Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcus Figueiredo

LULA PRESIDENTE"Erros e acertos nas pesquisas eleitorais",
copyright Folha de S. Paulo, 9/11/02
"Ao final do primeiro turno das eleições
os jornais estamparam manchetes cobrando os ?erros? dos institutos
de pesquisa, especialmente do Ibope e do Datafolha. Assunto recorrente
derivado de uma prática antiga: editores comparam os valores
pontuais dos votos estimados nas pesquisas com os resultados fornecidos
pelo TSE.
Qualquer diferença, para mais ou para menos, fornece munição
aos jornalistas e aos dirigentes partidários derrotados -para
as matérias dos primeiros e, para os segundos, para as reclamações
de uso espúrio dos resultados dos institutos publicados nas
vésperas da eleição. Essa prática tem
se repetido ano após ano, estimulando alguns a até
mesmo pedir CPIs e explicações judiciais.
Razões das reclamações à parte, o fato
é que, estatisticamente, é muito raro as estimativas
dos institutos de pesquisas coincidirem, pontualmente, com os resultados
oficiais. Há várias razões que concorrem para
isso, razão pela qual todos institutos a cada pesquisa trabalham
com uma margem de erro de estimação.
Teoricamente o que se espera das estimativas de intenção
de voto é que, simultaneamente, os valores dos votos estimados
e a consequente posição dos concorrentes na disputa
fiquem o mais próximo possível do resultado final.
Esse objetivo o mais próximo possível é regido
pela teoria da margem de erro de estimativa, que cada desenho amostral
estipula a priori, informação fundamental para se
avaliar o desempenho da pesquisa.
Esse padrão de avaliação vale tanto para as
estimativas pontuais, candidato a candidato, quanto para a avaliação
global, que consiste em estimar-se a média das diferenças
das estimativas pontuais de uma chapa completa dos candidatos.
Metodologias
Existem várias metodologias de avaliação das
pesquisas de intenção de voto. No artigo intitulado
?The Polls Review: Was 1996 a worse year for polls than 1948??,
o autor Warren J. Mitofsky faz uma comparação do desempenho
das pesquisas eleitorais nas eleições presidenciais
americanas desde 1948. Em 1948, The Social Science Research Council
(SSRC) examinou a questão de como a precisão das pesquisas
deveriam ser medidas, ponderando as vantagens e desvantagens de
vários métodos.
Warren em seu estudo considera os mesmos oito métodos analisados
naquela época.
Uns são mais rigorosos que outros. Apenas para exemplificar,
o método menos rigoroso considera a precisão da pesquisa
somente levando em conta a diferença, em pontos percentuais,
entre o índice obtido sobre o total de votos pelo candidato
que lidera as pesquisas e o seu resultado oficial.
Dentre os diferentes métodos de avaliação os
mais eficientes são: a) Média das diferenças
absolutas entre a intenção de voto declarada e votos
apurados oficialmente (Método 1); b) Média das diferenças
absolutas entre intenção de voto estimada e votos
válidos oficiais (excluem-se aqueles que não citam
candidatos, indicam branco ou voto nulo) (Método 2).
Após a eleição de 1998, fiz alguns testes preliminares
sobre os resultados publicados e propus aos três maiores institutos
associados da Anep, Ibope, Datafolha e Vox Populi, que disponibilizaram
os resultados das últimas pesquisas eleitorais realizadas
antes das eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998,
e em conjunto com eles foi possível avaliar as pesquisas
eleitorais brasileiras através destes dois métodos.
Os resultados globais foram os seguintes:
Comparando-se o desempenho dos institutos americanos, avaliados
por Warren J. Mitofsky, e o desempenho dos brasileiros nas últimas
eleições presidenciais, verifica-se a mesma eficiência:
Para a eleição de 2002, primeiro turno, apliquei novamente
esses mesmos dois métodos de avaliação, os
mais eficientes, constatando que os resultados das pesquisas eleitorais
apresentavam excelente desempenho global, com média geral
das diferenças de estimativas apuradas pelos quatro maiores
institutos da ordem de 1,1% (método 2), numa eleição
competitiva com 6 candidatos.
Desempenho
O desempenho desses institutos, no primeiro turno, pode ser visto
nas tabelas 1 e 2. As estimativas pontuais, no entanto, apontaram
algumas diferenças entre os institutos. Datafolha e Ibope
superestimaram a votação de Lula, Vox Populi e Sensus
superestimaram Ciro Gomes, e José Serra teve a sua votação
subestimada por todos os quatro institutos. Essas variações
podem ser explicadas pela movimentação do eleitorado,
sugerindo a intenção do eleitorado de não terminar
a eleição no primeiro turno, como sugeri, na ocasião,
em artigo publicado no jornal ?O Globo?, de 18 de outubro, na coluna
Observatório Eleitoral.
Se no primeiro turno das eleições deste ano o resultado
foi excelente, no segundo turno o desempenho geral já não
foi tão bom como se esperava, apresentando diferença
média geral de estimativa de 2,6%, acima da média
histórica mostrada acima.
Nas tabelas 3 e 4 temos as avaliações feitas usando
os mesmos métodos 1 e 2.
Com exceção do Ibope, cujas estimativas pontuais e
médias ficaram dentro das respectivas margens de erro previstas,
revelando excelente desempenho, os três outros institutos
tiveram suas estimativas pontuais e médias fora das respectivas
margens de erro, da ordem de 0,9% a 1,1%. São, evidentemente,
erros médios relativamente pequenos, mesmo considerando que
o instituto Sensus trabalhe com margem de erro de 3%.
Razão do erro
Diante desta observação não basta apontar o
erro, mas indicar uma possível razão. Examinando as
estimativas pontuais dos institutos vemos claramente que a fonte
dos seus erros de estimativa está na estimativa pontal dos
declarantes indecisos e de votos nulos ou brancos.
Tomando-se o método 1, votos totais, vemos que todos os institutos
acertaram o voto em Lula. Mas somente o Ibope acertou as suas estimativas
em Serra e em votos indecisos, nulos e brancos. Todos os demais
subestimaram a votação em Serra e superestimaram os
indecisos e declarantes de voto nulo e branco. Consequentemente
isso se reflete no resultado apurado pelo método 2, que é
muito sensível em relação aos votos nulos e
brancos apurados na eleição.
Neste caso fica claro que está na captação
dos votos indecisos, nulos e brancos a fonte para que as estimativas
médias desses institutos terem ficado fora das respectivas
margens de erro. Isto é muito mais um problema de captação
da informação do que de erro derivado do desenho amostral
(ver as descrições das pesquisas nas tabelas indicadas).
Tomando-se o desempenho histórico dos institutos avaliados
vemos que foi, justamente, no segundo turno da eleição
deste ano onde tivemos os maiores desvios das estimativas eleitorais
(ver quadro ?Desempenho das pesquisas eleitorais?). Apesar disso,
não houve nenhuma ?grita?, nem dos jornais e nem dos políticos.
(MARCUS FIGUEIREDO é doutor em ciência política
e professor e pesquisador do Iuperj – Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro)"

 

"A sociedade civil e a ?guerra simbólica?",
copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 10/11/02
"De 14 a 17 próximos será realizado
no Rio?s Presidente Hotel, na Rua Pedro I, 19, no Centro do Rio,
o ?8? Curso Anual de Especialização em Comunicação
Sindical e Comunitária?, promovido pelo Núcleo Piratininga
de Comunicação (NPC), entidade liderada por dois bravos,
o casal Vito Giannotti e Cláudia Santiago. O encontro, como
o próprio nome diz, se destina aos jornalistas que trabalham
com as entidades ligadas aos trabalhadores e à sociedade
civil organizada.
Dificilmente poderia pensar em momento mais oportuno para a realização
de um evento como esse. A vitória de Luiz Inácio Lula
da Silva na campanha presidencial deste ano demonstrou, se ainda
havia alguma dúvida a respeito, a importância de uma
comunicação profissionalmente bem-feita no âmbito
político, mesmo em se tratando do chamado ?campo popular?.
O trabalho realizado pelo publicitário Duda Mendonça,
sem dúvida, foi o de maior destaque, mas não se pode
esquecer a equipe de assessoria de imprensa, coordenada pelo brilhante
Ricardo Kotscho (igual a quem eu gostaria de escrever quando crescer,
como comentei com um colega depois de ler um dos artigos dele durante
a campanha). Sem as respostas rápidas, precisas e decididas
da equipe petista, muitos problemas de comunicação
poderiam ter surgido durante a campanha e logo após o seu
final.
Creio que os trabalhos de Duda e Kotscho põem em primeiro
plano uma discussão que houve no Sindicato dos Jornalistas
do Rio logo após o processo de impeachment de Paulo César
Rodrigues, o PC: haveria necessidade da contratação
de um profissional para ser o assessor pago do Sindicato? A resposta
a esta pergunta levou à minha contratação pela
entidade para ocupar o cargo, em 96, e, depois de mim, a da coleguinha
Sônia Regina. No nosso caso, devido até ao fato de
a diretoria que assumia ser formada por jornalistas não-partidários,
a decisão foi mais fácil. Ela, porém, me parece
se a única correta hoje para os que lidam com comunicação
sindical e comunitária no Brasil.
Como o Valor publicou há umas duas semanas, citando estudo
do IBGE, o sindicalismo é hoje, cada vez, mais uma opção
de pessoas com maior poder econômico e maior nível
cultural. Este fato decorreria de a indústria ter perdido
campo para o setor terciário, de serviços, da economia
como grande empregador. A mudança teria, ao mesmo tempo que
afastava os trabalhadores menos qualificados deste ramo dos sindicatos,
reforçado a presença nele daqueles que, tendo sido
jogados na rua da amargura pela chamada reengenharia, mesmo possuindo
uma formação melhor, redescobriram – ou descobriram
– a importância da união dentro de uma categoria profissional.
Ora, esta alteração no público dos sindicatos
deve, obrigatoriamente, fazer com que eles mudem suas maneiras de
dizer as coisas, os seus discursos sobre a realidade. Afinal, pessoas
com uma formação mais profunda tendem a ser mais críticas
e analíticas, não sendo facilmente sugestionáveis
por slogans e refrões. Elas precisam ser convencidas de uma
maneira nova, diferente daquelas com as quais os sindicalistas estão
acostumados.
Outro paradigma – Dentre as técnicas de convencimento dominantes
hoje em dia, o jornalismo é destaque. O discurso da ?objetividade?
e da ?imparcialidade? do jornalismo chega até a influenciar
a própria publicidade, a atividade sofista por excelência
(vai dizer que você não notou o número de peças
publicitárias que usam o ?testemunho? de repórteres,
verdadeiros ou não, para vender produtos?). Obviamente, estas
?objetividade? e ?imparcialidade? não passam de construções
ideológicas parcamente referenciadas pela realidade, mas
a maioria acredita que elas são verdade, verdade passam a
ser.
Assim, creio ser este o momento para que os dirigentes de organizações
sindicais, profissionais e ONGs em geral, mudem o paradigma (como
adora dizer o pessoal de administração) fazendo com
que os militantes sejam substituídos pelos profissionais
em seus departamentos de comunicação. Provavelmente
por terem maior flexibilidade e maior contato com o mundo, as ONGs
parecem já ter percebido esta realidade e têm procurado
profissionais para tocar seus projetos de comunicação.
Só nesta semana que passou, pus no blog dois anúncios
deste tipo de organização procurando jornalistas,
num total de seis vagas.
Obviamente que passar este setor para as mãos de profissionais
não quer dizer largá-lo para lá. Como em qualquer
veículo de comunicação, a diretriz política
geral deve ser dada pelo órgão máximo de decisão
e seguida pelo profissional da melhor maneira possível, usando
as ferramentas de que dispõe.
Um problema, no entanto, as associações que passarem
a profissionalizar suas atividades no campo da comunicação
terão que enfrentar: a falta de pessoal qualificado para
assumir a função. Você pode até se espantar
com esta afirmativa – ?Com tanta gente desempregada vai é
ter gente de sobra!?, dirá -, mas ela é real, eu creio.
É que um profissional para trabalhar numa associação
da classe trabalhadora ou numa ONG precisará ter uma qualidade
fundamental que não se precisa ter para trabalhar na chamada
?grande imprensa? e que também não se encontra com
facilidade em quem sai das faculdades: capacidade de pensar e argumentar
politicamente.
Como se sabe, a capacidade de pensar em geral entrou em baixa nas
redações de uns dez, doze anos para cá. O que
importa hoje é obedecer, rápida e cegamente, às
ordens que vêm de cima e esperar que o salário pingue
na conta no fim do mês. Pensar politicamente, então,
passou a ser extremamente perigoso. Quem tiver alguma opinião
política convém guardá-la muito bem para si
e só revelá-la dentro da cabine de votação,
e ainda assim depois de olhar bem para os lados e para trás.
Numa entidade de carga fortemente política, como uma associação
de trabalhadores, uma ONG ou um sindicato, no entanto, esta capacidade
de trabalhar a realidade sob uma chave politizada é essencial.
Ou seja, quem vem de uma redação de veículo
grande dificilmente vai se adaptar rapidamente a uma realidade oposta.
O problema também não tem solução fácil
pela via do recrutamento de jovens recém-formados. Com as
exceções de praxe – em geral em faculdades públicas
-, a formação dos jovens jornalistas tende a ser apolítica,
com os professores se interessando apenas em passar a sua experiência
prática – até porque os jovens, oriundos de um ?mundo
videogame? exigem isso – sem passá-la por um crivo analítico,
muitos até por falta de ferramental teórico.
Apesar de todas estas dificuldades, creio que é essencial
para o chamado ?campo popular? se preparar para enfrentar as durezas
do combate no campo simbólico que já se anunciam nas
manchetes dos jornais – ?Saddam envia ?sinceras felicitações?
a Lula?, título da Folha de outro dia, é ótimo
exemplo – no decorrer dos próximos quatro anos.
Bem, como este texto já está enorme – e já
houve reclamações de que os meus escritos são
grandes demais para serem entendidos – vou tentar voltar ao tema
semana que vem.
Dificuldade – ?Salário mínimo divide PT?, ?Esporte
gera polêmica entre petistas?, ?Qualidade do doce de abóbora
servido no Alvorada irrita radicais?… Esse é o tipo de
manchetes que vamos ter que aturar nos próximos anos. Aquela
dificuldade da imprensa de lidar com um governo federal petista
já começa a aparecer, pois para os nossos coleguinhas
a idéia de contraditório de idéias é
inconcebível, mesmo que todos jurem pela mãe mortinha
que são democratas.
E nem adianta pensar que esta dificuldade vá ser superada
com o tempo. É que ela é reflexo das práticas
autoritárias e feudais que existem nas redações
de todo o país. Um dos lugares menos democráticos
deste Bananão com longa história de autoritarismo
é redação de veículo de comunicação.
Experimente defender idéias, ou fazer reivindicações,
que não se coadunem com seu chefe ou o chefe de seu chefe
para ver o que acontece…
E, no entanto ainda resta uma esperança. Quem sabe se depois
de ler manchetes como aquelas lá de cima milhares de vezes,
o distinto público não acabe se acostumando que democracia
é isso mesmo: divergência entre pessoas que só
concordam que podem discordar uma das outras com o devido respeito?"