Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcos Sá Corrêa

VELHAS NOTÍCIAS

“Ano novo, notícia velha”, copyright No mínimo (http://nominimo.ibest.com.br), 11/1/04

“Ano novo é tempo de notícia velha. O país está meio de férias. A agenda do presidente da República parece uma penca de viagens. No calendário cívico, os próximos compromissos coletivos são reforma ministerial e carnaval. Ou vice-versa. O que sair primeiro. E desta vez até o verão carioca, louvado seja, entrou em 2004 devagar, parecendo com preguiça de engrenar a temporada a sério. Resultado: nem isso os jornais têm para noticiar.

Se é assim, para quem já não agüenta mais a história dos turistas americanos fichados no desembarque, recomenda-se um mergulho ligeiro em ?Tempo quente nos jornais do Rio?, da historiadora Lúcia Silva. Trata-se do número 8 da série ?Cadernos de Comunicação?, editada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Acaba de sair do prelo. Mas o ?tempo quente?, no caso, é outro verão, o de 1930, que naquele ano chegou à cidade em outubro, com a derrubada do presidente Washington Luís, e acabou em fevereiro com a notícia de que ?a polícia não proibirá o carnaval?, publicada pelo ?Diário Carioca?.

Com menos de 80 páginas e ainda por cima com 15 fotografias da época, o livrinho parece feito sob medida para ler na praia. A autora o desentranhou de uma dissertação sobre as mudanças da cidade entre as décadas de 20 e 40, quando o Rio saiu definitivamente da casca colonial e entrou com a cara e a coragem no modernismo. Mas isso não precisa assustar os leitores. Lúcia Silva é doutora em História Social e mestre em Planejamento Urbano e Regional. Mas o caderno que ela fez, embora tirado das aparas de sua pesquisa acadêmica, poderia sair em qualquer suplemento dominical sem atravancar o descanso de ninguém.

Ele é antes de mais nada uma boa colagem de velhas notícias. Mas trabalha com o produto genuíno. Como o artigo de ?O Jornal?, no dia 7 de outubro de 1930, defendendo a ?civilização? no Rio de Janeiro dos atentados cometidos por ?pessoas sem a perfeita noção de seus deveres para com a sociedade e que, abusando da complacência da polícia, exercita o futebol nas praias?. Pelo texto, nem parece que naquele momento estava em curso na cidade uma legítima revolução:

?Outro hábito condenável?, continuava o articulista, ?reside, sem dúvida, no fato de alguns rapazes, orgulhosos de ostentarem a sua musculatura, desatarem as alças de suas camisas de banho, deixando nu todo o torso, para o banho de sol. Não cabe aqui apreciar o mau gosto desse hábito, nem sempre partindo de atletas que com a beleza física de sua compleição poderiam reviver aos nossos olhos a figura apolínea de ginastas helenos. São quase sempre rapazes raquíticos, melancólicos, representantes de fim de raça que assim exibe o mais eloqüente exemplo de nossa inferioridade étnica.?

Era, em outras palavras, um editorial contra o povo brasileiro. Mas o assunto estava na moda. E três meses depois, ele reapareceria no ?Diário Carioca?, reavivado pelo chefe de polícia do governo revolucionário, empenhado em ?adotar medidas enérgicas e vigorosas no sentido de coibir os abusos cometidos pelos banhistas indecorosos e despudorados?. Dizia o parágrafo seguinte:

?Com tal objetivo, o Dr. B. Lusardo reuniu ontem à tarde em seu gabinete os delegados dos 5o, 6o, 7o, 10o e 30o distritos. Nessa reunião, a que compareceu Salgado Filho, delegado auxiliar que superintende o policiamento, foram estudadas medidas mais acertadas para a moralização da praia. Ao que sabemos, os trajes dos banhistas, de ambos os sexos, não poderão mais ser exagerados como se faz até agora, nem tão curtos, nem tão transparentes. Assim também não se permitirão jogos de bola e peteca.?

Dito e feito. Dois dias depois, saía o novo código de costumes da temporada. Ele proibia ?o trânsito de banhistas nas ruas que dão acesso às praias de banho, sem uso de roupão ou paletó suficientemente largos, que deverão ser fechados, só podendo ser tirados nas mesmas praias?. Tinha artigos para disciplinar quem desabotoasse ou despisse ?as camisas de banho? ou usasse ?calções demasiado curtos?. E proscrevia da areia o futebol e o ?exercício ginástico?.

Havia, no regulamento do gaúcho Batista Lusardo, previsão de multas e até prisão de 14 horas para ?todo aquele que for apanhado infringindo qualquer das determinações supra?. E um novo horário de freqüência: ?O banho de mar nos dias úteis só será permitido até as 12 horas e das 15 às 18 horas, de 1o de abril a 30 de novembro, e das 16 às 19 horas de 1o de dezembro a 31 de março?. Mas, ?nos domingos de manhã?, os cariocas ganhavam uma hora de lambujem.

Como o tempo haveria de provar, nenhuma daquelas normas pegou, sequer a de número 5, que tentava ? e continua tentando, com outra redação ? banir da praia os cães e ?a aproximação de embarcações?. Mas uma coisa não mudou até hoje. Com a chegada do verão ao Rio de Janeiro, os jornais dão para publicar bobagens. Deve ser culpa do calor.”

 

JORNALISMO ACOMODADO

“Agências self-service”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/1/04

“O jornalismo tal como é praticado na maioria das empresas de comunicação, tanto no Brasil quanto no exterior, vive sua mais grave crise desde o seu surgimento no que concerne ao respeito pelo público e ao seu direito à real informação. As referências éticas para o bom exercício da profissão perderam-se no tempo. Muitos esqueceram-nas no passado. A essência do jornalismo romântico, com ajuizada verificação dos fatos e a prudente avaliação das fontes associadas ao esforço pelo esmero das notícias, transmutou-se no vulgarismo com que as informações passaram a ser creditadas no presente. O jornalismo tal como está parece ter chegado ao fim da linha. Sociedade e meios de comunicação precisam apresentar uma proposta ousada que possibilite reflexões responsáveis a fim de que as notícias sejam geradas com melhor qualidade.

Com a instituição das agências internacionais de notícias e dos grandes conglomerados de mídia, que conquistaram a muitos e a diversas empresas nacionais no segmento da comunicação com persuasão do tamanho de suas ideologias, o mundo ficou irreversivelmente mais estreito a nossos olhos e contatos. As grandes agências se servem umas às outras e abastecem as de menor porte. O que mais impressiona e decepciona é a acentuada similaridade textual das notícias. Há, claramente, um relaxamento na fabricação e processamento das informações das pequenas empresas de comunicação. Estas praticamente copiam notícias das grandes agências pelo teclado no sistema control C-control V sem se darem ao ético trabalho de ao menos fazer uma reflexão sobre as informações, sobre suas tendências e a necessária checagem para posterior elaboração do próprio texto a partir das notícias lidas no endereço eletrônico escolhido. Só fazem seus próprios textos quando relacionados a questões locais, os quais, culturalmente, estão dependentes de políticas e de políticos regionais. Tudo está muito cômodo e prático. Distanciamo-nos do calor das boas relações humanas e aproximamo-nos das facilidades do distante relacionamento virtual como que quiséssemos fugir de nossas origens. Para muita gente, o mundo está na janela diante de nossos olhos e às mãos.

Somos a sociedade da informação, sem a devida formação para uma recepção qualificada capaz de compreender os mecanismos das relações da comunicação entre os homens e os meios. Aceitamos uma nova e deslumbrante proposta de nos abrir à troca virtual das informações, por isso o acesso à rede interativa mundial está ao alcance de muitas pessoas, basta teclar ou clicar e pronto: está garantido ? ou quase ? o ingresso ao decantado mundo das notícias e das informações diversas ? frias e quentes, carregadas de interesses meramente capitalistas. No menu, desde ações maquiavélicas e corrupções e bombas e guerras à invasão de privacidade. São apenas notícias, não boas notícias. As agências self-service noticiam o que querem e o que desejam as massas, distraindo-as com falácias. Compramos o pacote de informações, não raras vezes, a um preço muito alto e nem nos damos conta disso! Amparadas no discurso autoritário, as agências noticiosas são coniventes porta-vozes de lideranças mundiais ditando normas e insinuando aos pequenos meios de comunicação as suas ?verdades?. A quem recorremos e em quem acreditar? Hoje, com o advento do poder comunicar, falar e expressar idéias, essencial para o trânsito e o desenvolvimento de uma sociedade, os cidadãos ? não todos, infelizmente ? podem acessar notícias e informações e enviá-las para onde desejarem, já que as agências estão à disposição e os cibercafés ? a nova onda interativa ? são próprios para quem ambiciona conectar-se à internet ou mesmo pretende dispor de outros serviços.

Ressalte-se que as agências nacionais, além de avalizarem as notícias oficiais do país, dão ampla importância para as notícias vindas do exterior, o que nos faz pensar em não exatamente como agem, mas em questioná-las como compram as informações que repassam à clientela passiva e quais são suas reais ? e não virtuais ? intenções.

Ainda que exaustivamente consigamos garimpar algumas boas notícias estamos muito distantes de promover o bom jornalismo capaz de propor, por exemplo, a almejada paz. Há conflitos por todos os cantos e há carência de profissionais éticos e com o mínimo de senso crítico para desenvolver seu trabalho em favor de uma sociedade mais justa e fraterna, como também há falta de interesse de muitos governos para a promoção do que realmente interessa: o exercício de uma política amplamente favorável, não no discurso, mas na ação concreta ao bem-estar das populações. Aos profissionais da comunicação, urge que façam prevalecer ? pelo que são ? a prática cidadã, pois o que falta mesmo é uma integração solidária competente que transponha todas as barreiras e preconceitos obstantes aos anseios dos homens de boa vontade.

Assim, uma das propostas para as sociedades compreenderem os meios de comunicação e suas informações, sejam quais forem, bem como a si mesmas ? com o propósito de não ser enganadas ? é a garantia para cada indivíduo, como cidadão de fato e de direito, do acesso à educação e que os jornalistas e os profissionais da comunicação dêem continuidade, com humildade, aos estudos e às respectivas e pertinentes discussões para aprofundarem melhor sua reflexão a despeito das pessoas e das coisas que os cercam no cotidiano interessado que o jornalismo seja, na pluralidade dos pensamentos, um saudável alimento na construção do caráter dos indivíduos.”

 

“Onde estão as boas notícias?”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/1/04

“Você se acostuma. Com os baixos salários, com a falta de condições oferecidas aos profissionais da imprensa, com as matérias ruins, porque já não existem bons pauteiros e, mesmo assim, os repórteres são obrigados a cumprir até quatro pautas por dia. Você se acostuma a ler uma notícia hoje e nunca mais ver ou ouvir nada sobre o desdobramento dos fatos. Acostuma-se também com a censura econômica, com o jornalismo meramente oficial e burocrático.

O leitor não questiona por preguiça; o profissional por medo de perder emprego. Até quando, onde e como devemos ir nos acostumando com as coisas. De tanto ver o destaque dado para crimes violentos, os assassinos em potencial acostumam-se com a idéia de matar. O mundo está violento, mas os editores campeiam notícias ruins. Escondem o que há de bom com medo de estarem escondendo o ?sol com a peneira? quando não se pauta apenas a violência. Jornais e jornalistas são reflexos de um mundo caótico, mas contribuem também para o caos. Assim foi 2003. As boas notícias viraram rodapés do tamanho dos classificados.

As televisões, em busca de audiência, dobraram o ?horário do horror.? Todos parecem perguntar: ?Se o mundo está ruim, por quê não descrevê-lo um pouquinho pior??O medo de levar ?furo?, de oferecer a mesma cobertura do concorrente, impediu que muitos fizessem boas e mais bem-trabalhadas reportagens. Imaginemos um repórter nos dias de hoje descrevendo o nascimento de Cristo. Certamente alguma repórter de moda se preocuparia mais com as vestimentas dos reis magos. Outros diriam que os pastores poderiam ser terroristas palestinos.

A imprensa dita de esquerda falaria na exploração da mão-de-obra. Ninguém se preocuparia com o recém-nascido ou com os seus pais. O comercial poderia de ser uma boa mirra do incenso importado, da Gold Alguma Coisa, dos colchões Bem-Bom, do sabonete Nossa Senhora (?que deixa você com um perfume angelical desde a manhã até a noite?).Somos jornalistas e descrevemos fatos, mas será que estamos preocupados com todos os fatos? Quem sabe de tanto copiar aprendemos a só enxergar os fatos negativos? É certo que o mundo já se acostumou a ler só notícia ruim. Não seria possível acostumar as pessoas procurar também as boas notícias?”