de 6,8 pontos para 11,1 pontos de março a maio. Já o USA e o próprio Cartoon perderam meio ponto. O Multishow passou a reprisar, às 3 da manhã, a faixa erótica Sexy Time, exibida às 23h30.
Audiência infantil -Sabe-se também que as crianças são mais amigas da TV paga que o público adulto. No universo dos espectadores mirins com TV por assinatura (340 mil pessoas), entre 6 e 7 da noite, a TV paga perdeu para a aberta por apenas 1 ponto de audiência em maio. Somando todas as idades do público total do Rio e São Paulo (3,3 milhões de domicílios), praças da amostra, a diferença sobe para mais de 10 pontos porcentuais.
Esse tipo de acompanhamento só é possível com a medição do Ibope, que não esconde também o quanto os canais pagos têm de malhar para chegar perto da TV aberta. Vale lembrar que os canais mais vistos nos 3,5 milhões e meio de domicílios com TV paga ainda são, com larga vantagem, os das redes abertas."
"A tevê paga é melhor do que esponja de aço",
copyright Jornal da Tarde, 5/07/01
"As pesquisas de audiência da tevê por assinatura acabaram revelando algo como uma desordem no uso popular do sistema. Explico por que desordem. Certa vez, no Cairo, espantei-me com o uso de um ônibus pela população: o veículo estava quase vazio, mas apinhado de gente por fora. Gente pendurada nas janelas, esparramando-se sobre o teto e até nos paralamas, para viajar de graça. Depois, percebi que era normal, era assim que funcionava. Esse uso do coletivo espantou-me e encantou ao mesmo tempo, pela anarquia.
A impressão é parecida com a que se tem observando a utilização da tevê paga no Brasil: deslocamento de uso, uma destinação diferente daquela para a qual foi criada, uma quase anarquia. A tevê paga surgiu, em novembro de 1991, com a finalidade de oferecer ao público opções para montar, ele próprio, seu cardápio de programas. Dá-lhe mais liberdade, afrouxa os laços que o submetem ao gosto dos programadores e realizadores da tevê aberta.
A segmentação da programação paga foi evoluindo, foi aos poucos sendo afinada pelas operadoras, que hoje oferecem um menu bem divididinho (como os restaurantes dividem seus serviços em entradas, sopas, saladas, pratos quentes, carnes, sobremesas) segundo os gêneros: filmes, infantil, esportes, entretenimento, notícias, documentários, seriados, adultos. As operadoras buscaram tecnologia por satélite para atender as regiões onde não havia possibilidade de instalar cabos. Pois bem. Desprezando os novos recursos, mais de 70% dos assinantes usam o sistema para assistir à tevê aberta com melhor imagem. Pagam para ter imagem melhor, e assistem à mixaria de sempre. É melhor do que pôr esponja de aço na antena interna.
Isso bagunça o coreto, iguala os sistemas, mistura os conceitos, pois a televisão aberta tornou-se paga para cerca de três milhões de residências e escritórios. Tudo é pago, sejam os canais preferidos do público, abertos, sejam os alternativos, de assinatura. No fundo, mais de 70% queriam mesmo era melhorar a imagem ruim das antenas coletivas e das espinhas de peixe. O que estavam vendo antes estava bom para eles, o problema era a qualidade da imagem. A outra hipótese, a de que a programação paga não os satisfez e por isso teriam voltado para a tevê aberta, não parece correta, porque os assinantes insatisfeitos com a novidade não desistiram do sistema pago. Ficaram vendo tevê gratuita pelo sistema pago. Vale lembrar que 81% dos assinantes são das classes A e B.
Os pouco mais de 25% que assistem de preferência aos canais realmente pagos fazem escolhas que poderiam apontar rumos para os diretores da tevê aberta. Essas escolhas indicam do que eles sentem falta na programação aberta: desenhos infantis, filmes e esporte.
No mundo inteiro, o público assinante assiste mais à tevê aberta, mas no Brasil a proporção é altíssima. Por quê? É provável que a tevê paga seja muito fria para o telespectador local, muito distante das suas afetividades e mesmo das suas preocupações. A vida nacional, a língua no ritmo certo (sem aquela cadência horrorosa das dublagens), a paisagem – tudo influi, dá mais segurança, faz mais companhia. A tevê a cabo equivale a viajar; a aberta é estar em casa. Não é à toa que uma das solicitações mais freqüentes dos assinantes é ter mais conteúdos nacionais.
Cortes
A notícia é que os negócios não vão muito bem na área de tevê a cabo. A mais poderosa das empresas do setor, a Globo Cabo, está despedindo desde ontem um quinto do seu pessoal, em todos os níveis. Cerca de 1.200 funcionários serão demitidos. Em maio, já haviam cortado 400. Em junho, um quarto dos investimentos em equipamentos e expansão da rede, previstos para o segundo semestre, foram cortados. Reflexos dos apagões de FHC e da Argentina, dizem. Resta aos telespectadores a esperança de que os serviços não sejam afetados."